terça-feira, 1 de maio de 2012



Três rafeiros

O mais velho chegou no decorrer do ano de 2004. O divórcio e a venda da habitação quase paga obrigaram-no a procurar uma outra casa e assim mudou-se para a outra margem, foi para sul. Nesse tempo ainda a filha mais nova vivia com ele um viver de pelo menos dormir e por vezes jantarem juntos, ela continuava a estudar e já ia trabalhando para ganhar para os seus vícios. Habituou-se à outra margem, as condições monetárias da vida tinham-no transformado num NINJA moderno (sem rendimento, sem trabalho, sem seguros).
Naquele tempo mudaram-se com eles o Jeremias e a Pequenina dois gatos rafeiros com histórias e comportamentos diferentes, para trás no tempo da mudança tinha ficado o Onix o seu amigo labrador, não resistiu à perda de imunidade que uma carraça lhe causou e sofrendo mas sempre amigo acabou por partir no mês de Fevereiro anterior à sua ida para a outra margem. O Jeremias era um gato possante majestoso que um dia a pedidos insistentes da filha J tinha vindo da rua para casa, era um gato porreiro; passado pouco tempo de estar na casa nova como que defendendo os humanos das más vibrações apareceu doente, foi operado, fez quimio e ainda viveu mais um ano altura em que o mal sempre atento e insistente o atacou de novo e não mais recuperou da segunda intervenção. A Pequenina era diferente, pequena de tamanho, rafeira com cruzamento siamês era um animal velhinho, calmo, carente e mediúnico; chegou a casa com o falecimento de sua mãe, na última visita ao palheiro encontraram-na chamou-a e ela veio à sua mão, na semana seguinte trouxeram-na para casa. Ela sabia quem eram as pessoas boas que entravam em casa, via para além dele, velhinha procurando sempre calor e colo foi perdendo os dentes e veio a falecer dois anos depois num Natal. Não foi cremada como os outros mas enterrada em Vila de Rei, Bucelas.
Ainda a Pequenina era viva e a G sua companheira arranjou-lhe uma gatita que foi batizada com o nome de Mia, uma rafeirita recolhida com duas semanas de vida num terreno em Moscavide. Depressa se habituou e com a Pequenina aprendeu a andar por casa sem procurar sair para a rua, ao sábado aquando das limpezas as varandas ficam abertas nem sequer procura ficar um pouco vai e em menos de 30 segundos está de volta para dentro, independente, escolhe os momentos de receber festas e comer e dormir é o seu prato favorito.
Pelo Carnaval de 2009 chegou o terceiro rafeiro, de sua graça Master, é cão e veio de Alverca onde há mais de um ano andava e sobrevivia na rua. No seu corpo as marcas da sobrevivência, no seu comportamento os traumas dos maus tratos. É um cão majestoso mas medroso, não gosta de passar na porta de cafés ou de bares, não gosta de passar junto a pessoas que estejam reunidas a falar alto, mete o rabo entre as pernas baixa a cabeça e faz força para mudarmos de direcção; quando outros cães lhe ladram, segue o seu caminho não lhes liga mas quando encontra cães que andam sem eira nem beira fica dando ao rabo todo contente querendo sempre ir ter com o outro ou outros; um cão que quase não ladra mas que fala com ele batendo com os dentes, que se habituou às paredes de casa e o recebe aos saltos quando abre a porta, mete-lhe as patas nos ombros e tenta lamber-lhe a cara o que ele evita quase sempre, depois das festas e de satisfeito vai para o seu canto. Um cão que é muito mais do que um cão.

Tinha dormido mal, sonhou e acordou várias vezes durante o sono por isso custava a acordar, a TSF rádio tocava mas maquinalmente baixou o som como que não querendo ser incomodado, o telemóvel despertou e repetiu o movimento, virou-se escondendo na almofada o ouvido que ainda tinha capacidade de audição. Contudo o amigo Master vendo que não se levanatava chegou perto da cama e sem por a pata nesta começou a falar batendo com os queixos numa linguagem sua, sem latir para não incomodar os vizinhos aquela hora, já eram 06H10 e lá estava ele olhando-o abrindo e fechando a boca naquela fala seca oôôt oôq âããa meio a dormir saiu da cama e foi directo às escuras para a casa de banho metendo-se debaixo do chuveiro. Fez a barba ainda mais rápido que nos dias anteriores, já não usava cremes para barbear as lâminas descartáveis deslizam e deixam-lhe a pele macia. A Mia que tudo assiste ao fundo da cama (é lá o seu lugar) espera-o em cima do móvel que existe no hall para receber umas festas no pescoço e depois começar a miar pedindo comida fresca. Agasalhou-se e sairam para a rua, o Master corria escadas abaixo até à porta da rua, normalmente fechada mas se ela não estivesse fechada, que faria? Ir-se-ia embora ou ficaria a esperá-lo? Uma duvida que o assaltava mas para a qual ainda não tinha coragem para experimentar.
A manhã estava fria, o outono que começou com alguma chuva andava agora seco acentuando-se o arrefecimento nocturno. Era noite fechada ainda, algumas pessoas caminhavam apressadas para o trabalho ou para o ponto de encontro onde outros passariam para as levar. O Master escolhia o caminho e ele procurava controla-lo sem o forçar. Na rua seguiram para a Rotunda do Toiro descendo depois a avenida até ao cruzamento da escola primária que agora tinha outra designação. Esperaram pelo sinal verde e atravessaram. Chegados ao terreno baldio o Master entrou na sua actividade de cheirar tudo para trás e para a frente, tudo tem um cheiro um significado que o leva a ter redobrada atenção. Depois de cheirar, de alçar a perna e defecar, seguem pela rua do Minipreço abaixo até ao Jardim da Praça ____ na passadeira dos peões os carros passavam como se eles não estivessem a atravessá-la, viraram à direita, passavam pelo lavadouro municipal que agora era mais museu do qe outra coisa e foram em direcção ao Largo da Praça e voltaram para casa. Estava feito o primeiro passeio do dia. Ainda era noite quando entraram em casa e a Mia miava inquieta pedindo comida fresca.
Abriu uma lata de comida e deu-lha. Depois tratou do Master enquanto via e ouvia as notícias da manhã na TV. Por fim tomou ele o seu pequeno almoço. Torradas com manteiga e leite com café solúvel acompanhando a toma dos comprimidos para a tensão arterial e para as dores das artroses nas mãos. Fez a cama, abriu o computador e enquanto este iniciava falou com os seus anjos, santos e Deus.

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