Ao
contrário do que tem sido habitual enquanto preparava o almoço
ligou o aparelho de televisão ouvindo dizer que o PM iria prestar
declarações. Ficou atento, ele que anda a leste das notícias e
“trincas” políticas que ocorrem na capital. Já não tem
paciência para os ouvir, mas ficou curioso e ouviu o que o PM disse
aos jornalistas antes do almoço comemorativo dos 25 anos da Expo98.
Nasceu
e cresceu os primeiros anos naquele território que agora por
interesses partidários do centrão resolveram tirar à sua freguesia
de nascimento criando uma nova e pomposa freguesia designada como
Parque das Nações. Para si a sua freguesia continuará a ser Santa
Maria dos Olivais, mesmo que nos documentos oficiais lhe coloquem
apenas Olivais.
Não
se julga superior a ninguém nem a nada, antes pelo contrário, é
hoje um quase nada que desiludido com a política do país se
tresmalhou do rebanho por sua opção, vivendo como que ausente na
outra margem da vida.
Leva
uns anos bons de política ativa e passiva (mesmo tresmalhado não
deixou de ser um político passivo) e, ao ouvir o PM responder a
várias perguntas dando sempre a mesma resposta, lembrou-se do tempo
em que os comunistas eram acusados de terem sempre a mesma cassete,
embora por vezes quem responde tenha que repetir a mesma resposta,
pois na essência as perguntas que os jornalistas fazem são quase
sempre iguais, elaboradas com palavras em moldes diferentes.
Uma
coisa sabe, se fosse PM não mandava recados, nem dava troco ao que o
“homem do Poço de Boliqueime” terá dito ou arrotado, pois os
políticos que vivem as suas douradas reformas gostam muito de
arrotar os seus arrotes como se fossem donos da verdade. O “homem
do Poço” quando governou o país até da terra natal teve vergonha
mudando-lhe o nome; um político que nunca o entusiasmou nem
convenceu antes pelo contrário, sempre se interrogou como é que
depois de tantos anos de miséria salazarista os portugueses passado
pouco mais de meia dúzia de anos da nova ordem democrática
escolheram para governar e mais tarde para presidir um salazarista
convicto de vistas curtas, um funcionário publico que tinha às
costas na altura em quer foi nomeado primeiro ministro um processo
disciplinar por faltar às aulas na universidade onde era professor,
indo nesse tempo dar aulas numa universidade privada e católica,
recebendo dos dois lados. Os portugueses têm o que merecem.
Depois
de ouvir o PM teve de desligar o aparelho quando o canal televisivo
onde estava sintonizado lhe deu como notícia algo que um político
de que não gosta terá dito ou comentado. Os seus fracos tímpanos
não suportam os dizeres que o senhor que ocupa o lugar de
presidente da Assembleia da Republica diz do alto do seu
convencimento, daí o desligar de imediato o aparelho televisivo.
Não
gosta de praticar estes atos de censura, mas não encontra outra
alternativa melhor para proteger a sua sanidade mental.
Vive
bem no seu canto longe das “trincas” e notícias que nascem e
correm na
capital, já não tem paciência para tanta
discussão, tanto diz que não diz, fez que não fez, mandou mas não
mandou, ordenou
mas não ordenou,
tanto
comentador encomendado.
Desde
que pela primeira vez ouviu
a
notícia sobre uma faustosa indemnização dada
a uma senhora administradora
da TAP,
logo lhe
cheirou
que aquilo deveria
meter
“luta de saias”. Assim
parece que tudo começou
por causa da
incompatibilidade
de saias na empresa publica TAP e, já os
deputados vão
interrogando o ministro que nem era responsável pelo pelouro da
empresa publica na altura em que a disputa de saias deu lugar há tal
afrontosa indemnização à senhora que na luta de saias era o elo
mais fraco. Das saias passaram pela privatização, pela
renacionalização e agora andam às voltas com um computador que
mete os serviços de informação e segurança, o ministério publico
tudo numa confusão sempre mais confusa para que no relatório final
a montanha irá de
novo
parir um rato, com os da oposição e os seus fieis órgãos de
comunicação a tecerem críticas à forma e ao modo como a maioria
irá redigir o
relatório final.
Sempre foi assim quando se formam aquelas comissões parlamentares
que não levam a lado nenhum a não ser à lavagem de roupa suja
entre os diversos partidos políticos
nelas
representados para
gáudio dos órgãos de comunicação social, que passam horas e mais
horas com os seus comentadores encomendados a comentar o que se
disse, o que presumivelmente deveriam ter dito e não disseram, ou
seja a ideia de verdade que agrade ao patrão mesmo que a verdade
nada tenha a ver com a mentira por eles difundida.
Nos
intervalos que as tardes lhe dão, pensa na vida e nas voltas que
esta lhe deu ou fez dar para
estar aqui sozinho no
seu canto.
Nos
vários caminhos do pensamento das causas de estar e ser um
solitário, ela volta
a estar
presente mesmo sem saber quem ela é hoje. Mesmo sem hoje
a conhecer vive
com a sua imagem de juventude. Uma lembrança que já o atormentou
mais do que nestas
últimas semanas. Recorda-a ultimamente sem sofrimento, aceitando o
silêncio dela ao seu pedido de desculpas pelo que lhe fez quando
jovens. Deixou-a sem lhe dar uma explicação para o facto. Já tocou
à porta onde
presume que vive,
já lhe escreveu mas
só silêncio vazio obteve como resposta.
Errou na altura. Reconhece o erro. Como vale mais tarde que nunca,
agora passados mais de 50 anos pediu-lhe desculpa e ela responde-lhe
com o mesmo silêncio com que ele respondeu aos seus telefonemas de
então. Nunca lhe desejou mal, antes pelo contrário, sempre ao longo
da vida desejou que ela tivesse sido mais feliz do que teria
sido
com ele, ser
inquieto
revoltado
de
muitas duvidas.
Quando
a deixou sem explicação alguma já não era um religioso católico,
como ela era, já vivia na outra margem da vida sem religião,
abraçando muitas duvidas, mas sem pensar em voltar atrás. A revolta
contra o sistema político em que viviam era um vulcão dentro de si.
A imagem dela a ir a uma aula furando a greve que os estudantes
levavam enfrentando
a ditadura,
fá-lo ver então
que
os dois tinham de sofrer e não teve coragem de a ver chorar de novo.
Eram jovens que
se gostavam,
e, hoje já de barbas brancas aqui neste seu canto raiano, ainda a vê
a ir à aula, ainda a sente agarrada ao seu braço chorando e pedindo
desculpa pela bofetada que lhe deu, quando ao fundas das escadas de
sua casa ele procurou dar-lhe um beijo. Tem saudades desse beijo que
nunca lhe deu. Quando
a deixou não
a trocou por nenhuma outra moça, era dela que ele gostava e por ela
ainda hoje sofre. Ainda hoje nas suas conversas com além sagrado
pede aos bons espíritos que por ele zelam que igualmente possam
zelar pela sua saúde, pelo seu bem estar, esteja ela onde estiver,
esteja ela com quem estiver.
Sabe
que o futuro não existe. O que lhes ensinaram sobre esse tal futuro
foi e é uma forma de iludirem as pessoas. A vida só tem presente
que de tão fugaz
logo é passado que nos vai
moldar
nos nossos posteriores
comportamentos
ao longo da nossa caminhada por esta existência terrena.
Com
consciência de que é um quase nada ou talvez mesmo já seja um
nada, vive triste e feliz aqui no seu canto. Triste
por estar aqui só. Quem
o rodeia não sabe, não conhece não
se interessa nem
imagina a
sua felicidade ao ver as coisas que tem no seu quintal florirem,
frutificarem. A alegria que o inunda ao ver as flores dos tomateiros
gerarem fruto, ao ver como as uvas vão crescendo, até de forma
anormal pois com as alterações climatéricas tudo este ano parece
estar adiantado no seu ciclo de vida. Todos os dias olha a ameixeira
que de um caroço nasceu espontânea ainda no tempo do seu pai que
tanto gostava dessa fruta, olha-a para
ver as pequenas ameixas a ficarem dia a dia mais maduras,
alimentando-lhe a esperança de as poder colher antes de voltar para
a cidade dormitório da cidade grande; ainda esta manhã e pela
primeira vez colheu duas ou três framboesas que
lhe
souberam a céus de felicidade, mas estes seus momentos ninguém que
o rodeia imagina, lhe dá um pouco de atenção e
muito menos valor.
Até
parece que veio a esta caminhada só para servir os outros.
Ao
jantar uma sopa de caldo verde que tinha feito com as couves que tem
no quintal e uma banana, viu uma reportagem que estava a passar na
RTP3 sobre o movimento religioso nos Estados Unidos, pensou no que
tinha escrito antes de sair com a sua amiga para a volta higiénica
do final de tarde.
Como
é que diz não ser religioso, não seguir nenhum credo religioso e
depois dizer que nas suas falas com o além sagrado pede aos bons
espíritos?
Não
tem, não segue nenhum credo religioso, não se sente católico, nem
ortodoxo, nem judeu, nem muçulmano, nem budista, nem nenhuma das
várias correntes que se podem designar por cristãos protestantes,
sejam anglicanos, calvinistas ou outros. Nem tão pouco se sente
ateu. Contudo, tudo isso não o impede de ter a sua religiosidade
acreditando que o espírito que nos encarna não morre com a
declaração material da morte, há mais vida para lá desta viagem
terrena, vida que existe num universo desconhecido dos nossos
sentidos, pelo que somos uma dualidade corpo-matéria,
espírito-transcendência. Ao acreditar na espiritualidade, ao falar
com esses seres seus desconhecidos, pede também por ela, porque como
já escreveu, nunca lhe desejou outra coisa que não fosse o seu bem
estar a sua felicidade. Já lá vão anos e anos que sem a conhecer
nem saber nada da vida dela lhe deseja sempre o bem. Acreditem ou não
nas suas palavras, pouco se importa já que os seus sentimentos são
verdadeiros e não ganha nada em criar cenários que possam ser só
delírios...
Ao
não se considerar religioso não vê na religião um inimigo seu. A
religião interfere consigo quando os religiosos entram com os seus
conceitos na política, seja no caso da interrupção voluntária da
gravidez, seja com a eutanásia ou questões com a sexualidade de
género. Quantas vezes aos domingos de manhã ouve a missa na rádio
para se inteirar ouvindo o que dizem os padres ou bispos aos seus
fieis seguidores . A religião sempre foi conservadora de hábitos e
costumes, que desde os tempos primórdios sempre viu na ciência um
inimigo com o qual muito poucos lideres religiosos souberam
interpretar aceitando os avanços técnicos da ciência. É assim que
passa ao lado dos presumíveis crimes de pedofilia cometidos no seio
da igreja, como também nada lhe diz o evento que irá ocorrer
designado por jornada mundial de juventude. Como o Estado se rege por
uma Constituição laica, passa ao lado das decisões com os gastos
públicos com tal evento, porque não acredita que a religião alguma
possa resolver os males que existem no Planeta. Não devemos por nas
mãos de um ser desconhecido a quem chamamos Deus, os problemas que
aos seres humanos compete resolver.
Quando
em Outubro de 1975 decidiu casar com uma moça que conheceu quando
veio da guerra passar um mês de férias junto com os seus pais, não
casou pela igreja, apenas e só pelo civil para não dificultar ainda
mais a vida dela com os seus futuros sogros, pois já nesse tempo
pensava que casamento é um estado de espírito mais do que o
«contrato de casamento» que a sociedade civil impunha. E, quando
após o falecimento de sua mãe, as suas filhas lhe diziam para
saírem os três de casa, sempre lhes disse que assim como não se
deve abandonar uma pessoa que sofre de Alzheimer, também não se
deve abandonar quem é doente de depressões quase continuas. Mas,
como nasceu para servir, um dia a sua companheira mãe das suas
filhas, decidiu deixa-lo com as filhas, ou seja, no final ficaram os
três, ele e as suas duas filhas. Sina? Destino? Não sabe, gostando
mais da palavra brasileira, Aprendizado.
São
quase dez e meia da noite, levando umas horas a falar com o silêncio,
com a sua ausência num mar de esperanças, contando-lhe coisas como
se estivessem interessados em saber o que ele pensa e faz. Sorri,
pois esta é a forma que tem de não deixar que a solidão entre na
sua casa, basta-lhe o silêncio incomodativo de não ter diálogos
sonoros.
Depois,
mesmo quando namoravam ele nunca foi de grandes conversas
telefónicas, ainda hoje assim continua, o aparelho de telemóvel
serve-lhe tanto para falar como para tirar fotos mas mais até para
escrever o que lhe vai na alma. Sabe que a sua vida será pouco mais
que isto em termos afetivos, não alimenta ilusões, está só e irá
continuar só, mesmo quando partilha o espaço de casa com outra
pessoa.
Ainda
ontem, no festival das “Cordinhas da Beira Baixa” em Idanha
quando sentia os olhos húmidos de lágrimas ao ouvir as musicas que
sua mãe gostava de ouvir e cantarolava, pensou nela mas de imediato
a sua sombra o aconselhou a não pensar, pois não há nada a
resolver nem a pensar. Há erros que não se resolvem apenas se
carregam ao longo dos dias que a viagem posterior dá como
oportunidade de vida.
A
solução para viver passa por aceitar a sua tristeza da forma mais
alegre e feliz possível, fazendo o que gosta de fazer já que os
outros são os outros e ele vai continuar a andar na outra margem da
vida no seu caminhar solitário levando consigo memórias do que não
viveu.
Sente
falta das filhas, sente falta das netas e do neto. Sente falta mas
aceita sentindo que a revolta que em tempos sentiu por elas não lhe
ligarem para saber se esta bem se precisa de alguma coisa, esse
sentimento de revolta vai amadurecendo e ficando mais leve ou porque
se habituou ou porque se fortaleceu interiormente nesse sentido. Deu
o que soube dar e mais uma vez o presente que vive lhe ensina o
aprendizado, nasceu para servir. Sabe que hoje as novas gerações
encaram a vida e as relações afetivas com os mais velhos de forma
diferente daquela que ele viveu em relação aos seus pais,
independentemente da educação que tiveram e ele lhes deu, o meio em
que vivem e se relacionam a isso conduz, os mais velhos que vivam a
sua vida que na deles problemas não faltam, não sentindo ele
direito de interferir nessa forma de hoje viverem. Encara essa
realidade anexando-a à sua forma triste de ver o mundo e a vida
presente. Preocupa-se com o tal futuro inexistente pensando nos
netos. Preocupa-se mais provavelmente que os próprios pais.
A
sua ignorância nos dias que correm é de tal ordem que não sabe
quem são uns famosos “Coldplay” que atuaram em Coimbra. Não
sabe, nem teve curiosidade em ir ao Google ver quem são esses
famosos. O seu mundo vai ficando dia a dia mais estreito, mais
reduzido mas também mais transparente.
Hoje
é terça feira e já conta os dias que tem, antes de ir embora para
a cidade dormitório da cidade grande. Já hoje sente a tristeza de
deixar o seu canto, o seu quintal com as suas coisas a precisarem de
atenção de carinho, sim tudo na natureza precisa de atenção, de
um pouco de carinho já que todas as plantas ou árvores gostam que
falem com elas, que as tratem e as defendam das pragas que andam
voando em busca de lhes fazerem mal.
O
ano é de seca, pior que o ano anterior e tudo está mais adiantado
do que seria normal. Hoje de manhã quando saiu para ir à padaria
colheu uns mirtilos antes que a passarada os coma, depois viu uma
framboesa comeu-a, pois nem uns nem outros tem químicos. Coisas que
gosta e que só aqui pode vivenciar (outra palavra brasileira que
gosta). Pela primeira vez utilizou a bicicleta para ir à padaria
comprar pão para estes dias até sexta-feira, que nesse dia irá
levar pão para ir comendo na cidade dormitório da cidade grande. A
princípio teve receio porque quando foi à farmácia de bicicleta os
joelhos queixaram-se de tal modo que estava a ver que teria que ir a
pé com a bicicleta pela mão. Hoje não sentiu as dores daquele dia
e assim depois a meio da manhã colocou a mochila e foi de bicicleta
ao mini mercado comprar um chouriço para fazer a dobrada com feijão
branco para o almoço; aproveitou e comprou os dois queijos de cabra
curados que la estavam da Malpiqueijo, um para si e o outro para
levar ao primo António Moreira, não resistiu e comprou um salpicão
de uma empresa espanhola de Salamanca, os “embutidos” espanhóis
são melhores que os nossos chouriços ou salpicões, já sua mãe
lhe dizia isso.
Escreve
passando a sua mão esquerda nas suas barbas brancas de solitárias
enquanto os dedos da mão direita deslizam nas letras do teclado
obedecendo ao que os seus neurónios vão processando em continuo,
escreve ouvindo canções no youtube. Questiona-se para que escreve
ele falando com quem não o ouve nem lhe irá responder, não lhe
importa fá-lo e irá continuar até que um dia chegue a hora.
Gosta
de ouvir a canção: - Yo te diré
Yo
te diré
Por
qué mi canción
Te
llama sin cesar
Me
falta tu risa,
me
faltan tus besos
Me
falta tu despertar.
Yo
te diré
Por
qué en mi canción
Se
siente sin cesar
Mi
sangre latiendo,
mi
vida pidiendo
Que
tú no te alejes más.
Cada
vez que el viento pasa
se
lleva una flor
Siento
que nunca más volverás mi amor
Y
no me abandones nunca al anochecer ,
que
la Luna sale tarde
y
me puedo perder.
Así
sabrás por qué mi canción,
Te
llama sin cesar
Me
falta tu risa, me faltan tus besos
Me
falta tu despertar.
E,
com ela se deitou, para pela manhã se levantar cedo e em função do
que se passar durante a noite com a chuva ou trovoada decidir que
volta irá dar com a Sacha para que ela possa correr livre pois esta
estadia está a chegar ao fim.