sexta-feira, 27 de dezembro de 2019

05 de Dezembro


39 anos se passaram. Na noite anterior tínhamos ido ao Teatro Aberto assistir ao espectáculo do José Mário Branco. A tua irmã ficou salvo erro pela primeira vez em casa de teus avós maternos. Logo pela manhã do dia 5 de Dezembro levei a tua mãe para a Maternidade Alfredo da Costa como estava programado e acordado com o médico assistente já que a gravidez foi considerava de alto risco. Naquele tempo em que nasceste a tecnologia não permitia estas coisas de ecografias para se saber-se se é menino ou menina se o feto se desenvolve perfeito etc. Tínhamos andado por especialistas em Santa Maria porque um médico notou um síndroma que possivelmente a tua mãe poderia ter e por esse facto a probabilidade de nasceres perfeita era depois de estudos e reuniões de 50%.
Ainda não eram as oito e meia da manhã e já tua mãe tinha entrado na Maternidade, ficando eu sentado na sala de espera. O tempo passava. Chegavam novas parturientes com seus companheiros e pouco tempo depois saiam felizes e contentes. Só eu não sabia nada do que se passava com a tua mãe. Cenários macabros passavam pela minha frente. A hora do almoço chegou e passou mas não tinha vontade de nada e de nada sabia o que se estava a passar lá dentro. Aguentava, às vezes sentado, outras andando cá fora no passeio para trás e para a frente sem saber o que pensar da vida, outra menina? Ou um rapaz? Pouco me importava, o medo que me fazia suar era a incerteza da perfeição… e as horas passavam no seu passo certo. Os que há minha volta andavam só falavam no que tinha acontecido na noite anterior, mas eu queria lá saber do que tinha acontecido. Já passava das sete da noite quando finalmente soube que era pai de mais uma menina e que era perfeitinha. Ao fim de tantas horas de sofrimento a alegria, a felicidade tinha chegado. Fui para casa com a tua irmã Catarina de três anos e meio. No dia seguinte à hora certa das visitas lá estávamos os dois eu e ela e depois o meu amigo Necas para te observarmos de novo através dos vidros aguardando a hora de podermos ver a tua mãe ainda combalida da intervenção cirúrgica mas feliz por tudo correr bem e os medos de nove meses não se terem verificado felizmente.
Como estava acordado se fosses rapaz era a tua mãe que escolhia o nome, mas se fosses menina era eu que de novo escolhia o teu nome e assim ficaste Joana Andrade até hoje.
Nasceste, criei-te e dei-te asas para que tenhas saúde, sejas feliz a teu modo e é só isso que te desejo filha enquanto eu por cá andar.

47 anos se passaram



Naquele tempo já o Senhor não falava com os seus Apóstolos. Eram um tempo sem tempo tantas as incertezas e as dúvidas que o tempo naquele tempo carregava aos ombros.
A manhã na cidade banhada pelas águas do Lima via partir mais um companhia de militares para um destino conhecido mas incerto. Os valentes soldados aprumados nas suas fardas verdes de cerimónia, engomadas a preceito, último modelo das passerelles do regime, botas à prova de chu-lé trabalhadas pelos melhores artesãos do reino a brilharem de tanto lustro lhes ser dado, olhar perdido no destino que mais do que nunca era incerto foram desde o Forte de Santiago da Barra até à estação dos Caminhos de Ferro ao cimo da bonita Avenida dos Combatentes da Grande Guerra com tempo para poderem olhar o rio que ao fundo da mesma calmamente entrega as suas águas ao mar, sentindo eles que ao entrarem naquele comboio estavam a entregar a sorte do seu destino aos senhores da guerra que em palácios bem acomodados os mandavam para a guerra indiferentes ao sofrimento de suas famílias.
A viagem inicial de outras viagens fez-se sem paragens até Santa Apolónia em Lisboa. Uma viagem sem sol que o dia amanheceu cinzento e triste como que pressentindo a sorte daqueles mancebos. Alguns deles nem a barba precisavam de fazer ainda de tão novinhos e tenrinhos. No final da linha o maquinista accionou os freios do comboio já a tarde do dia
15 estava quase no seu ocaso. As viaturas militares esperavam-os e depressa entraram nelas de modo a evitar que alguns cidadãos que na altura regressavam a casa depois de um dia de trabalho pudessem manifestar algumas frases incomodas ao sistema. Dali seguiram para o então Regimento de Engenharia 1 no Campo Grande onde lhes estava reservada a última refeição do dia em solo pátrio.
Ele oficial de dia à Companhia depois de zelar pelo jantar ordenado do pessoal foi com seu irmão e os seus furriéis jantar à Churrasqueira do Campo Grande ali ao lado.
À hora marcada voltaram todos a subirem para as viaturas militares com destino ao aeroporto militar no Figo Maduro. Por duas vezes tinha olhado a casa onde viviam nos Olivais Sul, por duas vezes os seus olhos se encheram de lágrimas e uma dor no peito sangrando que só quem vai para uma guerra que não lhe pertence de todo, sabe como é. Sua mãe quando o irmão voltou para casa acompanhado dos primos de Azambuja aquela hora da noite, viu nesse instante que o seu filho, o seu menino querido já tinha partido sem um beijo, sem um abraço, sem um adeus daquela que um dia o gerou no ventre, o pariu e o criou com tanto amor e carinho. Mas mãe que é mãe tudo perdoa a seu filho.
Viagem de noite sobre o mar chegando ao romper do dia às terras avermelhadas e verdes de Luanda.
Angola, terra grande e rica. Grande de tantos contrastes, de tantos odores, de tanta beleza, talvez por isso tão cobiçada. Mas, que fazia ele ali naquele campo atulhado de militares, muitos como eles chegando andando meios perdidos, enquanto outros festejando o regresso olhavam com ar de gozo para eles jovens maçaricos meio amedrontados meio atarantados naquela confusão, que nem as noites corridas pelos muitos bares e cabarés nocturnos de mulheres fáceis, fumo e álcool em Luanda os acalmava. Tudo era estranho, os cheiros, o calor húmido que não os deixava secar depois dos banhos ao longo do dia, a comida na Pensão Setubalense onde ele recusou papaia a pensar que lhe estavam a servir abóbora, santa ignorância a sua; as pessoas brancas e negras que passavam por eles olhavam-os de lado, «mais uns que vêm fazer a guerra no mato» desprezo era o sentimento que lhes transmitiam, como se fossem eles, pobres militares, os culpados por aquela situação anacrónica de uma guerra sem sentido nem futuro.
A partida para destino desconhecido chegou. Foram transportados em camiões civis, tipo transporte de gado. Dois dias demorou a viagem por estradas asfaltadas. Chegaram ao Mumbué no quase final de tarde do dia 22 de Dezembro, sendo recebidos em delírio pelos camaradas da Companhia que foram render. Eles dançavam, eles cantavam, eles batiam com os pratos, uma loucura em festa para a qual olhavam perdidos sem saberem que dizer, maçaricos que eram. Arrumado o pelotão na caserna que foi destinada ao seu grupo, sentou-se na sua mala junto à messe de oficiais, olhando atónito para a festa que soldados, furriéis,e oficiais faziam pela chegada deles. A alegria louca de uns era a interrogação e o medo dos “maçaricos” acabados de chegar para os renderem. Ali, sentado no meio do nada, numa terra que não era sua nem nunca foi talvez nossa, rodeado pela loucura em festa, pensava no seu pai, na sua mãe de quem não me despedira, ali estava sentado os olhos embaciados pelas lágrimas que não caiam, a sua fiel companheira G3 entre as mãos, com o pensamento muito longe, sem compreender o que fazia ele ali, onde estava a época natalícia da sua cidade de ruas iluminadas com o cheiro das castanhas assadas?. Alguém o procurou, não se lembra quem foi, e o ajudou a levar as coisas para o quarto que os quatro alferes dividiam. Ninguém ali a não ser ele próprio e a sua sombra sabia, soube que naquele dia 22 de Dezembro de 1972, o dia da chegada ao Mumbué fazia ele os seus 22 anos. Uma idade bonita para festejar com seus pais e irmão, já que a única namorada que tinha tido a abandonou anos antes sem lhe dar qualquer justificação. Ali estava ele só no meio daquela festa que não era sua, embora fosse uma festa justa para todos aqueles, também jovens militares à força, que eles tinham ido render.
Nos dias que se seguiram ao tomar consciência com a realidade absorvendo os odores daquela terra, a ideia que nele fermentava desde Chaves transformou-se no seu objectivo de vida enquanto militar: – a defesa das vidas humanas que o regime tinha colocado sob as suas ordens custasse o que custasse.
Hoje, olha e lembra tudo o que a memória guardou, o bem que fez, mas também o mal e a dor que causou aos outros. Do bem que fez e terá feito não se arrepende, fez o que tinha a fazer. Já do mal e da dor que causou não se livra, a culpa é como o medo, viajam sempre connosco gostemos ou não, não há como fugir acompanham-nos em versão siamês.

quinta-feira, 26 de dezembro de 2019

Mano









Foi bonita a festa Mano. Naquela que foi a tua casa de trabalho, estudo, investigação e criatividade durante 45 anos deixas saudades a muitos dos teus alunos, dos teus colegas professores, alguns dos quais ensinaste e influenciaste pelo teu amor e dedicação ao estudo da economia em geral e da moeda em particular, que se bem me lembro começou logo no primeiro ano do ISEG com idas até à Biblioteca Nacional onde já procuravas ler sobre o tema da moeda. Gostei de ouvir o teu colega professor dizer que quando te conheceu então como aluno guarda até hoje a tua frase no dia de apresentação "Eu sou um Monetarista".
Para acabar te digo que ao ouvir atentamente a tua última aula enquanto docente dessa escola, faculdade, universidade, acabei por compreender algumas das tuas posições ao longo do nosso tempo de vida em que ao ouvir-te falar, pensava eu para mim que andavas nas nuvens fora da realidade do dia a dia cá na terra. Como me enganei. Afinal em vez de andares lá por cima navegando entre papéis, livros e teorias, andavas, andaste cavando com as tuas enxadas e mais recentemente lavrando com o teu descapotável sempre na procura das sementes que façam a ponte da Moeda à Macroeconomia segundo o teu pensamento "monetarista".
Depois ao deslizar calmamente pela A1 veio-me à memória dois acontecimentos que de certo modo influenciaram a tua vida. O primeiro ocorreu em Peniche. Estávamos no terceiro ano do curso geral de comércio quando depois do primeiro período chegou aquele jovem contabilista para lecionar a cadeira de Contabilidade Geral. Foi ele com as suas histórias e lições nos fez pedir aos pais para em vez de irmos para o Magistério Primário como era ideia deles, nos deixassem ir para o Instituto Comercial em Lisboa. O segundo prende-se com o final do teu curso e a vontade de dares aulas. Querias ser assistente de métodos quantitativos mas os do MES barraram-te a entrada, optando tu por ires para Coimbra onde acabas não só por realizar a tua carreira de forma brilhante mas também encontrares a Adelaide Duarte que ao longo de todos estes anos foi a tua companheira, a tua ancora de todas as horas de todos os momentos. Também ela uma excelente professora e orientadora, segundo antigos alunos vossos que fui encontrando aqui pela cidade grande de Lisboa, não sabendo eles que eu era vosso irmão.
No final foste agraciado com uma prenda oferecida pelos teus colegas e amigos para que possas continuar a melhorar o teu agradecimento aos deuses Dionísio e Baco e inspirado por deuses tão especiais continuares a vida no teu ritmo, na tua pedalada certa.

quarta-feira, 11 de dezembro de 2019

Ecologia




A miúda chegou à Doca de Santos num iate que dizem ecológico. Sem conhecimento para o negar resta-me a liberdade de duvidar da ecologia do barco.
Não sei se o mesmo foi feito de materiais reciclados, se a madeira que o mesmo deve possuir foi obtida de floresta sustentável ou se a mesma teve origem no abate clandestino de alguma floresta africana ou americana, isto para não falar no custo ecológico e monetário do mesmo. Nem sequer reparei se o mesmo possui velas ou se trabalha apenas com a energia solar, o que duvido. Se possui velas de que material? Qual a sua origem?
Não sei porque mas nunca fui capaz de lhe dar minutos de atenção, é que desconfio de tanta ecologia. Depois tenho este mau feitio de não ter paciência para ouvir tanta prosa sobre o ambiente de pessoas que falam e falam mas só da superfície… parecendo-se com alguns fundamentalistas que não comem carne porque se importam com o sofrimento dos animais mas comem peixe sem se importarem com o sofrimento destes quando são retirados da água morrendo asfixiados.
Madrid é e foi mais um foguetório de gente que quer aparecer a dizer coisas para que a política económica do sistema continue a crescer para salvaguarda dos caboucos que sustentam o estado das coisas a que chegamos. De Madrid aplica-se nesta situação o antigo ditado do orgulhosamente sós que dizia que «de Espanha nem bom vento nem bom casamento» hoje felizmente caído em desuso.



Época de Natal


A cada ano que passa o seu Natal fica sempre um pouco mais distante. Foi menino e jovem de um Natal diferente em tudo. Naquele tempo de muitas dificuldades económicas onde a liberdade de expressão estava acorrentada e a de pensamento era condicionada não fossem as paredes escutar o que baixinho se falava, o Natal era uma outra celebração. Nas terras por onde viveram o Natal era celebrado no próprio dia 25 de Dezembro. À missa matinal habitual seguia-se um almoço melhorado onde pontificava a canja do melhor frango da criação caseira, que peru era para outras bolsas endinheiradas. A noite anterior, noite de Natal, os quatro ou os três quando o seu pai estava de serviço faziam as filhoses que outros chamam de coscorões, cabendo a eles dois a tarefa de as passarem por açúcar com a canela e colocá-las no alguidar. Enquanto se estendiam e fritavam as filhoses a mãe ia cantando as canções do seu tempo de Beira Baixa, canções de graça ao nascimento do Menino Jesus. Terminada a tarefa das filhoses, os dois iam-se deitar ficando de ouvido alerta aos sons que os pais faziam tentando adivinhar o que lhes estaria reservado no sapatinho que colocaram na chaminé antes de se deitarem. Na manhã do dia 25 quando acordassem logo saberiam, por isso nessa manhã nunca lhes custava levantar cedo.
Assim era o Natal dos quatro.
Hoje recusa-se a viver o Natal da Coca-Cola. O Pai Natal nunca foi figura do seu imaginário. Nem sequer a chamada árvore de Natal símbolo do consumismo dos dias que correm. Natal era tempo de se montar o presépio no tempo das férias que a escola dava nesta altura do ano, fazendo do barro as figuras possíveis, procurando no campo quer o musgo, quer as ervas que serviam de pastagens às imaginárias ovelhinhas de barro.
Enquanto as cidades e as casas se enchem de luzes com os afectos à política a dizerem-nos que agora as luzes são de led consumindo menos electricidade ele continua a olhar o céu em busca da estrela que lhe diga, lhe ensine a compreender toda esta azafama consumista, onde pouco se faz e quase tudo se compra, caminhando ele pela outra margem onde talvez um outro Jesus possa nascer um dia de novo

quinta-feira, 5 de dezembro de 2019

Poemas de Natal



Por esta altura do ano, volto a tirar-te do teu lugar na estante para partilhar contigo aquilo que ao longo dos anos me tens dado.
Hoje talvez pelo frio me convidar leio-te devagar sem qualquer tipo de pressa, vejo que ainda manténs parte do talão de controle que naquele tempos se usava «LIVRELCO Cooperativa Livreira de Universitários», na página em frente vejo escrito pela minha mão de então o meu nome e a data em que te adquiri «24-12-71». Comprei-te para me oferecer como prenda de Natal desse ano de setenta e um ou como prenda dos meus vinte e um anos feitos dias antes, talvez fosse os dois em um.
Por razões que neste tempo de agora desconheço, suponho que deves ter passado despercebido aos censores do lápis azul ou então foste posto à venda sem eles darem conta. Vejamos, as fotos são do Eduardo Gageiro, o prefácio de Felicidade Alves, impresso nas Oficinas Gráficas do Notícias da Amadora, com citações de Dom Hélder Camara, Karl Marx, José da Silva e outros, os poetas são vários cada um com a sua mensagem a condizer com a fotografia.
Nesse ano em que te adquiri já sabia que o meu destino seria a guerra, onde e quando é que ainda não sabia nem tão pouco imaginava onde estaria no Natal seguinte, já que com a especialidade de atirador de infantaria não tinha outro horizonte que não fosse o ir ou o desertar. As cartas estiveram em cima da mesa. Contudo aderi ao pensamento que naquele tempo defendia que deveríamos ir à guerra. Tu me acompanhaste naquele tempo em que o meu tempo de vida me foi roubado. Viajaste no fundo da minha mala juntamente com outros livros proibidos ou amaldiçoados pelos censores do regime, até te colocar naquelas tábuas que me serviam de cabeceira para nos dias em que não andava no mato atrás dos outros que queriam aquela terra como sua, me fazeres companhia quando colocava o corpo sobre a cama e lendo-te viajava no tempo para um outro tempo que eles me roubaram.
Diz, Felicidade Alves (que já não era padre) no prefácio deste pequeno livro:
«Não nasceu ele, Jesus, nas mansões abastadas de Jerusalém, de Jericó ou dos arrabaldes elegantes da capital. Nem sequer nasceu na humilde casinha ou barraca na terra onde residiam seus pais. Eram emigrantes. As vicissitudes da política imperial forçaram aquele casal a deslocar-se. E foi como que num bidonville que os braços de Maria acolheram o menino e o envolveram em paninhos, colocando-o sobre as palhas da mangedoira dum curral de gado, ali em Belém de Judá. É que não havia lugar para eles nos albergues ou motéis da vila.
A contrastar com tão insignificante fenómeno, indiferenciado ou até menos dramático, do que o de milhares de outros nascimentos de então e de agora e de sempre, a consciência cristã viu ali um mistério latente: o estilo inconfundível e programático do Deus-connosco. Os pastores das redondezas são alertados; os sábios que investigam os sinais do cosmo pressentem que o universo está a sofrer um singular estremeção. Acorrem uns e outros, oferecendo cada qual o seu género de presentes. E atribui-se à intervenção de misteriosos seres cantares de júbilo, em que se definia o manifesto da mensagem nova, resumida nesta legenda:
Glória a Deus em sua transcendência
E Paz na terra aos homens, pois Deus a todos quer bem.
Aqui se revela a Esperança e a Aurora dum Mundo Novo. Os primeiros cristãos acreditavam que tudo iria ser transformado. A Paz e a Justiça, a Liberdade e o Amor, a Fraternidade e a Igualdade, a Partilha e a Comunhão – numa palavra, o estilo de Jesus, arauto da maneira divinamente revolucionária de conceber a Realeza de Deus, à margem dos cultos sacrais, faria novas todas as coisas!
Assim disse a fé dos cristãos das origens. Passam séculos. Os actuais discípulos de Jesus, corporativamente observados, já não são uma comunidade de irmãos que semeia a Esperança e constrói um mundo-outro: são uma poderosa organização religiosa, tecnicamente bem apetrechada com os mais eficazes meios de dominação, que o Poder, o Ter, o Saber lhe conferem. São uma alavanca do mundo, tal como Jesus o veio contestar.»
E, mais coisas diz Felicidade Alves no prefácio deste pequeno livro de “Poemas de Natal”.
Leio e releio os diversos poemas que ele contém. Entre as dúvidas de qual poema escolher se o Natal de Álvaro Feijó ou de António Gedeão ou de Jorge de Sena ou de Manuel Sérgio ou de Miguel Torga e outros acabei no poema de Sophia de Melo Breyner Andresen,
A ESTRELA
Eu caminhei na noite
E entre o silêncio e o frio
Só uma estrela secreta me guiava.

Grandes perigos na noite me apareceram:
Da minha estrela julguei que eu a julgara
Verdadeira sendo ela só reflexo
Duma cidade a néon enfeitada.

A minha solidão me pareceu coroa.
Sinal de perfeição em minha fronte.
Mas vi quando no vento me humilhava
Que a coroa que eu levava era dum ferro
Tão pesado, que toda me dobrava.

Do frio das montanhas eu pensei:
«Minha pureza me cerca e me rodeia».
Porém meu pensamento apodreceu
E a pureza das coisas cintilava
E eu vi que a limpidez não era eu.

E a fraqueza da carne e a miragem do espírito
Em monstruosa voz se transformaram:
Pedi às pedras do monte que falassem
mas elas como pedras se calaram
Sòzinha me vi, delirante e perdida
E uma estrela serena me espantava.

E eu caminhei na noite; Minha sombra
De gestos desmedidos me cercava
Silêncio e medo
Nos confins dos desertos caminhavam:
Então vi chegar ao meu encontro
aqueles que uma estrela iluminava
E assim me disseram: «Vem connosco
Se também vens seguindo aquela estrela»
Então soube que a estrela me seguia.

Era real e não imaginada.
Grandes e humanas miragens nos mostraram
Em direcções distantes nos chamaram
E a sombra dos três homens sobre a terra
Ao lado dos meus passos caminhava.
E eu espantada vi que aquela estrela
Para a cidade dos homens nos guiava.
E a estrela do céu parou em cima
duma rua sem cor e sem beleza
Onde a luz tinha o tom que a cinza
Longe do verde-azul da Natureza.

Ali não vi as coisas que eu amava
Nem o brilho do sol nem o da água.
Ao lado do hospital e da prisão
Entre o agiota e o templo profanado
Onde a rua é mais negra e mais sem luz
E onde tudo parece abandonado
Um lugar pela estrela foi marcado.

Nesse lugar pensei: Quanto deserto
Atravessei para encontrar aquilo
Que morava entre os homens tão perto.

quarta-feira, 4 de dezembro de 2019

O ser e o ter


O ser e o ter. Três letras apenas. Três letras de significado e sentido tão diferente. Hoje o ter é mais importante que o ser. Os valores de outras gerações deixaram de ter sentido para as novas gerações. O ser avô ou avó já não são prendas para este Natal. Perderam significado e importância perante o ter um ipod ultimo modelo ou um telemóvel 5G ou aquela televisão quase maior que a própria parede, isto sem falar no carro estacionado na rua em cima do passeio para os peões.
Porque é que o ter ganhou importância sobre o ser? Todos sabemos mas ninguém sabe ao certo. Muitos desconfiam. Os que falam desses porquês pondo em causa o modelo de sociedade consumista para o qual temos contribuído, ou são mandados calar ou simplesmente são ignorados, acusados mesmo de radicais desviantes das boas normas e dos bons costumes vigentes. Mas que normas são essas?, que valores elas integram? Silêncio, apenas silêncio… cala-te que a discussão sobre o tema não é oportuna. Mais tarde quando for oportuno talvez se aborde esse problema, mas agora não é conveniente.

segunda-feira, 2 de dezembro de 2019

Miséria


Dezembro chegou
Como era esperado
Nada irá mudar
Como há muito acontece.
Continuarão as notícias
Sobre toneladas de alimentos
Para os desprotegidos da vida.
Da miséria a preto e branco
Daqueles anos de juventude
Passámos à miséria colorida
Destes novos tempos de agora.
Muito nos prometeram e prometem
Mas, Dezembro chegou
E a exemplo do passado
Pouco ou nada mudou.
Só a cor com que é servida
A velha e nova miséria
Dos desprotegidos da própria vida.

A vida é uma corrida


A vida é uma corrida. Nascemos no tempo lá longe com os pais a viverem num quarto alugado.
Pais que nasceram os dois no mesmo ano no início da década de vinte do século passado, bem longe da capital e do litoral. A mãe filha de um guarda fiscal nasceu na Zebreira mas logo se mudaram para Salvaterra do Extremo onde nasceram depois os seus irmãos e ali fez a escola primária. Já o pai nasceu em Segura filho de agricultor. As mães de um e do outro lado trabalhavam cuidando da casa, ambas tinham a quarta classe. O pai e os irmãos todos foram mandados a estudar para lá da escola primária. Calhou ao pai não ter sido mandado para Castelo Branco como os seus outros irmãos, mas sim para Elvas só que ao ver os portões enormes do seminário resolveu dar meia volta e voltar para Segura onde foi recebido pelo seu pai, nosso avô, que lhe disse: - Ai voltaste, não quisestes lá ficar, vais guardar cabras. Assim começou a vida de trabalho no campo aos 10 anos onde cresceu e se fez respeitar por todos os trabalhadores que trabalhavam com ele, ao mesmo tempo que nunca se entendeu com seu pai legionário fervoroso salazarista que gostava mais de andar pelos hotéis e putas em Castelo Branco do que cuidar dos negócios de sua casa.
Foi assim que com a morte da nossa avó muito cedo a casa agrícola do velho Luís "mouco" entrou em insolvência. O pai e o tio Chico (os dois que trabalhavam na agricultura) acabaram por entrar na Guarda Fiscal. O pai, segundo ouvi comentar a pessoas que o conheceram quer a trabalhar em Segura quer na própria Guarda Fiscal sempre foi o disciplinador teimoso que nós os dois tivemos a sorte de conhecermos ao sermos seus filhos. Habituado a mandar na casa agrícola não se contentava em ser simples praça, ambicionava subir na hierarquia da própria Guarda Fiscal; estudava os velhos livros que ainda encontrei alguns lá por casa e ano sim ano sim apresentava-se a exame interno da guarda. Acabava as provas sempre confiante de que naquele ano é que era promovido. Com a publicação das pautas vinha a desilusão com o seu nome a aparecer em lugar não elegível. Teimoso não desistia e no ano seguinte lá estava presente em novo concurso. Andava ele nesta vida e já nós os dois andávamos na escola primária pública dos Olivais a Escola do Sobe e Desce quase a chegar a Moscavide. Escola abandonada depois de Abril74.
Embora nascêssemos no mesmo ano tu és mais velho por teres vindo ao mundo naquele quarto do número 25 da Rua da Centieira no início de Janeiro, enquanto que eu cheguei a esta vida nesse mesmo quarto quase no final desse mesmo ano em Dezembro. Assim entraste para a Escola um ano antes de mim. Começamos a escola primária nos Olivais e dali fomos acaba-la em Ferrel, tu na escola nova e eu na escola antiga dos rapazes. Fizemos o exame da 4 classe e depois o exame de admissão em Peniche. Entramos na Escola Industrial e Comercial de Peniche, para onde nos deslocávamos de bicicleta, primeiro de Ferrel e depois do Lugar da Estrada.
Quando andavas no primeiro ano do Curso Geral do Comércio chumbaste , reprovaste e eu apanhei-te. Os manos passaram a andar juntos até fazermos o terceiro ano do curso geral do comércio, que equivalia ao quinto ano ou ao actual nono ano.
Nesse terceiro ano ou no quinto ano apareceu lá na escola uma professora para as disciplinas de Contabilidade e Economia Política que ao chegar ao final do primeiro período não aceitou, segundo constou, as imposições de notas que a directora Rolanda (salazarista de sete costados e meio) impôs na defesa dos seus preferidos e deixou-nos. Apareceu a substituí-la um jovem pouco mais velho que nós que tinha acabado o curso de contabilista. Foi ele com as suas histórias sobre o Instituto e o seu jeito de nos ensinar a contabilidade que de certo modo mudou o rumo do nosso destino. Se não me engano ele era da zona de Torres Novas, andando sempre com o seu chapéu de chuva na mão. Não nos deu apenas aulas porque deu-nos lições com o seu jeito de ensinar. Enamorados pelas histórias e pela contabilidade contadas e ensinadas, pedimos aos pais para em vez de nos mandarem estudar para o Magistério Primário nos deixassem ir para o Instituto Comercial.
Como era uma coisa desconhecida deles escreveram ao primo António que era licenciado no Instituto Superior de Ciências Económicas e Financeiras, o que era aquela escola que lhes pedíamos. Sorte a nossa porque a prima Irene, esposa do nosso primo António Ribeiro Moreira tinha feito o curso comercial passado pelo Instituto antes de também se ter licenciado no antigo ISCEF. Quis o destino que anos mais tarde, já nós lá não andávamos, ela foi substituir no Instituto Comercial o famoso professor de Calculo Financeiro, Armando Pereira mais conhecido pelo -2 (menos dois).
Ao terminarmos o terceiro ano do curso geral do comércio, a directora Rolanda chumbou-me na prova oral da disciplina Noções de Comércio, Direito Comercial e Economia Política. Tu, depois de teres chumbado naquele terceiro ano começaste a pedalar forte nos estudos e assim enquanto eu fui a exame em Outubro para acabar o curso e passar pela Patrício Prazeres para fazer a secção e depois o exame de aptidão ao Instituto, tu passaste o verão a estudar candidataste-te a exame às várias disciplinas e entraste directamente no Instituto repondo a ordem natural entre nós. A cada ano que passavas o teu aproveitamento era sempre melhor do que o do ano anterior. Acabaste o curso de contabilista trabalhaste um ano na ENI estudando à noite para te candidatares ao então ainda ISCEF no velho Quelhas. Lembro-me daquela noite em que saíram as pautas dos exames com uma multidão de jovens atropelando-se querendo chegar junto das vitrines para matar a ansiedade do resultado do exame. Eu mais alto do que tu e do que muitos naquele tempo consegui lá chegar e ver que tinhas dispensado da oral com a nota de geografia a ajudar a nota de matemática. Iniciavas assim uma outra etapa, estudar na Universidade num tempo onde as ideias e os ideais políticos fervilhavam na mente dos estudantes que ambicionavam por um outro regime que não aquele que nos acorrentada as pernas e as ideias.
Acabado o Instituto segui estudando sozinho para procurar fazer o exame do sétimo ano e poder seguir também para o ISCEF. Não consegui contudo passar na disciplina de Filosofia quer em Junho quer em Outubro e lá segui para Mafra para a Escola Prática de Infantaria com a esperança de me darem a especialidade de contabilidade e pagadoria ou intendência que normalmente o pessoal do Instituto Comercial obtinha. Quis a sorte ou o destino que naquele tempo a malta com o curso completo fosse para operacionais de G3 e aqueles que tinham o curso incompleto por lhes faltar algumas cadeiras ou o último ano fossem para intendência. Acaso estranho mas foi a realidade. Os sonhos de fazer a tropa e poder estudar à noite ficaram adiados. De Mafra para Chaves passando por Viana do Castelo a caminho de dois anos a endurecer nas matas do leste e norte de Angola.
Nesse tempo em que vivemos separados tu continuaste a tua carreira de bom aluno. Logo no primeiro ano te inclinaste para a matéria da disciplina de Moeda indo até à Biblioteca Nacional onde procuravas estudar sobre o tema. Eu resistia como podia naquela guerra inglória na defesa mais das vidas humanas que o sistema hipócrita me tinha confiado do que propriamente na defesa do Império que só existia na mente dos salazaristas e seus irmãos siameses da igreja católica apostólica romana.
Corria o ano de setenta e quatro quando depois de uma tentativa falhada denominada golpe das Caldas, ocorre o 25 de Abril libertador das mentes e das correntes que mantiveram o país num atraso económico e social de quase meio século. Entre o sonho e a utopia libertaram-se presos políticos e as mentes deixaram as amarras de que as paredes tinham ouvidos e vieram para a rua cantar, sonhar o sonho lindo, viver estados pré utópicos. As ruas e as gentes encheram-se de cor.
Nesse tempo da Liberdade eufórica da descoberta de tantas e tantas poucas vergonhas, pequenas e grandes corrupções que a censura e o regime salazarista-cerejeira encobria na salvaguarda dos bons costumes das pobres gentes cientes de que a salvação da alma exigia viverem na triste pobreza sem outros horizontes, no Comando Geral da Guarda Fiscal o tio Chico teve acesso aos arquivos das notas que saiam do júri dos exames a que o pai se tinha submetido. Pautas bem diferentes das que oficialmente o regime corrupto dos falsos bons costumes mandava publicar. Nas classificações do júri dos exames internos a pior classificação que o pai obteve foi o quinto lugar no mesmo ano em que nas listas mentirosas mas oficiais foi promovido a segundo cabo e mandado para o posto de Porto Novo no Vimeiro de onde saiu para assumir o Posto do Baleal e irmos todos viver para Ferrel. Quando me lembro destas injustiças ao mesmo tempo que a revolta aflora penso na velha canção «pode alguém ser quem não é».
Também tu querias ficar a dar aulas de métodos quantitativos no Quelhas, mas felizmente para ti os “vendilhões” do MES que na altura lá pontificavam não o permitiram, rumando assim a Coimbra para dares aulas na nova Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra. Disse felizmente porque assim rumaste a Coimbra que era mais perto do que o Porto onde também te queriam e lá nas margens do Mondego encontraste a tua companheira de todas as horas de todos os momentos que ao longo deste teu percurso sempre ascendente sempre esteve a teu lado, também ela excelente professora e orientadora segundo comentários de antigos alunos vossos que fui e vou encontrando nesta cidade grande que é Lisboa. Para a Adelaide Duarte também não só o meu grande abraço como o meu reconhecimento, porque mano aqui que ninguém nos ouve não é fácil aturar todas as tuas manias.
Ao acabares o teu percurso académico irás ficar mais livre para os teus hobies na certeza minha de que irás continuar a estudar, a investigar e a publicar os teus artigos de opinião para nos intervalos continuares a ser um agricultor amador e teimoso dentro das tuas paredes.


segunda-feira, 25 de novembro de 2019

Ando fora da vida


Tenho de me actualizar, ando fora da vida.
Não sei nada de nada quem é o tal de Mamadou, nem sabia que tal personagem era do B.E. porque ando fora da vida.
Não sei nada das intrigas que existem entre uns tais que se dizem do Livre, porque ando fora da vida. Sabia e talvez ainda saiba que a deputada do tal Livre gagueja mais quando se enerva, mas porque anda a discutir não sei, porque ando fora da vida.
É que eu às vezes também só ouço aquilo que quero e quando me enervo então…
Não soube das razões porque uma tal desportista num jogo de basquetebol não pode jogar num tal jogo. Se no futebol há jogadores da mesma equipa com equipamentos diferentes, não sei o que se passou na verdade com a tal moça que joga numa equipa algarvia.
Não sabia que dia era hoje mas ao ver tanto saudosismo misturado com o ódio q.b. olhei o calendário e então compreendi esta minha inquietação.
Ando mesmo fora da vida e ainda não tinha dado conta disso.
Mas, será que quero voltar a esta vida que me oferecem em doses cheias de intrigas e meias-verdades… não… não me vou actualizar… prefiro continuar a viver a trinta e três rotações


Um destes dias


Um destes dias passados enquanto arranjava as couves, o repolho e os feijões ouvia na televisão de Espanha a senhora Ana Pastor a falar dos problemas que afectam a política espanhola. Uma senhora com larga experiência política quer nos lugares ocupados no seu partido, quer no governo e no parlamento. Dei atenção à forma e ao modo como afirmava as suas convicções e tendo sido esta senhora responsável pela política social e de bem estar do Partido Popular passou-se-me a imagem do filme regresso ao passado e num ápice vi nos ecrans da mesma TVE não a senhora Ana Pastor a falar as suas convicções políticas mas sim Isabel de Castela dos então designados reis católicos a incitar o povo aquando dos tempos da Inquisição contra os hereges não só sefarditas mas todos os que não comungavam dos seus ritos religiosos. Entre a multidão em fuga para o nosso país será que havia Andrades, Moreiras, Capelos e Ribeiros? Desliguei e pensei que tenho de voltar ao trabalho iniciado mas suspenso de buscar as raízes que vêm de longe de muito longe. Ficou aquela inquietação de qualquer coisa que não sei nem percebi nunca o porque de tanto ódio assassino de uma igreja de uma religião que se dizia e ainda hoje diz pregar a concórdia entre os homens.
Sou português rafeiro mistura possivelmente do fruto do amor entre cristãos novos e cristãos velhos que simplesmente se marimbaram para essas teorias de fomento do ódio e celebraram o amor.
Português que lê a história dos judeus sefarditas em Portugal, que leu ontem mais do que hoje a luta, a fuga dos judeus aos esbirros nazis e fascistas que quiseram dominar a velha Europa em meados do século passado. Português que gosta da obra literária deixada pelo judeu Amos Oz. Português que não compreende como podem os judeus de hoje num território que os colonialistas decidiram que era lá que eles poderiam viver em paz, fazerem o que estão a fazer aos seus meio-irmãos palestinianos que já lá estavam quando eles ali se libertaram da política colonial inglesa. Como pode a maioria desse povo estar ao lado de governantes radicais que em nada se diferenciam daqueles que um dia os incendiavam em fogueiras ou os mandavam para campos de concentração e fornos crematórios. Como pode o mundo dito civilizado calar-se, olhar para o lado e assobiar indiferente aos crimes constantes dos esbirros judeus que controlam de forma expansionista territórios que não são seus.
Onde está o Amor? 
Onde mora a Concórdia e a Fraternidade? 
Não falo da Paz porque virou utopia que esta sempre no horizonte nunca se deixando dominar pelos homens que nos controlam a vida e muitas das nossas próprias emoções sem darmos por isso.

Ilusões


Um dia ingénuo pensou em recuperar o passado. Escreveu-lhe. Em palavras sentidas registou as memórias vivas então vividas. Dia a dia palavras que constituíam frases aumentavam o escrito dele ao passado. Dia a dia pensamentos factos recordações daquele tempo passado. Lia relia e voltava a ler as palavras frases pensamentos que lhe ia escrevendo sempre um pouco mais a cada madrugada. Rasgou cortou guardando algumas páginas. Guardou meticulosamente o passado e o que lhe tinha escrito. Um dia ganhou coragem e enviou-se a si próprio num envelope almofadado.
A parte restante de si ficou aguardando ingénuo acreditando que o passado lhe poderia enviar um sinal para que ele pudesse continuar a sua caminhada pela recta final de forma mais leve.
Mas, passado é passado não tem forma de voltar ao presente nem que por uma fugaz milésima de segundo.
Carregando com o passado metido na mochila sem este lhe dar qualquer sinal, guarda-o, sabe que aquilo que é hoje foi moldado por todos as vivências passadas pois não há futuro sem passado.

O indígena boliviano


Era uma vez um país no hemisfério sul que viveu muitos anos sob governos ultra conservadores primeiro de colonos e depois pela minoria branca que se tornou independente da antiga mãe colonialista. Um país onde a grande maioria da população indígena vivia como cidadãos de terceira perante a população branca. Um país por muitos considerado pobre, com os recursos naturais entregues à exploração do capital estrangeiro. Mas um dia um indígena encheu o peito enchendo-se de ousadia candidatou-se ao lugar de presidente do seu país sonhando com uma pátria mais solidária para com o seu próprio povo. Lutando do sonho em ousadia tornou-se em eleições livres o primeiro indígena a chegar a presidente daquele país pobre que existe lá nas alturas. Eleito presidente sem sangue nas ruas, nem prisões cheias de brancos insatisfeitos com a sua política o governo dirigido pelo indígena, mudou o rumo económico e social das suas gentes; afrontou o capital que explorava os recursos naturais sem quase contrapartidas para a sua pátria. Deu esperanças ao seu povo indígena desagradando aos imperialistas que quando são afrontados por políticas não coincidentes com os seus interesses especulativos logo vêm comunistas por todo lado. Não tendo como descredibilizá-lo pelos resultados económicos e sociais alcançados ao longo de quatro mandatos eleitorais sem sinais evidentes de batota, o imperialismo moderno tratou de “doucement” adaptar os governos dos países à sua volta, colocando aí lacaios fiéis aos seus interesses para que depois de mais umas eleições livres naquele país em que os observadores internacionais europeus não se pronunciaram sobre ilegalidades de maior nas últimas eleições, a minoria amante da supremacia branca, da exploração sem limites dos mais fracos, apoiada pela comunicação social saudosa de antigos privilégios, com a benção da santa madre igreja local, com umas forças armadas fiéis ao poder imperialista que nunca foram reformadas durante os anos de governação do indígena e a coberto das declarações de fraude por parte da OEA (organização controlada pelos imperialistas onde os seus lacaios estão em maioria) todos eles em conjunto levaram à renúncia do poder por parte do indígena,que segundo declarações suas, fê-lo para evitar o agudizar da violência que ocorria entre os seus apoiantes e os seus críticos.
Nesses anos de governação do indígena para lá das medidas económicas de nacionalização a 50% das empresas estrangeiras que exploravam os seus recursos naturais, o PIB cresceu consideravelmente, a pobreza extrema foi reduzida de 36,7% para ainda 16,8%, lutou para reduzir a dependência monetária do FMI e do B. Mundial. Ou seja, tudo medidas que não agradaram aos senhores que mandam no Planeta e em particular aos imperialistas intitulem-se eles de republicanos ou democratas.
O indígena caiu, exilou-se num outro país daquele continente mas a violência extrema, o ódio que auto proclamados governantes exercem especialmente sobre a população indígena é elucidativo da mentalidade ideológica dos novos senhores do poder. Perante tanta violência sem limites, tanta falta de liberdade de expressão do povo indígena, de respeito pela condição humana, não se ouve uma palavra de reprovação por parte dos governantes europeus, dos senhores da ONU onde o beato português é líder, por parte até do papa ou será que também ele já não sabe o que se passa com os seus vizinhos indígenas?
Depois há uns artistas que difundem aos sete ventos por todos os meios comunicacionais que hoje em dia já não existe direita nem esquerda entretendo-nos com falas mansas e futebois pqp.

Mau tempo se avizinha


Os dados estão lançados. Por esta Europa fora crescem as correntes ideológicas saudosistas da supremacia de uma raça sobre as outras, correntes xenófobas e homofóbicas que prometem acabar com todas as injustiças que correm nas governos do centro direita ao centro esquerda ou mais à esquerda dos diversos países, prometendo-nos o paraíso justiceiro escondendo atrás de si o inferno que têm para nos dar depois de alcançado o poder, seja por via democrática seja por via da força das armas.
De quem é a culpa do regresso em força dessas correntes ideológicas?
Quem é que financia esses movimentos?
O que nos dizem e o que fazem os políticos que exercem o poder?

O senhor ministro falou para o país quando não o deveria fazer. Do senhor ministro, homem experiente e batido na política, esperava-se outra fala, não para os microfones mas para as forças sindicais que proliferam nas forças de segurança. É com eles que tem de debater à mesa os prós e os contra. É com eles que tem de falar do porque o seu ministério não cumprir com questões pertinentes já acordadas em anteriores reuniões do seu ou de anteriores governos.
O senhor ministro, homem experiente e batido nas questões da política, ao falar depois da manifestação em que um movimento sem rosto com demonstrações racistas e xenófobas anulou as diversas direcções sindicais organizadoras da manifestação, promovendo a figura de destaque um populista levado ao colo pelo capital neoliberal que domina a comunicação social deste nosso reino, assim como do tal movimento sem rosto mas não espontâneo, ficou-lhe mal. O senhor homem experiente nestas coisas da política deveria ter pensado um pouco mais a frio e não ter dado aso a tantos comentários que os arautos neoliberais que populam na comunicação social tiveram pela noite adentro.
É preciso deixa-los poisar. Ter sangue frio. Tocar a reunir todas as forças políticas que defendam a Democracia e o modelo do Estado Social Europeu, sejam eles democratas-cristãos, sociais-democratas, socialistas e comunistas de vários matizes, liberais, sindicalistas da unidade, da unicidade e independentes, para em conjunto se olhar o futuro sem medo dessas correntes que já nos governaram a ferro e fogo mantendo o país na miséria franciscana num tempo de quase meio século no século passado. Quem não quiser comparecer na defesa do Estado Social não fará falta para a luta árdua que no futuro se travará. Só farão falta os que defendem a Democracia e o Estado Social tipo Europeu. Mas essa luta não se fará com mais subsídios disto e daquilo, com mais sopa para os sem abrigo. O senhor ministro e os seu pares devem saber que só o trabalho cria riqueza, só o trabalho é fonte de dignidade para todos desde o simples operário ao senhor doutor, ao senhor engenheiro. Distribuir mais subsídios pelos desprotegidos da vida é o mesmo que andar a distribuir pérolas a porcos, só favorece o crescimento de tais movimentos sem rosto visível para nós cidadãos mas que os senhores saberão identificar.
Quanto ao papel que os órgãos da Justiça têm em todo este ressurgir compete aos senhores políticos entenderem-se porque não tenho saber para tal, embora ache muito estranho muitas das decisões tomadas e publicitadas nesses órgãos da Justiça.
Há pois que por o país a trabalhar. Como? É aos senhores que compete encontrar soluções e meios para que abandonemos este estado de subsídio dependentes, que só favorecem o aparecimento e crescimento de ideais racistas e xenófobos perigosos para a Democracia e a Liberdade dos cidadãos. 

segunda-feira, 11 de novembro de 2019

Sopram ventos adversos


Ali ao lado em Espanha sopram ventos adversos. Espanha é um país muito complicado. Depois da ditadura franquista, os democratas balançaram e cederam à vontade dos já então saudosos franquistas e falangistas, não sendo capazes os democratas das várias regiões, das várias nações, que constituem a Espanha de caminharem para uma República federativa que anulasse a tensão sempre existente entre as regiões e nações do norte contra os povos do sul.
Ao trabalhar numa empresa espanhola conheci espanhóis de várias regiões e nações. É certo que um catalão não tem nada a ver com um castelhano de Madrid. Um basco ainda menos a ver quer com o catalão quer com o castelhano. O mesmo se passa com os galegos (Em 1971 quando de uma ida a salto de Chaves até Ourense para passar o fim de semana, num dos autocarros que apanhávamos de Verin para Ourense armou-se uma discussão entre dois galegos com um mais exaltado a gritar para o outro: - En Galicia no me hables de Franco) ou mesmo com os astúrianos. Alguns dos catalães e bascos queixavam-se da forma como a riqueza produzida em cada uma das regiões era repartida pelo governo central da monarquia. Os catalães só se calavam quando os andaluzes, que os catalães acusam de não gostarem de trabalhar, ganhavam o prémio anual da fábrica com melhores índices de produtividade. Para muitos catalães a língua espanhola não existe, o que se fala é castelhano.
Com o problema complicado que independentistas catalães trouxeram para a ordem do dia em Espanha e na União Europeia, era muito difícil que as eleições trouxessem algo de novo. E mesmo a subida do partido VOX não é novidade para quem acompanha à distancia os movimentos políticos que se passam em Espanha. Bastava ver o que se vai passando na região de Madrid com partidos do centro direita a apoiarem propostas do VOX…
Depois temos a política ruinosa dos subsídios na União Europeia. Distribuíram rios de dinheiro para os países do sul deixarem de produzir em vários sectores da economia. Os proprietários e empreendedores receberam esses rios de dinheiro e a economia ficou mais pobre. Fábricas fecharam portas, barcos abatidos, campos abandonados… tudo em função da merda dos rácios decididos em gabinetes luxuosos de ar-condicionado. Hoje a única política macro-económica que têm é dar subsídios em função do património e não em função da produção, subsídios de desemprego a quem não encontra trabalho mas também a quem não quer e não gosta de trabalhar; subsídios de reinserção social a quem não faz nada para procurar outra forma de vida. Criando lentamente um exército de gente que nem estuda, nem trabalha, nem quer fazer nada… Gente fácil para alimentar o submundo das ilegalidades sociais, alimentando o descontentamento de quem trabalha e desconta os impostos taxas e taxinhas devidas e necessárias para alimentar a máquina do Estado. Gente que sofre nos transportes para ir trabalhar, que sofre nos trabalhos quer no campo quer na construção e produção… gente que depois de um dia sofrido de trabalho, é inundado em casa pelas notícias televisivas de políticos que na ambição desmedida se deixaram levar em negócios que cheiram a corrupção… Gente que de corpo dorido e mente cansada a poucas coisas que ouve aos partidos ditos de esquerda, ou esquerda mais radical é sobre os problemas de mudança de sexo, de casamento homossexual, adopção por casais homossexuais, da eutanásia, de mais subsídios a quem não trabalha nem gosta de trabalhar etc etc… de aumentos salariais para os funcionários da máquina estatal quando eles lá na empresa onde trabalham não sabem o que ser aumentados há mais de uma ano… Políticos que se dizem de esquerda, seja moderada ou mais radical, que simplesmente ignoram as tradições e os costumes de uma educação religiosa judaico-cristã com séculos. Hoje perdendo publico nas missas mas que continua e sobrevive com muitos dos seus crentes calados e mudos não praticantes mas de raízes religiosas profundas ainda.
O VOX e à nossa maneira o tal de “Chega para lá” só aparecem porque os políticos activos da política se esqueceram e esquecem que a sua função é servir o Estado e não servir-se dele, ao mesmo tempo que parecem desconhecer as raízes culturais dos cidadãos que governam
PS. Nada me move contra os políticos activos. Nada tenho contra os homossexuais e a sua vida social. Somos todos seres humanos com os mesmos direitos, deveres e obrigações, com a única diferença na orientação sexual. No que respeita à eutanásia tenho as minhas reservas. Nada tenho contra os ciganos desde que eles respeitem as normas da sociedade onde se inserem.

Quem é que nos anda a enganar?


Já reparaste que quase tudo o que nos dá prazer, nos dizem que faz mal. Porque será? O que é que eles querem de nós?
Nascemos muitos de nós em casa com a nossa mãe a ser assistida por uma outra mulher, a parteira. Minha mãe não tinha leite para me amamentar e entre papas e papinhas sobrevivi. A creche era a rua que servia para brincarmos e aprendermos a auto nos defendermos quer dos mais velhos quer de outros com manias de valentões. Depois rumamos para o litoral norte de Peniche. Bebíamos o leite quase directamente tirado da teta da vaca porque era fervido e da nata do leite se fazia manteiga e excelentes bolos. Quando andávamos descalços se fazíamos alguma ferida no pé colocávamos areia para parar o sangue mais depressa e a ferida não infectava. Bebíamos água das fontes e até dos ribeiros.
Hoje é a sacarose é a lactose e mais outros palavrões que parecem não acabar. Porque será que a composição físico-química do leite e da farinha mudaram assim tanto? Olhamos os fornecedores desses produtos e as vacas leiteira continuam iguais à vista desarmada. Olhamos os poucos ou raros campos de searas de trigo e a planta e a espiga parecem-nos à vista desarmada serem iguais aos da nossa juventude de meninos e homens. Então? Será só avanço na pesquisa e descoberta de novos males que afectam o ser humano? O que é que terá mudado? Quem é que nos anda a enganar?