Saí
da minha mãe com cinco semanas, eu e os meus nove irmãos. Fomos
colocados longe dela mas todos juntos até que pelas sete semanas os
meus irmãos começaram a ser levados um por um, por animais
estranhos de apenas duas patas. Faziam-nos
muitas festas e não se importavam do nosso cheiro que até a
mim, já me incomodava. Estava eu de olhos ramelosos quando chegaram
outros dois animais de apenas duas patas. A minha dona de então,
naquela fala estranha dos animais de duas patas disse-lhes para
escolherem um de nós os três. Não percebi porque me escolheram a
mim, não era a maior e ainda
mais com os
olhos ramelosos, mas lá me pegaram ao colo toda suja e mal cheirosa.
Depois
entramos numa coisa muito estranha para mim já que eles se sentaram
e comigo ao colo, começou a deslizar andando por caminhos que
metiam-me
medo e logo enjoei. Levaram-me a um sítio onde outros animais de
duas patas conheciam a minha mãe e até o meu pai.
Passei
a viver num canil diferente do meu e dos meus irmãos. Um mundo
diferente fechado mas onde me davam comida a horas certas e, estes
seres de duas patas procuravam que eu fizesse as minhas necessidades
fisiológicas no mesmo sítio onde colocavam um resguardo, aprendi de
tanto ouvir falar, mas como eu fazia onde a vontade me dava, ralhavam
comigo. Seres estranhos estes de duas patas que vivem comigo e não
gostam que eu possa ser a líder. Ao fim de um tempo levaram-me outra
vez aquele sítio onde conheciam os meus pais, um ser vestido de modo
diferente deu-me a
tomar
umas coisas que não gostei e depois quiseram que ficasse quieta,
coisa que não fiz nem deixei. Eu quero é brincar e não gosto que
me transportem naquela coisa que anda com eles sentados, aquilo
faz-me enjoar e às vezes dá-me volta à barriga.
Assim
se iam passando os dias naquele canil onde também vivem outros
animais de quatro patas que não crescem como eu, não falam como eu,
às vezes dá-me vontade de os apanhar, mas os de duas patas não me
deixam, fecham as portas de modo a eu não poder passar e brincar com
aqueles baixinhos, não deixam que eu os morda para ver se me tiram
estas raivas que tenho nos meus dentes.
Como
sou esperta vou aprendendo a fala dos de duas patas, mas não quero
que eles saibam que eu já percebo algumas das coisas que eles me
dizem.
Depois
de nova visita ao veterinário (aprendi que é assim que eles dizem) para me picarem outra vez, começaram
a levar-me à rua, esse mundo maravilhoso onde me perco tantas são
as coisas novas que vejo e cheiro, as idas só não são maravilhosas
porque o gajo de duas patas não me deixa à solta, leva-me presa e
está sempre a dizer “junto” e “não”, para eu não apanhar
do chão tudo aquilo que chama a minha atenção. Como ele não me
deixa fazer o que gostava de fazer, também não faço o que ele me
está sempre a dizer de “xixi-cocó”; só quando eu quero e onde
eu
quero
é que faço, também não me deixa voar atrás daqueles animais que
têm
umas patas que batem e eles saltam muito alto andando no ar, diz-me o
meu amigo de duas patas que, quer aqueles e uns outros ainda mais
pequenos pretos como eu mas de focinho amarelo, são aves e que tem
duas asas em vez de patas, os maiores são os pombos e os outros
melros. Ah! como eu gostava de ter asas para correr atrás deles.
Também já aprendi que o animal de duas patas que me leva à rua e
ralha comigo se chama Carlos e eu sou a Sacha, ele diz-se humano de
uma linhagem que desconheço e eu sou da linhagem dos pastores
alemães. Feitas as apresentações ele agora que passe a contar a
minha história que eu também me canso de estar aqui a escrever
estas coisas pois não é próprio da minha linhagem escrever e
contar coisas que são só minhas.
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