quarta-feira, 28 de março de 2018


Porque é que eu nunca me despedi de ti, mãe?
Nem quando parti para a guerra me fui despedir de ti, mãe
Nem quando naquele dia triste em que nos deixaste e eu te meti naquela caixa de madeira, me despedi de ti
Porque, mãe?
Porque é que com o passar dos anos, cada vez gosto menos do Natal, da Pascoa e do Carnaval, porque mãe?
Que terão estes dias de tão especial, que a cada ano eu me sinto mais ausente, mais sozinho, sem compreender a alegria dos outros… sozinho, na outra margem onde ando e navego, mas de onde não consigo voar... porque mãe?


quinta-feira, 22 de março de 2018


Vinte e dois de Março, uma data histórica em que dois jovens se casaram. Dessa união nasceram anos mais tarde, primeiro o meu irmão e depois eu, os dois no mesmo ano civil. Numa das nossas viagens para almoçarmos nas Termas de Monfortinho, a uma pergunta de como conhecera a minha mãe, respondeu-me sorrindo que um dia quando frequentava a quarta classe na escola primária de Segura, foram fazer uma visita à escola primária de Salvaterra do Extremo e nesse dia conheceu a minha mãe, que embora tenha nascido na Zebreira vivia nesse tempo em Salvaterra. Nesse dia ao olharem-se as duas crianças estabeleceram uma aliança que muitos anos depois selaram neste dia vinte e dois de Março.
Já cá não estão os dois, já partiram desta viagem, mas mesmo assim há histórias de vidas que por alguma razão especial que não visualizo, desde aquela viagem, para mais um bacalhau à brás, eu vou lembrando nas minhas memórias vivas, sim memórias vivas porque também tenho memórias mortas.





Saí da minha mãe com cinco semanas, eu e os meus nove irmãos. Fomos colocados longe dela mas todos juntos até que pelas sete semanas os meus irmãos começaram a ser levados um por um, por animais estranhos de apenas duas patas. Faziam-nos muitas festas e não se importavam do nosso cheiro que até a mim, já me incomodava. Estava eu de olhos ramelosos quando chegaram outros dois animais de apenas duas patas. A minha dona de então, naquela fala estranha dos animais de duas patas disse-lhes para escolherem um de nós os três. Não percebi porque me escolheram a mim, não era a maior e ainda mais com os olhos ramelosos, mas lá me pegaram ao colo toda suja e mal cheirosa.
Depois entramos numa coisa muito estranha para mim já que eles se sentaram e comigo ao colo, começou a deslizar andando por caminhos que metiam-me medo e logo enjoei. Levaram-me a um sítio onde outros animais de duas patas conheciam a minha mãe e até o meu pai.
Passei a viver num canil diferente do meu e dos meus irmãos. Um mundo diferente fechado mas onde me davam comida a horas certas e, estes seres de duas patas procuravam que eu fizesse as minhas necessidades fisiológicas no mesmo sítio onde colocavam um resguardo, aprendi de tanto ouvir falar, mas como eu fazia onde a vontade me dava, ralhavam comigo. Seres estranhos estes de duas patas que vivem comigo e não gostam que eu possa ser a líder. Ao fim de um tempo levaram-me outra vez aquele sítio onde conheciam os meus pais, um ser vestido de modo diferente deu-me a tomar umas coisas que não gostei e depois quiseram que ficasse quieta, coisa que não fiz nem deixei. Eu quero é brincar e não gosto que me transportem naquela coisa que anda com eles sentados, aquilo faz-me enjoar e às vezes dá-me volta à barriga.
Assim se iam passando os dias naquele canil onde também vivem outros animais de quatro patas que não crescem como eu, não falam como eu, às vezes dá-me vontade de os apanhar, mas os de duas patas não me deixam, fecham as portas de modo a eu não poder passar e brincar com aqueles baixinhos, não deixam que eu os morda para ver se me tiram estas raivas que tenho nos meus dentes.
Como sou esperta vou aprendendo a fala dos de duas patas, mas não quero que eles saibam que eu já percebo algumas das coisas que eles me dizem.
Depois de nova visita ao veterinário (aprendi que é assim que eles dizem) para me picarem outra vez, começaram a levar-me à rua, esse mundo maravilhoso onde me perco tantas são as coisas novas que vejo e cheiro, as idas só não são maravilhosas porque o gajo de duas patas não me deixa à solta, leva-me presa e está sempre a dizer “junto” e “não”, para eu não apanhar do chão tudo aquilo que chama a minha atenção. Como ele não me deixa fazer o que gostava de fazer, também não faço o que ele me está sempre a dizer de “xixi-cocó”; só quando eu quero e onde eu quero é que faço, também não me deixa voar atrás daqueles animais que têm umas patas que batem e eles saltam muito alto andando no ar, diz-me o meu amigo de duas patas que, quer aqueles e uns outros ainda mais pequenos pretos como eu mas de focinho amarelo, são aves e que tem duas asas em vez de patas, os maiores são os pombos e os outros melros. Ah! como eu gostava de ter asas para correr atrás deles. Também já aprendi que o animal de duas patas que me leva à rua e ralha comigo se chama Carlos e eu sou a Sacha, ele diz-se humano de uma linhagem que desconheço e eu sou da linhagem dos pastores alemães. Feitas as apresentações ele agora que passe a contar a minha história que eu também me canso de estar aqui a escrever estas coisas pois não é próprio da minha linhagem escrever e contar coisas que são só minhas.

quarta-feira, 21 de março de 2018


Não sendo dado a estas celebrações de dia disto e daquilo, quis o acaso que chegasse à Zebreira naquele que dizem ser o dia do pai. Eu sei que também tu não ligavas a estas coisas e assim talvez nos tenhas influenciado a vivermos a festa da vida dia a dia porque todos do dias de vida são para serem vividos e se possível de forma saudável e felizes. Todos os dias são dias de aniversários.
De qualquer maneira, como sempre, vou-vos visitar onde os teus restos materiais foram depositados e onde ainda restavam alguns da mãe. Nunca fizemos o culto da morte, mas sempre respeitamos a memória dos que nos foram queridos e desta viagem se foram um dia. Esquecer lembrando é o caminho, que vamos fazendo. Até Sempre!



Já não sei se vim de longe ou de perto. Sei que o caminho tem sido longo, o trilho alcatroado por onde navego esta cheio de teias de aranha. Teias finas e invisíveis que me prendem chegando a causar até falta de ar, rebentando sem nexo em palavras que saem aos tropeções. Se vim de longe, não sei o que ando por aqui a fazer nesta luta desigual. Não sou daqui mas também não sei se vim de longe, nem o que eu vim aqui fazer. Contudo, vou andar por aqui entre o ir e o vir, entre as margens do meu rio e poder desaguar um dia, descansando em ti, lá mais para a frente entre as águas e as rochas do Porto Batel.