quinta-feira, 8 de junho de 2023

29.05.23

Muito se fala, pouco se ouve.

Muito se vê, pouco se observa

Assim corre a constância do tempo

Dia a dia o tempo de vida vai passando.

O tempo é um implacável movimento, que na sua constância nos envelhece o corpo mais do que reduz os milhões de interligações cerebrais que a cada momento se produzem no nosso cérebro, gerando uma perturbação no nosso funcionamento, passando a haver saltos na função do nosso comportamento, já que o cérebro processa ideias, processa desejos, mas o corpo ou já não responde ou logo as dores se apresentam ativas como sinal vermelho que impede a realização da ideia, do desejo, gerando em muitos humanos estados depressivos, de revolta pessoal ou de tristeza, podendo este ser o menos mau de todos os estados da designada velhice.

Sente-se velho, cansado, desiludido com o caminho, a revolta anda sempre rondando, a tristeza é companhia frequente, mas a vontade de viver continua a criar energia para seguir em frente na sua caminhada até ao encontro com o momento final.

Se desistir é palavra proibida, abandonar é palavra que o castiga pelo que já abandonou, não querendo de modo algum que essa palavra volte a entrar de novo no seu léxico, os outros podem e muitos já o abandonaram, mas ele não pode, não quer de novo fazer uso dessa tão azeda e dorida palavra.



A prima com os pais, seus primos, deixaram-no na estação de Alcântara Terra a seu pedido. Não lhe apetecia ir andar por Lisboa entre estaleiros de obras e manadas de turistas.

Sentado no velho banco da estação de Alcântara Terra esperando o comboio que o haveria de levar de volta, olhava a Rua Maria Pia com os olhos quase a deixarem rolar pelas faces as lágrimas que os inundavam. Um turbilhão de emoções preenchia os seus pensamentos que nem se lembrou que não tinha colocado o bilhete na máquina para o validar e já estava sentado com o comboio prestes a partir.

Seu pai tinha dúvidas que a pequena casa e as oliveiras não ficassem ao abandono. Dúvidas ou medo que ele não conseguisse pagar ao irmão a parte a que o mesmo tinha direito.

Hoje, passados quase sete anos do término da vida de seu pai, os seus primos António e Irene fizeram-lhe a doação do terreno de oliveiras designado por Horta da Corona, com o seu primo a dizer-lhe que a doação era feita sem qualquer encargo para ele pelo que tudo o que viesse a pagar nas Finanças lho dissesse para ele pagar.

É certo que o chão das oliveiras dificilmente seria vendido por um valor justo, mas mesmo assim ficou com os olhos a humedecerem sem palavras para lhes agradecer. Mais do que o valor material há para ele um outro valor que há medida que vai permanecendo naquela terra o vai ligando às suas raízes que estavam adormecidas como que desconhecidas ainda há poucos anos. Aquele chão foi dos seus bisavós maternos, ao passar para si a seiva que corre nas velhas oliveiras é o sangue que eles procriaram podendo eles continuar por lá sempre que o queiram.

Mais do que o valor material, o valor sentimental é para si é maior do que qualquer outro.

Ainda há quem goste dele, ainda acredite que ele irá cuidar com zelo do velho chão, que nos últimos anos andava meio abandonado, explorado até ao limite.

Os seus primos sempre os ajudaram e em especial a ele, mesmo quando ele fez que não entendeu a oferta de trabalho no banco onde o primo era administrador, nunca deixou de ser seu amigo, seu padrinho de o ajudar, ouvindo-o.

Tem consciência da sua idade, 72 não são 27, nem tão pouco 57, mas mesmo com consciência da idade não deixa de sentir uma emoção de felicidade, pois ainda há quem goste dele e acredite nele. Não é o valor do bem que está em causa, já que o mesmo a preços atualizados pelo IMT tem uma valorização pouco mais que seiscentos euros, não é pois o valor material mas o significado, de um bem que pertenceu aos seus antepassados ser agora seu, invertendo o medo e as dúvidas que seu pai tinha de tudo ficar ao deus dará.

Irá agora tratar de saber como pode adquirir os imóveis rústicos do seu tio avô João Capelo, por forma a que não fiquem ao abandono, a não ser que algum dos herdeiros ausentes apareça por lá e reclame o direito de ficar com eles. As pessoas da aldeia já o veem como dono dos dois chões que aquando do falecimento de sua tia Isabel sobraram.

Passo a passo caminha sentindo-se gente, sentindo-se útil e capaz, não se esquecendo que já tem 72 anos de idade e de vida, nem sempre fácil.

Chegou a casa ao mostrar os papéis, caderneta predial e certidão de doação, levou com mais um murro frio de incompreensão, do porque estas coisas com esta idade. Não respondeu ciente de que tudo o que dissesse seria incompreendido. Se não entende os laços que o ligam aquelas pequenas paredes da casa, como irá entender a sua felicidade ao ficar com um chão de oliveiras que era da sua família, dos seus bisavós, como irá entender o porque da doação que o primo e padrinho lhe fez. Calou-se porque não alimenta discussões sem sentido. Procura a Paz porque ele mesmo se julga a si próprio de paz.

 

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