Na
terceira manhã o meu amigo Zé ao mostrar o ninho ao primo que
também é vizinho sentiu os ovinhos quentes, estranhando. Eu
calei-me ficando atento, será que o casal das milheirinhas
(chamariz)...
Retirei
o carro do quintal e coloquei-o na rua, já que o mesmo estava junto
à videira onde o feliz casal tinha construído o seu palácio.
A
Sacha fazendo a cada dia saudações mais espaçadas a quem passa na
estrada nacional, junto ao portão.
As
esperanças confirmaram-se. A natureza, através de duas pequenas e
frágeis aves, a dizer que, pais que são pais não desistem à
primeira de criar os seus filhos. Com a chegada de intrusos ao seu
meio de procriação, abandonaram o seu palácio, camuflando-se e
vigiando quem lhes tinha interrompido os momentos de felicidade.
Felizmente, depressa chegaram à conclusão de que os intrusos não
eram inimigos da sua felicidade. À sua maneira, estudaram o nosso
comportamento, sempre vigilantes e atentos voltaram a aquecer os seus
ovinhos.
A
natureza e o campo sempre com lições humildes de riqueza sem
limites. Quanto mais aprendemos sobre as particularidades do mundo em
que nos inserimos, mais livres nos tornamos. Coisa que o actual
modelo de vida nas cidades grandes não nos permite, por se andar
sempre correndo, apressado e atrasado, sem tempo para olhar, para
sentir as pequenas coisas que o mundo da natureza nos oferece e nos
ensina.
Ensinamentos
tão distintos do que a sociedade de consumo capitalista nos faz crer
ser o objectivo de nossas vidas; onde a felicidade é prazer e ponto
final, com o “ter” material, e o “poder” as ferramentas para
o alcançar, sendo o sucesso não a satisfação mas o meio de
procurar mais e melhor numa ambição crescente sem se olhar ao
equilíbrio ecológico e humano necessário e urgente. É bom
podermos ver, sentir, ter uma visão do mundo diferente, mais humilde
e inigualável, fazendo-nos meditar que existem outras formas de
viver, existem outros mundos, para lá daquele que naturalmente é
sensível aos nossos cinco sentidos.
Mas
esta sociedade, sendo a melhor, a mais evoluída até aos dias de
hoje, não deixa de ser uma sociedade perversa, onde o que se perde
em ilusões é logo é sempre compensado por novas roupagens de
esperanças do mesmo, num vira o disco e toca o mesmo, que lentamente
cavam a distância que separa as classes sociais, criando
desigualdades cada dia mais profundas, com a pobreza a regressar em
moldes diferentes, por isso mais perversos. Em vez de os avanços
científicos e tecnológicos proporcionarem um nível de consciência
mais elevado onde todos possamos viver com mais liberdade e
responsabilidade, onde os ricos possam continuar ricos e os pobres
menos pobres, assiste-se ao contrário, com alguns ricos a ficarem
cada vez mais ricos e poderosos e, todos os restantes ricos e a tal
classe média restantes a empobrecer.
Indiferentes
às loucuras dos humanos, vigilantes e atentos a todos os intrusos do
seu espaço, deixando-se ver no ninho chocando, mas não permitindo
serem incomodados pelo clik da máquina fotográfica, o casal das
milheirinhas lá ficou no seu palácio, agora mais livre e sossegado,
com a função natural de criarem os seus filhotes para os entregarem
à liberdade da mãe natureza.
Diz-me
o meu amigo que quando andou pela cidade grande foi columbófilo, que
estas avezinhas assim como os pintassilgos e outros, procuram fazer
os seus ninhos junto dos humanos, porque no campo uma espécie de
gaio (ave protegida pelas autoridades) lhes come quer os ovos quer
os filhotes.
Eu,
que já não gostava desta espécie de gaio… espero poder ver
quando no próximo mês para lá voltar que os filhotes já possam
voar na sua aprendizagem de liberdade condicionada pelos perigos cada
vez maiores que enfrentam.