Por
vicissitudes da vida de seus pais, os dois irmão nasceram em Lisboa
e cresceram no concelho de Peniche. Seus pais eram oriundos das
terras fronteiriças da Beira Baixa com os extremenhos espanhóis.
Dos
trinta e sete primos e primas direitos de seu pai, só dois ou três
não saíram em busca de uma vida melhor continuando na lavoura por
Segura e Salvaterra do Extremo. De todos os primos só os seus pais
voltaram logo que o pai atingiu o dia da aposentação, passando a
viver na Zebreira.
No
sótão da casa foram amontoando papeis, roupas e mobiliário cujos
familiares herdeiros de tios e primos lhes pediam para guardar e por
lá ficaram esquecidos.
Ao
arrumar ou dar uma ordem ao que encontrou após a morte do pai,
encontrou a relíquia do:
Número
Único – Novembro de 1982 do “JORNAL DE SALVATERRA DO EXTREMO”,
editado com o patrocínio de VIMÓVEIS, LDA., sendo director do mesmo
o senhor Carlos Alberto Garcia Teodoro.
Já
leu o pequeno jornal várias vezes, que retrata o espírito pleno de
esperança que as gentes da terra viviam na década de oitenta, fruto
também do trabalho, que o senhor Joaquim Mourão, jovem autarca e
Presidente do Concelho de Idanha-a-Nova ia desenvolvendo com
dinamismo “atento às carências dos lugares mais remotos e
escondidos”.
Dos
vários assuntos chamou-lhe a atenção o artigo sobre “O bodo ou
festa de Monfortinho em Salvaterra do Extremo”
Não
estando as páginas 5 e 6 em perfeito bom estado, as mesmas tratam da
Origem e da Festa,
ORIGEM
A
Senhora da Consolação adorada no lugar de Monfortinho, freguesia de
Salvaterra do Extremo, atraíra a devoção da cristandade por
dezenas de léguas em redor.
Não
havia desgraça, contratempo ou aflição que, não podendo ser
remediada pelo poder dos homens, não fosse levada aos pés da Virgem
da Consolação em rezas e promessas.
Em
certo ano – 1870 – segundo informação local, Maio de 1877
segundo Pinho Leal, os ubérrimos campos de Salvaterra foram
invadidos por uma grande praga de gafanhotos.
Nem
os ardores do sol estival, nem as aves que os devoravam aos milhares,
lhes faziam dano apreciável. A praga indina não só roía o grão
dos trigais como devorava as próprias folhas e rebentos das plantas.
Maldição, diziam uns, castigo do céu lhe chamavam outros. Vá de
prometer festa rija à Senhora da Consolação sempre tão solícita
e bondosa, e procissão de penitência e bodo anual para ser servido
a toda a pobreza e a quem mais o quisesse. Tudo saíria das ofertas
de trigo, azeite, vinho e demais géneros que a terra livre da praga
voltaria a dar com fartura.
A
festa, a procissão e o bodo, deveriam realizar-se na segunda-feira
depois do Domingo de Páscoa e a ser pagos com dávidas dos
lavradores e pastores de toda a freguesia nomeadamente dos povos de
Monfortinho, Torre e Carriçal.
A
FESTA
Efectivamente
até 1905, data em que os beneméritos Joaquim José Fernandes, por
alcunha o canhoto, José Fernandes Moreira (meu bisavô paterno),
João Gordo e José Folgado Moreira, o Branco, atendendo os protestos
dos velhos que por sua idade ou achaques não podiam deslocar-se a
Monfortinho, resolveram reconstruir sobre as ruínas da capela do
Senhor da Pedra outra dedicada ao culto da Senhora da Consolação.
Quem
todos os anos ao dealbar da segunda-feira referida percorresse as
ruas de Salvaterra e dos povos anexos, notaria movimento desusado: os
animais de tracção e os que davam cavalaria a serem engatados
ajaezados ou aparelhados para se incorporarem na procissão e levarem
as populações ao bodo a Monfortinho. Grande cortejo de cruzes,
pendões, carros, carroças, cavaleiros e peões com a bandeira do
Espírito santo à frente, seguia vagarosamente (que outra coisa não
permitiam os velhos caminhos) a cumprir o voto, a rezar, a dar aos
pobres e a todos os que quisessem servir-se, pão, caldo, carne e
vinho com abundância.
Como
a distância que separa Salvaterra de Monfortinho era comprida (18
quilómetros) sobretudo se tivermos em conta os meios de transporte
do tempo os romeiros faziam um descanso no sítio do Vale do Pereiro.
Desatrelados
os animais, abertos os sacos e os cestos com os farnéis, tudo comia
e bebia, conversava e galhofava porque o vinho não deixava
gorgolejar dos bocais das borrachas.
Costume
curioso com cuja explicação não se atina, antes que se retomasse a
marcha, os maridos com as respetivas consortes e os namorados com as
namoradas, abraçavam-se, deitavam-se entrelaçavam as pernas e
rebolavam desde o cimo até ao fundo do vale. As mulheres que por
motivos especiais ou pelo seu feitio não desejassem tomar parte na
brincadeira deveriam sentar-se antes que os maridos ou os namorados
as abraçassem. Se não conseguiam sentar-se antes de ser agarradas,
não podiam eximir-se à curiosa e velha prática.
TRANSFERÊNCIA
DO LOCAL
Com
a reconstrução da capela que fora do Senhor da Pedra a que já nos
referimos, os Salvaterrenhos, roubaram, segundo é fama, a imagem de
Nossa Senhora da Consolação aos de Monfortinho que passaram a
adorá-la no seu novo templo e a fazer o bodo na Deveza de
Salvaterra. Não obstante ainda hoje o bodo é conhecido por «festa
de Monfortinho». Esta povoação não quis deixar perder a tradição
e continuou por sua vez a fazer um bodo com as ofertas dos seus
moradores três dias depois do de Salvaterra
BODO
DE 1944
Neste
ano de 1944. os Bodeiros juntaram para o bodo, além do azeite e
carne de porco, 38 alqueires de trigo, 4645 escudos e cinquenta
centavos em dinheiro, 72 rezes (cabeças de gado). Compraram 107
quilos de arroz, 715 litros de vinho, 7 litros de aguardente, 150
escudos e trinta centavos de tabaco.
Compareceram
cerca de 1000 pobres e sobejaram 5 caldeiros de ensopado.
A
ementa do almoço constou de tripas com arroz e fígado e pão, e a
do jantar, arroz com carne, chouriço, toucinho, ensopado, pão e
vinho à descrição.