Monólogo com a Vida

Monólogos com a Vida




«O Mundo não é a mesma coisa das pessoas que o habitam. O Mundo está entre as pessoas»

Hannah Arendt.





Desabafos de Alma


Política e Religião

É par no meu idial

Respeitar o meu irmão

Fazer bem em vez de mal

(Joana das Neves em Avis)



Apontamentos dos meus escritos ao acaso em transportes públicos, outros nas madrugadas em que acordo para recomeçar tudo de novo. Apontamentos com algumas datas apagadas da memória que aqui renascem




Num dia de sol em tarde cinza,

sentado num banco de pedra ali no largo

ao ler o jornal ao fumar um cigarro,

vi pensei olhei e conclui:

- que não fumava não lia, que não vivia,

apenas respirava o suficiente

para manter viva a chama da esperança.




Criei os mitos,

desenhei as almas,

refleti os ídolos e,

então acordei apenas só.

todos os que me rodeavam

continuavam dormindo este sono obscuro sem fim.




Na linha da vida

Quantas emoções

Quantos sonhos

Quantas utopias

Quantas desilusões

Desenganos,

Depois

Nasce o Sol, vem o dia

E,

entre emoções e desilusões

renasce a velha e nova história

Na linha da vida”.

(22.12.02)





Eu não sou o outro!
Eu sou o eu!
O que escuta e não reclama
O que aceita e não estrebucha
O que procura compreender.
Assim sei sofrer
Assim sei ser feliz
Eu que sou eu e não o outro, Amo a Vida
No meu amor não há paixão!
As paixões passam... são como os cometas...
Nunca vi nenhum... passam a "velocidade fora da lei"
Eu que sou eu, vivo como as estrelas
Amamos, sofremos, somos felizes.







Onix,

Amigo

Companheiro

Que tudo farejas e assim tudo sabes

Que tudo escutas e assim tudo ouves

Amigo

Companheiro

Incondicionalmente Incondicional!

(26.03.03)

No teu tempo ainda não havia as provas de surf naquelas águas.

Se tivesses vivido mais uns anos serias um cão-surfista de top, mas a vida nem sempre é boa para os mais fiéis.

Neste dia 19 de Fevereiro como ser quase humano que eras acabaste a tua luta contra a doença que te ia consumindo sem nunca te tirar a alegria de estares em família.

Hoje tenho outro amigo comigo, também veio para a minha família no mesmo mês em que tu me deixaste, não te substitui mas como tu companheiro

Tudo fareja e tudo sabe

Tudo escuta e tudo ouve em silêncio

Escuta até as almas penadas que não nos largam.





O MEU AMIGO

Quando ele sai de casa olho-o com os meus olhos castanhos de tristeza

Quando ele sai de casa mesmo triste dou ao rabo

Como que a dizer-lhe,

Deixas-me só, com estas duas gatas indisciplinadas

Que só correm, zangam-se e perturbam o meu descanso

Por vezes tenho de abandonar o meu descanso e por ordem na casa

Tal o barulho e os estragos que fazem ou podem provocar...

Mas, as malvadas, conseguem sempre fugir...

As portas estão semi fechadas e elas passam

Enquanto que eu não consigo, pelo meu porte passar onde elas passam...

Ah… se às vezes eu pudesse... metia-as na ordem!

Mas quem guarda a casa sou eu!

Ninguém entra sem minha autorização!

E como tenho voz grossa... não percebo mas quem vem...

Não se aproxima da porta... ou...

Fecham-me na sala para não se assustarem... comigo...

O meu dar ao rabo...

As minhas lambidelas de carinho são manifestações de alegria pela companhia.

Mas...

Por mais voltas que dou à cabeça, não consigo entender os humanos!




Pedido de Sacrifícios

Atento ao mundo, ao que aqui se passa, ao que nos acontece

Sofrendo com a miséria que se instala, nos campos, nas cidades, nas mentes.

A memória é curta, mas a paisagem é deslumbrante, medonha. Por aqui passam as forças contrárias do bem e do mal, com estas últimas a vencerem, as guerras místicas estão no auge…

No meu canto, não dou para tanto peditório

Não dei para a “Pirâmide” e não me arrependi

Não dei no tal dia de salário para a nação (era militar em Angola). Não me arrependi

Não dou para as ONG’s e não me arrependo.

Dou o sangue ARh+

Dizem que estou fora de prazo para doar medula.

Mas para este peditório já dei!

Na hora da morte darei tudo o que quiserem tirar que seja útil

O resto serão cinzas que serão distribuídas.

Que se lixe o controle orçamental!

Que se lixe a divida pública!

Eles, o Estado, que pague que está isento de IVA!!

Para este peditório já dei!!!

(19.08.03)





Esta dor que dói

Que faz correr o sangue

Que faz correr as lágrimas

Esta dor que dói

Que sobe quando se desce

Que nos torna mais pensativos

Esta dor que dói

Que não seca…

Que não quer sarar…

Que custa transportar connosco

Esta dor que dói

Que sangra…

Que pesa

Que desgasta

Que corta

Esta dor que dói!!





Corpos

O erotismo nasce dos corpos, vagueia pelos sentidos

E se sente no abraço sem fim...

Nas mãos que se tocam, nos olhares que se cruzam,

No beijo que se funde.

Romântico é...

Ver a vida pelo seu lado belo, sensual,

Que nos faz vibrar.

Falar com o olhar, com as palavras, com o toque.

Beijo

Beijo de boca

Beijo de lábios que se tocam

Beijo de línguas que se chupam

Beijos simples, elaborados

Beijos doces, picantes e agri-doces

Beijos que vagueiam nos corpos

Em todos os sentidos.

Com um beijo se começa

Com beijos se ama

Com beijo se termina

Num nunca acabar,

Há sempre um novo recomeçar

Dos corpos saciados, no silencio dos desejos,

Nos gemidos dos mesmo em busca de um novo navegar…

De um novo beijo.





Partem uns, outros ficam e novos chegam

Com o tempo a memória vai lentamente esbatendo a saudade…

A fotografia teima em lembrar quem tanto nos quis e nos quer…

Para que o espírito perdure nas nossas memórias vivas

Saibamos respeitar quem tanto nos quis,

Quem tanto nos deu!!



Aqui nas margens do Sado pergunto ás aguas que correm onde estão as esperanças da igualdade, as utopias da fraternidade, para onde foram morar os humildes pensadores e estrategas que um dia mudaram a agulha da vida… fico à espera… foram perguntar a Neptuno que anda ausente e desiludido com as nossas águas…

(31.05.04)





Amigo,

Às vezes para te confortar, basta a presença, ou um agarrar de mãos, outras vezes um abraço, outras ainda saber ouvir-te com coração disponível.

Falar é por vezes necessário, mesmo que se esteja ausente, sabendo que mesmo estando longe fisicamente se está presente.

Outras ainda, o perceber que ficares só, não o dizendo, ou pelo contrário não queres ficar só dizendo-lo.

Todas as tuas vontades, desejos são pessoais, legitimas e inteiras, para serem respeitadas.

Resta ao amigo a inspiração para ajudar a aliviar a dor do amigo.

(12.09.04)





Até hoje,

Nasci em Lisboa à beira rio,

Cresci entre as dunas e o pinhal.

Fui a África, do lado errado da guerra,

Vi a dor, conheci o medo

Cheirei a morte,

Olhámos-nos olhos nos olhos

ela foi embora…

Até hoje...

Não conheço o ciúme,

Já conheci a raiva,

Mas mandei-a embora.

Amo a Liberdade!

Descendente de cristãos-novos e cristãos-velhos,

Republicano,

Amante da liberdade,

Respeitando o outro.

Pronto a desfrutar o belo e o bem.





Bailarino nunca fui

os pés colavam-se ao chão,

só o pensamento bailava.

Bailarino nunca fui

futebolista, ciclista, quis ser

mas os estudos me chamavam.

Bailarino, nunca fui

estudar o meu destino

à cidade acabei por voltar.

No Alto de Sta. Catarina

via os barcos bailar no Tejo

da Lisboa amordaçada

e, o pensamento, voava

e, o pensamento ia ao infinito

e entre esquinas e ruelas bailava.

Pensando e bailando

a África fui bailar

Angola o meu destino.

Já o peito calava a revolta

o pensamento bailando sonhava

os pés se colavam à terra vermelha.

Mesmo sem saber bailar de pés

nunca deixei de bailar pensando

e entre empresas fui bailando.

Hoje continuo bailando

sem saber tirar os pés do chão

a música não me deixa, nem me larga

com ela vou deixando o sonho bailar

Hoje fiquei preso a tão preciosa bailarina

que me levou em seus braços bailando todo o dia,

Entre musica e aplausos bailando lhe disse que a vida é bela

Mas bailando unidos tudo é mais leve nesta vida de tantos espinhos.

(23/06/04)





Nasci um dia lá longe, corria o ano de 1950, na cidade de Lisboa, nos Olivais, no final da noite mais longa do ano a 22 de Dezembro, por isso ainda sou Sagitário embora de ascendente Capricórnio…

Cresci, brinquei na rua … foi para a escola publica mas cedo rumei a Peniche e assim cresci no enrolar das ondas batidas ora na areia ora nas rochas, no meio dos pinhais, subindo e descendo as dunas … cresci livre e selvagem… longe da cidade da confusão da poluição.

Quis o destino que para continuar a estudar voltasse para Lisboa.

Assim se passaram os anos de juventude, com tardes de namoro e de sonho à sombra do Adamastor, olhando o Tejo cá em baixo cheio de barcos que chegavam e partiam, eram cacilheiros, eram cargueiros, eram petroleiros, eram paquetes de turistas eram também paquetes de “feijão verde” para África.

O sonho comanda a vida, mas Angola chegou para interromper o sonho, ficando a conhecer o medo de perder alguém que estava sob as ordens; quantas vezes em silêncio me cruzei cara a cara, eu, o medo, a morte … mas também a esperança…. Quantas vezes? e para que…??

Foi-se a guerra chegou o casamento. Dele nasceram as duas filhas. Durou 25 anos…. até que morreu, o amor, a afetividade e decidimos a bem cada um seguir o seu caminho.

Estudei, primeiro tirei o curso de contabilista antes do serviço militar obrigatório, depois de casado, a trabalhar e a estudar à noite, licenciei-me em Organização e Gestão de Empresas. Foram noites foram anos.

Trabalhando quase sempre em empresas multinacionais, não olhando a sacrifício fui conquistando as posições normais de quem sabe trabalhar sem atraiçoar os outros colaboradores, até que aos 49 depois de atingir o topo da hierarquia fiquei desempregado, aos 50 separado e… assim vivo sem reforma, sem subsídio, nem seguro, procurando uma saída neste deserto de vida. Desanimo, desistir são palavras proibidas, lutar é palavra de ordem. Perante as adversidades temos que saber crescer, embora por vezes não seja fácil tantos são os precipios que se nos apresentam.

A procura contínua de saídas levam-me a ser um “solitário”, um tresmalhado que por vezes gosto de estar só, não conhecendo a solidão porque sempre estou acompanhado…





Dei as mãos aos braços e com estes me abracei a mim e ao mundo.

Chorei mais pelas mágoas do que pelas feridas,

Com o sofrimento na mochila aprendi a sentir o Sol nas noites de lua nova,

Ouço o silêncio no grito das aves voando nas encostas da Estrela,

No mar me embalo na rebentação das ondas na dança com as ninfas...

Depois,

Que haverá para lá do depois?

Como vai a vida julgar-me se ela vai de mão dada comigo?





Mãe

Não é eterna saudade

Mas sim uma saudade sempre presente!

Às vezes tenho vontade de te ligar

Às vezes tenho saudades

Às vezes… Mãe

Uma coisa no peito, uma vontade de falarmos

Às vezes… Mãe

Sinto tudo à minha volta sublimar-se

Fico sem saber que fazer, para onde caminhar…

Às vezes… Mãe…





(Para minha companheira)


Procurei nas livrarias, percorri as estantes,

Folheei páginas e páginas, li, reli e voltei a ler

Mas não encontrei nenhum livro

Que dissesse, que transmitisse

A emoção do amor que por ti sinto

É bom depois de velho ser outra vez moço tolo

É bom saber que existes e que daqui a pouco podes sorrir para mim…





Lembras-te dos tempos de bicicleta

Dos tempos de escola

Dos poucos dias sem chuva no inverno

Lembras-te das rajadas do vento berlengueiro,

Das viagens sem oleado

Colocando as bicicletas atravessadas na estrada

Agachando-nos para que a chuva passasse

Os corpos molhados até aos ossos

O aquecimento da escola desligado em poupança

Lembras-te disso?

E agora,

Lembras-te do tempo onde estamos?





Pertencemos a uma geração que muito do que aprendeu foi pela leitura, muito do que comunicou foi pela escrita de cartas. Líamos livros às escondidas dos mais velhos, liam-se livros que passavam de mão em mão por serem proibidos pelo poder dominante. Namorava-se por recados, cartas e aerogramas, namorava-se e sonhava-se com uma nova vida cheia de felicidade colorida.





e se o tempo não tiver tempo, onde ficamos nós?
se um relógio num avião à volta do mundo regista menos tempo que o outro que ficou em terra... qual a medida do tempo?

e nós observadores deste universo em evolução,

é a nossa evolução dependente do tempo?

os anos que passamos são um tempo de vida.

o tempo tem tempo nesse espaço - energia é nosso

E assim nesse espaço-energia que é o tempo,
construímos castelos em areia
construímos sonhos e utopias
construímos a nossa própria realidade

andando por aí, andando por aqui às voltas com o tempo





O barco vai cheio

Cheio de passageiros

Cheio de vazio

Cheio de solidão.

Os semblantes vão carregados

A custo, ouvem-se vozes tão baixas

Que parecem ter medo de se ouvirem.

E, o barco vai cheio

Não se ouvem vozes como antigamente

Falam dos desamores, do trabalho

Das dificuldades em casa.

Falam do vazio em que vivem

Não acreditam na esperança.

E, o barco vai cheio

Cheio de solidão.

Os semblantes vão carregados

Cheio de medo sem esperança

Onde andarão os sonhos e a utopia?

E, o barco vai cheio

Cheio de solidão.






Tenho um cão

Há sim, qual o pedigree?

??? … ah raça…

Não tem

Não tem?

Sim. Não tem! É um cruzado, um indiferenciado como eu, como nós

Como nós?

Sim, como nós. Todos nós nascemos da miscigenação. Olha só, Lusitanos, Iberos, Celtas, Cartagineses, Romanos, Judeus, Mouros, Suaves etc etc, só algumas fora as outras que aportavam aos nossos portos, saqueavam as povoações ribeirinhas e deixavam mulheres violadas e grávidas. Todos somos indiferenciados. Pode haver uma concentração em determinado tipo de ADN mas continuamos indiferenciados.

Eu tenho um cão, tenho um animal não uma amostra ou um produto da tecnologia genética.

Ele morde?

Se ele morde? Com certeza que sim. Se andou mais de um ano vagueando pelas ruas, se tem no corpo as marcas, cicatrizes, das lutas pela sobrevivência e sobreviveu é porque também sabe morder

Ah, se morde então é um cão perigoso

Não, não é perigoso. Morder, todos nós mordemos, uns com palavras e outros com ações e não nos catalogamos de raça perigosa.

Ah mas diz que ele morde…

O cão é um animal, não é nenhum bibelô. O seu comportamento reflete em muito o comportamento do seu dono, como agora se diz, ele reflete as energias que o dono lhe transmite. Como todo o animal irracional por natureza ataca para defender a sua sobrevivência, não ataca por ganancia ou por prazer, a não ser que tenha sido educado para isso e aqui voltamos ao reflexo das energias do seu dono. Um cão é um animal e como tal deve ser tratado, faz parte do meu círculo familiar mas é um animal, tenho que ser o líder para ele se comportar com as regras estabelecidas.

Veio da rua, da lei da sobrevivência e como tal apresenta vários traumas que a pouco vamos limando. Só tenho um problema com ele

Um problema?

Sim. O problema inato dele levantar a perna nas esquinas dos prédios; árvores e candeeiros vá que não vá mas nas esquinas dos prédios eu também não gosto; quanto aos carros estacionados resolvi a situação com um «não» firme e forte e ele obedece, às vezes olha-me com o olhar triste, mas não faz.

Pois. Não gosto dos animais que sujam os passeios e os espaços públicos.

Tem razão, eu também não gosto

Como? Se tem um cão

Sim tenho um cão é verdade mas eu respeito os espaços públicos, não só os passeios como os jardins e os relvados onde as crianças podem brincar, assim como as dunas e o areal das praias. Não gosto de pessoas que levam os animais para a rua, para as dunas ou para a praia e não cuidam de levar o saco de plástico para recolher os dejetos que entretanto o animal faça. É uma questão de Educação Cívica.

Não basta gostar de animais, é preciso saber ser amigo e respeitar o meio ambiente onde todos andamos.





Gosto do silêncio das manhãs, de ouvir a voz rouca do mar ora se espraiando na areia ora batendo nas rochas enquanto caminho ao longo do areal.

Gosto do azul do mar no céu ainda cinzento, dos odores da maresia que o vento me trás.

Gosto de caminhar na baixa-mar ao clarear do dia, ouvindo os gritos matinais das gaivotas pousadas no areal.

Gosto do vento norte e da chuva miudinha à beira mar…

Gosto de ir caminhando e dialogando com a minha sombra, com os meus deuses e com o além infinito.





Os olhos secos de lágrimas doem-lhe, olha para trás sem medo ou vergonha do que foi até chegar aqui.

No horizonte da sua memória lá estão sempre os quatro, a mãe que já lá está aguardando a chegada do pai que aos 89 anos anda cansado de viver com as dores que o apoquentam, o irmão e ele.

Sorri para a mãe e apaga a luz que o sono já bateu à porta.





Morreu Mandela morreu o revolucionário dos consensos. Em vez da luta armada optou pela luta dos consensos e nem por isso a sua vida foi mais fácil.

Hoje, todos vão clamar bem alto quanto o respeitam e o admiram, mas ainda ontem o catalogavam nos seus registos mais ou menos secretos como «preto», um perigoso terrorista.

De mim já ouviu o meu simples voto “Descansa em Paz, tu que escreveste um dos mais bonitos saltos civilizacionais do séc. XX”.






Sabes o que me dói?

Não, não é dor física, nem é uma dor constante, chega normalmente nos finais das tardes de sábado ou de domingo. O tempo passa e com o tempo vai passar, eu sei, mas que hei-de eu fazer se nas tardes de domingo o telemóvel já não toca e a dor, a angustia se instala pela ausência de te ouvir perguntar se esta tudo bem e as meninas como estão? Às vezes a conversa durava pouco mais de 30 segundos, que tu nunca foste de grandes conversas ao telefone. Ah como hoje sinto a falta desses segundos, tão curtos e tão ausentes. Até quando esta angustia vai permanecer ou voltar todas as tardes dos fins de semana…





Uma lição.

Tocou-me e muito ouvir referência à guerra colonial. Voltei ao arame farpado ao medo que me acompanhou desde o dia em que em Chaves soube que ia para Angola comandar um pelotão de rapazes transmontanos e minhotos, alguns casados pai de filhos, que iam ter o azar de me ter como comandante de pelotão armados em Caçadores numa guerra em que não fomos ouvidos. Fomos, voltamos mas já não éramos os mesmos!

(11.03.17)





Há janelas e janelas, todas com sua beleza, todas guardam histórias. Histórias que em silêncio, elas, nos transmitem quando as olhamos e as escutamos na linguagem muda que no instante se estabelece entre nós. Às vezes entram-nos na câmara mais coloridas outras nem tanto. É que nem todas as histórias têm a mesma a mesma cor, a mesma energia, o mesmo final feliz!

Contudo elas, as janelas, aí estão, todas com sua beleza, todas guardando histórias de vidas!

(13.04.17)





E tudo ou quase tudo começava com “era uma vez”.

Hoje, porém, tudo começa de forma diferente, o “era uma vez” é passado, desatualizado passou à história.

Já não há mais príncipes e princesas encantadas, nem lobos maus. Agora somos todos “capuchinhos vermelhos” vivendo num mundo não de ilusões e sonhos, mas, num mundo de um medo quase constante.

Deram-nos mordomias.

Embalam-nos em estádios cheios vibrando vitórias.

Ajoelham-nos em recintos religiosos a abarrotar de crentes na esperança do milagre.

Dão-nos televisões, telefones móveis com mensagens constantes promovendo futilidades.

Criaram novo conceito de “felicidade” servida em cápsulas vazias de amor, de solidariedade para com o próximo, na ideia plena de que o amor se pode comprar se o procurarmos nas suas catedrais de consumo.

(14.05.17)





Neste mares navegados por gentes, barcas e deuses

Nestes feixes de virtuais a caminharem para reais

Acordei um dia e senti um sabor estranho nos lábios

Quis saber o que era...

Perguntei ao deuses e eles se riram

Caminhando, junto ao farol olhei o mar

Perguntei ao vento notícias de tal sensação

E o vento nada me disse.

A brisa que soprava não sabia a maresia

Era de rosas o seu cheiro seu sabor

Icei as velas do pensamento e parti

Em busca da deusa que em sonho me visitou.

(12.07.17)






35, 36 ou 37, talvez mesmo um 38

Um pé na areia

A donzela que por ali passou deixou a sua marca

Vai a donzela pensativa no seu caminhar

neste amanhecer sereno de domingo.

Que preocupações a consomem a esta hora da manhã?

Uma noite de festa não vivida?

Ou o amor que não chegou?

Quem saberá...

Com tanto mar para amar

Vai pensativa no seu lento caminhar

A donzela que na areia deixou a sua marca para eu a guardar.

(06.08.17)





Eu e o meu mundo, sem fronteiras, sem amarras, apenas lembranças do passado que por estas areias, pelas ondas deste mar, um dia em meses e anos vivi. Amores e sonhos de juventude cheios de esperança.

A sinfonia do vento acompanha o coro do desfazer das ondas beijando a areia dourada que as recebe numa cumplicidade de muitas vidas, de muitos anos.

Neste universo de boas vibrações chegam até mim as oliveiras de meus antepassados que lá estão na fronteira raiana de Idanha-a-Nova, resistindo e sofrendo a canícula de mais um verão, como que pedindo o fresco destas águas cristalinas e frias.

Assim vou caminhando com um pé à beira mar e o outro lá onde o calor é mais quente, dentro do meu mundo de sonhos, ilusões e amores.

(06.08.17)





Ah se eu soubesse

ou

se eu pudesse dizer-te tudo o que eu sinto por ti, por nós,

se ao menos eu fosse capaz

de traduzir em atos tudo aquilo que processo na mente,

o mundo seria um universo de luz e felicidade

Ah se eu pudesse… se soubesse.

(20.09.17)





Uma janela que se abre. Uma porta que se fecha. Caminho no meu passo, olhando tudo ao meu redor. Atrás de mim sinto passos apressados.

Olho para cima, para o azul celeste do céu, como que procurando sinais da vossa presença amiga.

Agora, são as janelas que se fecham, mas, uma outra porta se abriu à minha passagem. De dentro chega a luz da lamparina que alimenta a esperança e dá força à vontade de continuar esta luta de muitas batalhas que é a vida.

O amanhã jamais será como o ontem e, o hoje é o primeiro dia do resto da minha vida!

(21.09.17)





Olho para ti

Abraço-te pela manhã

Todos os dias, todas as noites

Porque as noites também têm manhãs

Mas nem sempre tu me abraças

Olho para ti e vejo aquilo que não somos

No meu olhar te vejo qual musa, qual deusa

No meu pensar as palavras bailam sem saberem dançar

Podíamos ser felizes

Porque é que com o passar do tempo, dos dias e anos, só por momentos cada dia mais ténues nos abraçamos com o desejo da permuta?

(25.12.17)





As palavras vão e vêm. Dizem que é uma tal lei do retorno, outros porém dizem que tudo é obra do Divino. Outras explicações existem para o facto de elas virem e irem.

Para onde vão e como e voltam nem sempre se sabe. Porém, sabe-se que vão e voltam num constante fluir, para nessa viagem nos ligarem aos outros que nos rodeiam e interagem connosco.

Palavras há que leva-as o vento. Outras são ditas apenas com um simples aceno de cabeça. Outras, porém, dizemos-las apenas e só com o silêncio de um simples olhar ou da complexa não resposta.

(10.01.18)





Ando cansado de te olhar,

de te pedir um abraço,

de não darmos um beijo beijado.

Há quanto tempo não nos beijamos,

como nas nossas noites proibidas…

Mas tu

Continuas ausente no teu passado,

no teu não querer ver a realidade

que só te mata e nos mata.

(27.01.18)




O rio corre indiferente às tropelias, às maldades que os humanos lhe fazem, todos os dias a todas as horas

O dia renasce indiferente às loucuras que andam em alta velocidade pelas ruas e avenidas sem controle

O Sol desponta indiferente inundando tudo com sua energia

Só as nuvens não trazem a chuva desejada.

(19.02.18)





Nas coisas simples se encontra quase sempre o prazer de vivermos, não precisamos de coisas complicadas, apenas uns euritos e estarmos atentos ao que nos rodeia, termos a mente aberta à inovação, à aprendizagem com outras pessoas que independentemente dos estudos convivem connosco, porque todos temos coisas a ensinar, coisas a aprender.

Ao receber estes espargos selvagens, apanhados por quem conhece e sabe, logo se pode preparar um petisco. Se com os euritos tivermos comprado uma boa carne, o petisco vira manjar.

Não sei os minutos que levei a fazer, sei que me soube muito bem.

(25.02.18)



Nunca fui de modas, nem sou de modas. Não dou importância alguma ao que dizem ser a tendência das cores, dos feitios, quer seja no vestir como no calçar, quer seja nos carros ou nos cinemas.

Nunca comprei um livro por ser best seller, não fui ver um filme ao cinema por ter ganho ou ter sido nomeado para os óscares, gostava tanto do cinema americano como do europeu onde pontificava o cinema italiano, francês e sueco.

Não sou de modas nem nunca fui de modas. As modas são, para mim, apenas e só um instrumento desta sociedade de consumo, um instrumento inútil, uma felicidade vazia na vida comum dos cidadãos. Não sou de modas nem nunca fui de modas.

(23.03.18)




Porque é que eu nunca me despedi de ti, mãe?

Nem quando parti para a guerra me fui despedir de ti, mãe

Nem quando naquele dia triste em que nos deixaste e eu te meti naquela caixa de madeira, me despedi de ti

Porque, mãe?

Porque é que com o passar dos anos, cada vez gosto menos do Natal, da Pascoa e do Carnaval, porque mãe?

Que terão estes dias de tão especial, que a cada ano eu me sinto mais ausente, mais sozinho, sem compreender a alegria dos outros… sozinho, na outra margem onde ando e navego, mas de onde não consigo voar

(28.03.18)




Neste final de tarde, levantando os olhos observo uma a uma as pessoas que estão sentadas como eu, nesta sala de espera do piso 3 no HVFX, aguardando que no ecrã apareça o nosso numero de consulta. Olho-os e penso, que seria de nós se não existisse este “SNS Serviço Nacional de Saúde”, que com todas as insuficiências e problemas, é com a “Liberdade de Expressão” as duas maiores riquezas que mau grado todas as desilusões no pós 25 de Abril, ainda temos vivas e partilhamos.

São para mim os dois maiores bens conquistados graças ao golpe dos militares que dizendo basta aos antigos governantes do salazarismo, souberam depois, dar de mão beijada o poder à sociedade civil.

Só por isto, a frase tantas vezes gritada nas ruas, e atualmente tão incomodativa a tanta gente, tem razão para continuar a ser dita “25 de Abril Sempre”.

(20.04.18)




Gostei de ter vivido o que vivi, com dores e alegrias sentidas, por vezes com medos à mistura, com amores e desamores, gostei de ter vivido o que vivi.

Tenho saudades do futuro, que com a sua incerteza me faz querer viver, chegar mais à frente na esfera do tempo para poder espreitar como será a incerteza do mesmo.

Às vezes fico a olhar pela minha janela, aqui no meu canto, olho e fico pensando, se Charles Darwin não se equivocou na sua teoria da evolução das espécies, estaremos a viver os tempos de uma pré-revolução na evolução da nossa própria espécie?

Olho a janela e o azul do céu, depois olho o ecrã, bato teclas para falar escrevendo, recuso-me a usar o aparelho do telemóvel para lá de telefone e máquina fotográfica, não quero ficar mais isolado do que esta forma de viver prisioneiro em que docemente nos transformamos, seres humanos isolados agarrados a máquinas frias para fugirmos do medo que nos isola e ao mesmo tempo nos alimenta enganando a esperança.

Gostei de viver o que vivi, mas a cada dia de vida, sinto dentro de mim esta luta crescente entre o querer ir espreitar o futuro e o medo de o ver metálico, frio, impessoal e sem emoções. Só a esperança de querer ver as netas e o neto crescerem me dá algum alento, para continuar a caminhar os trilhos armadilhados desta vida.

(22.04.18)





«Não te iludas, nem cries mais ilusões», diz-me em silêncio a minha sombra.

Quase tudo aquilo que sonhaste não deixou de ser sonho e pouco mais.

Estás só e vais continuar só, mesmo vivendo acompanhado vais continuar só, tu, eu, e aquilo que tu sonhas e idealizas, só a ti mais do que a mim, tua sombra, diz respeito.

Os outros? Querem saber de ti, quando precisarem.

Não te iludas, nem cries mais ilusões, que a vida é isso mesmo.

(23.04.18) (foto da net)






Viver é a palavra de ordem.

Que interessa a fúria do mar se cada dia de vida representa um pequeno passo no longo caminho que há que percorrer até que tudo esteja resolvido, até que o veredito da cura seja dado.

Viver, livre e preso, é uma outra forma de levarmos a vida. Tudo passa a ser diferente depois de se ouvir o veredicto médico do que a biopsia indicou. As cores deixam de ser simples, tudo adquire novos tons, novos sabores, o sentido da vida passa unicamente pela vontade, pelo desejo de viver mais um dia, mais outro e assim sucessivamente.

Que importa a fúria do mar se agora os ventos já não alimentam as velas dos sonhos, agora só há lugar para um único sonho, viver e matar a filha da puta da aranha de baba peçonhenta maldosa que por causas desconhecidas se instalou e alimentando-se do meu sangue habita comigo talvez há mais de um ano, mas de forma conhecida há sete meses.

Agora mais do que nunca caminho só, acompanham-me a minha sombra, o meu passado e a aranha maldosa de baba peçonhenta que dentro de mim se instalou sem pagar renda. A par deste viver caminhando, o silêncio, a ausência. Nele o sonho de viver sem outro horizonte que não seja vencer para poder cumprir com todas as obrigações que assumi e tenho que cumprir sem baixar os braços sem desistir, porque desistir, já a vida me ensinou que é palavra proibida...

Lá longe junto à fronteira, o meu refúgio, o meu canto onde os meus antepassados celebram comigo a alegria de podermos estar juntos, mesmos que não os veja paira no ar a sua presença amiga, o seu abraço de boas vindas.

Cada momento desta viagem é um milagre traduzido na alegria do canto das aves, dos odores das flores, no sabor dos frutos que saem da terra pobre mas amiga, da magia que a fúria do mar incute em nós quando o olhamos revolto nas asas do vento, do sabor da esperança, do querer continuar a viver!

(26.04.18)




Pode alguém ser quem não é?

É o pensamento que tem bailado na minha mente, ao deitar, ao acordar e me acompanha dia a dia na minha caminhada.

Afinal o que é a vida, quem sou eu e o que ando eu aqui a fazer?

Tudo parece simples mas ao mesmo tempo assim como as cores do arco íris chegam e logo desaparecem, também esta simplicidade perdeu a cor apresentando-se agora, opaca com alguns buracos negros.

(29.04.18)



Quanto mais nos olhamos ao espelho e olhamos um para o outro, eu e tu, sombra, mais me sinto em contramão, às vezes até penso se não estarei enganado, se estarei vivo e lúcido e só o teu riso que me faz voltar à realidade, procurando continuar a caminhar na nossa outra margem, onde não caminhamos só nós é certo, outros também procuram andar por esta margem, que é a outra.

(16.05.18)




Há! se tu soubesses a falta que me fazes. Podias estar longe mas fazias-me companhia, agora desde que partiste desta viagem, sinto um vazio difícil de conviver com a tua falta, com esta ausência, que em momentos me invade, e, hoje é um desses dias.

Tenho-te a ti e ao nosso amigo Master, no ecrã do meu computador, mas nunca foi tão longa a ausência. Nunca aquele minuto de conversa semanal, em que procurávamos saber um do outro, sem nunca te esqueceres das netas, foi tão longo que se torna um peso infinito. Um minuto em que nos alimentávamos aos dois. Como pesa a ausência desse minuto, que sabendo não voltar nunca mais tem momentos, tem dias em que pego no telemóvel para ver se tem alguma chamada tua, como se isso fosse possível.

Nunca foste de muitas palavras, mas as pronunciadas foram e eram sementes de sabedoria, de exemplo e dedicação aos teus filhos e netos.

Hoje o dia, que começou como todos os outros dias nesta rotina sempre renovada, logo pela manhã ficou mais pesado do que o cinzento do céu, zanguei-me com a minha amiga e bati-lhe o que me causa sempre grande sofrimento.

Esta luta que travo dia a dia, acreditando que o amanhã pode e deverá ser melhor, também me cansa, me desgasta, mas desistir é palavra proibida e, quero acreditar ser possível que o sofrimento de hoje seja paz e amor amanhã.

(04.06.18)




Apetecia-me contar uma história onde só amor e felicidade tivessem lugar, mas não sou capaz de escrever tal história. A realidade dos dias que correm é bem diferente desse sonho de um mundo só de amor, rodeado de campos verdejantes e flores perfumadas, onde não haja lugar à inveja, ao ódio, ao ciúme, à eterna desconfiança que existe em nós sobre quais as intenções do outro ou outros. Um mundo onde só possa existir a verdade geradora de felicidade.

Apetecia-me mas não sou capaz. Fico assim no meu mundo, às vezes isolado outras em confraternização, mas procurando sempre estar em paz e poder ser amigo, respeitador e cúmplice de quem possa gostar da minha maneira de ser.

(06.06.18)




Hoje, também sigo sentado de telemóvel na mão fora do mundo que me rodeia nesta carruagem de comboio; enquanto uns jogam, outros se entretêm com as redes sociais, e, outros como a moça à minha frente leem, eu escrevo palavras ao acaso, escrevo sem os óculos que seguem guardados na bolsa, assim sem ver todos os erros dados nesta transferência de pensamentos para a memoria desta poderosa maquina, que vai mudando silenciosamente os nossos hábitos de vida, vou revendo memórias e muitas duvidas.

(04.07.18)




Estou aqui a procurar lembrar-me se alguma vez trabalhei menos de 40 horas semanais, muitas horas mais sem duvida Trabalhei sem receber um cêntimo de horas extra, menos de 40 é que não sou capaz de me recordar.

A minha cabeça já não é o que era, nesta vida

(05.07.18)




E os dias passam sem que as notícias desejadas cheguem via correio ou por mensagem para o telemóvel.

Sem as notícias desejadas fica-se sem saber o que fazer no amanhã próximo. Vive-se dependente da notícia que não chega.

Estou cansado pelas notícias que não chegam, mas cuja ausência cansa pela incerteza do amanhã.

Estados de alma desconhecidos pela certa pelos governantes deste país.

(06.07.18)




Na manhã a notícia da morte de João Semedo, faz-me pensar mesmo sem nunca ter votado na sua força política: - Hoje morreu um Homem Bom.

Crente ao não crente nas coisas do sagrado e do profano, que descanses em paz João Semedo!

(17.07.18)




Estou velho, mais o corpo que a mente.

À medida que caminho pelos trilhos de vida em direção ao incerto amanhã, sinto a mente a não acompanhar felizmente os passos mecânicos do corpo.

Tenho tempo para pensar em quase tudo o que a vida me deu e naquilo que ainda quero que ela me possa permitir.

Ontem e hoje, leio e ouço coisas que nos dizem respeito a todos e não só aos interessados diretos.

Caminhando no meu passo certo, cada vez entendo menos qual a justiça das progressões por antiguidade de tempo.

Não, não entendo os méritos de tal método, sabendo contudo, que quase sempre paga o justo pelo pecador e no fim todos se queixam, sendo que alguns de barriga cheia.

(24.07.18)


Quantos sonhos eu tive desde o dia em que ficou assente a tua adoção, quantos sonhos…

Imaginava eu, nós os dois a passearmos, a fazermos os nossos quilómetros nas calmas pelos trilhos à beira Tejo, tirando eu uma fotografia ao rio, outra a ti, outra a uma das aves que por ali vivem, imaginava eu...

Sonhava contigo a meu lado, sentada ou deitada quando encontrássemos um banco público onde batesse a sombra nos dias de maior calor, sonhava eu…

Mas tu não tens culpa de te escolher entre os teus irmãos, nem eu sequer tenho culpa, talvez se tivesses adivinhado como eu sou, te terias recusado a vir comigo, aguardando um outro ser humano mais dócil para te fazer companhia.

Tens génio próprio, esperta, sempre atenta a poderes liderar toda e qualquer situação, seja ela visível ou invisível ao meu olha, não és fácil de lidar, tens a boca sempre pronta a mostrar os teus dentes brancos de cadela pastor alemã, não mordes mas metes respeito...

Na rua continuo a perder a paciência contigo, quando encontras outros animais de quatro patas, puxas a trela, elevas no ar as patas dianteiras, rodas na tentativa de te livrares do meu controle, fazendo-me sentir um carcereiro da tua liberdade, quando não o sou, sinto que ficas triste comigo por não te deixar brincar com o outro, não te deixar correr atrás dos outros animais baixinhos como os cá de casa, contrariada não atendes, não respeitas as minhas ordens para “sentar” antes de, nas passadeiras atravessarmos a estrada, não sem primeiro nos certificarmos da civilidade dos condutores, bem quando te chamo pelo teu nome para olhares para mim e poderes usufruíres do biscoito compensatório, pois tu és pastor alemã dona e senhora do teu nariz…

Como sou um sonhador, não imagino como vai ser quando formos para a Consolação passar uns dias. A casa é pequena, com gente estranha a passar de dia e de noite ao pé de casa… será que vais ladrar sempre que alguém passar à porta, ou à janela do quarto?

E, quando formos passear no areal pela maré baixa, será que vou sentir confiança em ti para te deixar andar à solta na beira mar? como irás reagir às ondas, serás afoita como foi o Onix, ou medrosa como era o Master? Como irás reagir às gaivotas, voarás atrás delas na ânsia de lhes mostrares quem és? Mas se te deixo em liberdade e vês outras pessoas a passear mesmo que a mais de cem metros, correrás para elas para as cumprimentares colocando as patas dianteiras no corpo e procurando mostrar-lhes como os teus dentes são bonitos e preciosos?

Tantas duvidas, tantos sonhos, incertezas e medos, mas cheguei de novo à estação dos comboios no regresso a casa e há que guardar o telemóvel que a bateria já deu sinal.

(06.08.18)




Hoje é aquele dia especial, que não pode ser vivenciado como quando estávamos todos nesta viagem terrena que é a vida.

Hoje, mais uma vez sentado à mesa de frente para a porta da cozinha olho e vejo passar os carros na estrada nacional.

Estando só não me sinto só, comigo nas minhas lembranças estão todos os momentos que passámos na vida, em especial neste dia do mês de Setembro, que aprendemos ser o verdadeiro dia e não aquele que constava no bilhete de identidade.

O pai uns anos após teres partido por sua livre vontade entrou no lar e, pouco e pouco tudo foi mudando lentamente. Nesta casa permanecem todas as lembranças daquilo que juntos vivemos e partilhamos, tristezas, alegrias, incertezas, momentos de felicidade.

Por tudo isso, hoje é um dia especial que mesmo estando aqui sozinho, tenho vocês comigo, só não fiz o gaspacho da ordem porque não arranjei o poejo para o fazer, o ano foi ruim, mas fui ao chão comer dos figos pequeninos como tu, pai, gostavas de fazer e comer.

Hoje é um dia especial, um dia diferente embora igual a tantos outros que vivemos juntos, vivido agora por mim apenas de uma outra forma.

(10.09.18)





Eram jovens saídos da puberdade. Andavam na mesma escola secundária, desde sempre na mesma turma, que por coincidência era mista nas aulas, com recreios separados por um muro real e imaginário que uns e outros não podiam pisar nem ultrapassar.

Ele olhava para fora da turma, gostava de uma moça lá da sua aldeia. Mas ele sabia que ela, a sua colega desde o primeiro ano, gostava dele naquele último ano em que estudaram juntos naquela escola. Ela era uma excelente aluna, sempre com notas altas, já ele era um bom aluno com as notas suficientes para passar os anos sem sobressaltos de maior.

Chegados ao quinto ano de então, duas alternativas havia, ou começavam a trabalhar, que naquele tempo não se conhecia esta coisa de “desemprego” nem de “subsídios”, ou continuavam a estudar.

Quis o destino que ele e o irmão, filhos de funcionário público, pudessem continuar a estudar. Ela com o pai ligado às lides do mar por lá ficou, fazendo o percurso normal dos jovens de então, trabalhar, casar para constituir nova família.

Ele continuou os estudos, mas por força das condições económicas de seus pais voltaram para a cidade grande, de onde tinha saído aos oito anos. Para trás ficaram alguns amigos, amigas e amores de juventude. Novos amigos, novos amores com namoro, outros horizontes, novos mundos, com a vida a ficar suspensa com a mobilização para a guerra em África. Sobrevivente dessa guerra inglória, logo no regresso casou constituindo nova família. Os anos passaram, apenas nas férias a sua família fazia férias na praia de juventude onde cresceu e aprendeu a conhecer o mar, a ouvir Neptuno e a respeitá-lo.

Um dia já ele estava divorciado, ao passar numa das ruas da cidade por onde tantas vezes passou em jovem viu a antiga colega de turma. Os anos passavam, há mais de cinquenta anos que não se falavam, até que um ano tomou coragem, entrou na loja, a empregada perguntou-lhe o que ele desejava, apontando ele que desejava falar com a pessoa que estava a atender outra pessoa. Esperou uns momentos olhando os artigos expostos até sentir que as pessoas já tinham saído. Olharam-se, sorriram e ela diz-lhe o nome completo dele, ao que ele retorquiu dizendo-lhe o nome completo dela de solteira. Agora, ele sempre que passa pela rua, entra na loja para a cumprimentar e desejar-lhe o melhor que a vida tem para dar à sua família.

Eram jovens e hoje são grisalhos com caminhos distintos.

(07.11.18)





































 




























Sem comentários:

Enviar um comentário

Nota: só um membro deste blogue pode publicar um comentário.