segunda-feira, 25 de abril de 2022

22.04.25

Num país transformado em ficção, o velho falou esta semana. Falou, vomitou e cagou sentenças. A turba exultou. As televisões deram-lhe tempo de antena. O velho é o maior carago. Não há no mundo da ficção e arredores presidente como o velho.

Quem tem memória e não pertence à turba, nem alinha com milícias privadas, nem em estados de alma de pensamento único recorda as falas, os vómitos sarcásticos, os peidos falantes do velho nos finais de diversas voltas a Portugal em ciclismo quando a equipa por si particionada com as cores do seu condado, chegava ao fim de amarelo individual e coletivamente. As televisões a correrem atrás dessas falas, desses vómitos sarcásticos, desses pedidos falantes e mal cheirosos que o velho opinava no seu trono de imperador.

Talvez hoje o velho não fale das falsas pedaladas dadas pelos atletas que tantas falas, vómitos e peidos falantes lhe proporcionaram. Talvez não leia os jornais, não ouça as notícias, nem escute as suas milícias sobre as presumíveis ameaças que pairam sobre o seu condado, escudado que vive por justiceiros fiéis.

Mas, o velho talvez fale do futebol, não dos pontos obtidos com fruta extra qualidade em determinados bares de alterne ou em hotéis e restaurantes de qualidade amiga, nem dos mergulhos transformados pelo sistema em penáltis, nem das agressões não sancionadas dos seus atletas em vários jogos. Não, o velho falará se for mais uma vez campeão no sistema podre que criou no desporto, em especial no futebol. Sistema que parecia ter perdido para um antigo amigo mas que depressa parece ter recuperado, com a queda do ex-amigo amante de trafulhices numa ambição desmedida para o seu umbigo, proporcionou no País dos sistemas oligárquicos que vai resistindo a tudo na ponta sudoeste de um subcontinente existente num Planeta imaginário, porque estas coisas só podem existir na imaginação dos dementes invejosos descendentes de mouros e outras raças sulistas inferiores.

25 de Abril 2022 às 07H25 depois de olhar as capas dos jornais neste dia em que há quarenta e oito anos um grupo de jovens capitães acabou com o pensamento único dominante durante outros tantos quarenta e oito anos mais ou menos mês.

22.04.24

O tempo que está vivendo cansa-o. Um cansaço diferente dos outros porque carrega com ele considerável dose de impotência.

O deserto por onde caminha na outra margem está mais árido, cheio de areias movediças de sentido único. Não, não é solidão, há muito que se habituou a ser solitário. É a vida que o rodeia, que lhe entra em casa mesmo com portas e janelas fechadas, querendo moldar-lhe o pensamento, alterar-lhe a visão do que vê para lá do que lhe dizem, das verdades absolutas difundidas que se recusa a aceitar sem contraditório, sem alternativa.

Por onde vai o seu país? Que futuro terão os seus netos, os seus vindouros? Sim que futuro terão as crianças deste país? São os seus pensamentos ao deitar, ao acordar e durante o tempo de vida que leva acordado. Estaremos a voltar a 1580? Como o Planeta roda sempre no mesmo sentido, o tempo não volta para trás. Então para onde nos levam os que governam agora em nome do povo? Que democracia existe quando se institui um só pensamento, único, verdadeiro, sem contraditório?

Nasceu em 1950, no tempo áureo do fascismo versão salazarista. Teve a sorte de nascer de pais que tudo sacrificaram no seu modo de vida, para que os dois rapazes nascidos no mesmo ano pudessem estudar. À sorte dos pais que o geraram e criaram, conheceu a sorte de, ao completar a segunda classe da escola primária pública sair de Lisboa e irem os quatro viverem para Ferrel e uns anos depois para o Lugar da Estrada. Cresceu na aldeia e na praia, longe da vida citadina. Cresceu livre de outras preocupações que não fosse o passar dos anos de estudo, respeitando e cumprindo a educação paramilitar que o pai Guarda Fiscal impunha. Foi assim que terminados os exames que todos os anos letivos o curso geral do comércio tinha, entrava nas férias grandes. Férias que tinham normalmente quase três meses de praia. Primeiro na praia do Baleal, onde aprendeu a nadar à cão, a saltar das rochas para a água até que um dia adoeceu, tendo sido curado por uma senhora de Ferrel. Senhora de alguma idade sempre vestida de preto, que lhe diagnosticou "bucho virado" e o tratou com as suas mesinhas e mãos. Acabaram-se os saltos de mergulho.

Quando aos doze anos conheceu a praia da Consolação aí aprendeu com o velho banheiro a conhecer o mar. Entre a praia grande de areia grossa e a praia de rochas do Porto Batel, cresceu e se fez homem. Ainda hoje é a Consolação e o Porto Batel os lugares que melhor o acalmam, onde a malvada ansiedade que algumas vezes se gruda nele, ali se desgruda ao visitar aqueles sítios, deixando-o mais leve, mais solto, menos pesado.

Aos nove anos, teve a sorte de o pai poder comprar um bicicleta (que lhe custou mais do que o ordenado mensal). De bicicleta sozinho, às vezes acompanhado com o irmão, fazia os 8km até à Escola Industrial e Comercial em Peniche. Quando passaram a viver no Lugar da Estrada a viagem tornou-se mais curta e mais plana. Nos 6km que tinha pela frente o pior era a força da nortada.

Na Escola em Peniche fez parte da então Mocidade Portuguesa. Por duas vezes participou, com o seu irmão, no acampamento nacional que a organização montava em Aljubarrota, nas férias da Páscoa, onde eles corriam à volta dos microfones da Emissora Nacional de braço direito estendido gritando "nós somos os melhores". Antes de terminarem o Curso Geral de Comércio, os manos, deixaram de participar na Mocidade Portuguesa.

Viviam em Ferrel quando a rádio noticiou o histerismo político de Salazar por os militares portugueses estacionados em Goa, Damão e Diu se terem rendido ao exército indiano, que invadiu aqueles territórios sob administração colonial portuguesa, em vez de lutarem até ao último homem ou seja para todos morrerem, desde o Governador até ao Soldado mais raso. Salazar, o bom fascista, sabia que as nossas forças militares ali estacionadas nada podiam fazer face ao poderio militar e humano do exército indiano, mas à boa maneira dos fascista preferia a morte dos seus cidadãos do que o salvar das suas vidas humanas. Tudo para glória e prazer, sua e dos seus correligionários. Enganou-se o velho ditador. Vingativo como era, afastou das Forças Armadas os militares de carreira que lá prestavam comissão de serviço.

Meses mais tarde a mesma rádio dá notícia do começo da guerra na joia da coroa que restava ao hipotético Império colonial português, Angola. Da varanda do seu palácio na cidade grande gritou o velho ditador à multidão que enchendo a praça o aplaudia entusiasticamente «Para Angola e em Força». Tinha ele nove anos. No primeiro contingente partiu um filho de Ferrel perante o choro e os ais da mãe, sua vizinha, da namorada, familiares e amigos.

Terminado o Curso Geral de Comércio voltaram os manos para a cidade grande a fim de poderem continuar a estudar no então ICL à Rua das Chagas. Quis o destino que voltassem a viver na rua onde nasceram, nos Olivais.

Nos estudos ia passando de ano, com um ou outro susto a inglês mas lá se foi safando sem reprovar nenhum ano.

Era estudante no ICL quando em 1969 ocorreram eleições para a Assembleia da República. Nesse ano de 1969, ele e o irmão diziam aos pais que iam estudar ou ao cinema e desviavam-se para para os comícios que a oposição ao regime ia conseguindo fazer. Entraram na política nesse ano de 1969, pelo lado da oposição, na defesa das liberdades de expressão e políticas, pelo fim do regime anacrónico que reinava o país com mão de ferro.

Nesse tempo de juventude, o regime apertava as malhas do «orgulhosamente só». À guerra em Angola, seguiu-se a guerra na Guiné e por fim em Moçambique. Três frentes de guerra na África longínqua. Para a propaganda governamental de pensamento e sentido único a guerra contra os inimigos da Pátria estava ganha, tais as baixas que o inimigo sofria pela ação heroica dos nossos militares.

Tinha ainda 20 anos quando se apresentou em Mafra no mês de Outubro para cumprir o serviço militar obrigatório. A guerra aos inimigos da Pátria no Ultramar longínquo estava ganha, diziam. Levava consigo sonhos e planos para o seu futuro. O tiro saiu-lhe pela culatra quando lhe deram a especialidade de 031atirador de infantaria. A sua vida como que ficou suspensa. Com a janela de desertor sempre aberta foi colocado no BC10 em Chaves, bem lá no norte transmontano. Estava ele oficiosamente como Adjunto do Oficial de Operações do BC10 quando saíram as mobilizações. Continuou por Chaves a fim de formar Batalhão com destino a Angola. Não desertou e foi consciente à guerra.

Ao terminar as semanas de formação como atirador de infantaria em Mafra, um amigo das noites e conversas fora do Calhau, sobrinho neto de Alves Redol, perguntou-lhe se no sábado seguinte não poderia estar às tantas horas nos Restauradores em frente ao bar onde se bebia o célebre pica-pau, que alguém iria ter com ele. No dia e à hora acordada lá estava, olhando ao seu redor até que viu chegar na sua direção um Tenente de Mafra vestido à paisana. Quando se cumprimentam com um aperto de mão o Tenente deixou-lhe algo na mão e continuou a andar sem parar. Ele, fechou a mão e sem olhar para trás nem para os lados dirigiu-se à paragem do autocarro 39 para Moscavide, que passava na Infante D. Henrique em Cabo Ruivo - Olivais. Sem tirar a mão do bolso, quando o 39 chegou, subiu para o primeiro andar e sentou-se de modo a poder observar quem entrava e subia. Tremia, mantendo a mão fechada sempre no bolso. Ao descer no sua paragem olhou para todos os lados procurando ver se havia alguém desconhecido ou suspeito. Com o passo apressado chegou e subiu ao oitavo andar onde viviam. Fechou-se no quarto que partilhava com o irmão, desdobrou o papelinho mistério e leu: - “convidavam-no a distribuir o jornal Avante onde fosse colocado como Aspirante”. Leu e releu. Falou depois com o irmão e deitou o papelinho na sanita. Esteve à porta do PC mas não entrou, nem deu resposta ao convite. Diga-se em abono da verdade que ninguém mais o procurou para saber da decisão ou do porquê.

Em Chaves criou novas amizades, novos conhecimentos. Reuniam-se à noite nas muralhas do antigo castelo para poderem falar mais à vontade do que nos cafés e bares da pequena cidade. As paredes tinham ouvidos e nunca se sabia quem estava na mesa ao lado. Dessas novas amizades fazia parte um furriel que era familiar próximo de um poeta oposicionista que tinha desertado da guerra em Angola e estava na Rádio Argel. Poeta muito conhecido como político no pós 25 de Abril. Fazia, porque ao chegarem as mobilizações esse amigo foi colocado num outro quartel para formar Batalhão com destino também a Angola. Reencontraram-se em Luanda quando ele chegou à cidade para a espera do embarque de regresso e o amigo estava prestes a regressar. Voltaram-se a encontrar quando ele visitou a primeira festa do Avante no Jamor e o amigo estava lá no stand do partido por Águeda. Não mais se encontraram.

Chegou ao local angolano destinado à sua Companhia de Caçadores no dia em que fez os seus 22 anos de idade. E, a guerra estava ganha, diziam os que governavam longe da guerra. Em Angola no início das terras do fim do mundo, foi o Major Segundo Comandante de Batalhão que o avisou e alertou para que o médico do Batalhão que prestava assistência à sua companhia era um pide que o queria foder. Felizmente o médico-pide meteu o pé na argola e o Major Segundo Comandante do Batalhão mandou-o de imediato para o quinto dos infernos. Para os pides estacionados na área da sua Companhia com um grupo de “flechas” ele continuava a ser o “alferes-comunista”. Soube passados muitos anos que quando após o 25 de Abril foram da Companhia apreender a documentação da pide que lá estavam como apreendidos aerogramas e cartas que o seu irmão e a futura mãe das suas filhas lhe escreviam.

No dia 16 de Março de 1974 aquando do levantamento das Caldas da Rainha, estava ele longe da Companhia, nas matas do Munhango, numa base tática em perseguição da UNITA. Souberam do acontecido ao ouvirem a notícia em ondas curtas numa das rádios dos inimigos. Sim, eles ouviam de forma recatada a rádio dos inimigos que segundo a sua propaganda as baixas que nos causavam garantia a vitória pela independência contra o branco colonizador. De ambos os lados funcionava a ação psicológica sempre escondendo a verdade.

No dia 25 de Abril já estava no quartel. O dia correu como muitos dos outros dias em que não tinham operações, dentro do arame farpado à espera que o tempo passasse, para cumprirem mais um dia de comissão. À noite, naquela quinta-feira passou por lá o homem que de quinze em quinze dias exibia uns filmes com a sua máquina de cinema. No final de mais uma sessão de cinema esperava-os o comerciante Pato (soube também mais tarde que o mesmo era informador da pide) para lhes comunicar que teria havido um golpe de estado no Puto. Quiseram saber quem seria(m) o(s) autor(es) ao que o comerciante Pato lhes disse que parecia que tinha sido um tal Kauza. Ele e os seus amigos olharam-se e já sozinhos disseram: - estamos fodidos, nunca mais saímos daqui.

Foi já na manhã do dia 26 que o pessoal das transmissões confirmou ter havido um golpe de estado no puto realizado por capitães. O futuro? Uma enorme interrogação!

Veio de férias ao Puto no mês de Maio. Embarcou em Luanda no dia 19 de Maio à noite. Reinava a alegria em todas as caras em todas as esquinas, as paredes tinham deixado de ter ouvidos. Deixando de lado as dúvidas sobre como seria o futuro dos que estavam em África em comissão de serviço, um das primeiras coisas que fez foi ir assistir a um comício do Partido Comunista no recinto do Olivais e Moscavide. Sentiu-se desiludido ao mesmo tempo sentiu que as coisas não iriam ser como pareciam. No comício, um destacado elemento do comité central chamava de reacionários os trabalhadores da Carris que tinham declarado fazer greve por melhores condições. Já o filho desse dirigente comunista tinha feito campanha para os militares não desertarem e irem à guerra; quando as mobilizações saíram foi dos primeiros a dar o salto. Caminhando a pé, no regresso, pela Infante D. Henrique, de certo modo desiludido com o comício, recordou-se da velha frase: - olha para o que eu digo e não para o que eu faço. Triste mas é verdade e quando se trata de políticos, nem se fala.

Foi esse um acontecimento que juntando a outros e aos muito comunicados que todas as organizações políticas emitiam diariamente quando não hora a hora que andou pelas franjas da UDP depois de regressar da guerra e de passar à disponibilidade. Quando um dia o convidaram para entrar, nem à porta chegou. Voltou a não entrar em partido político.

Em 1979 deixou de ter qualquer atividade política. Dez anos ensinaram-lhe e mostraram-lhe muita coisa. Tantas que ainda hoje conhece e se lembra do que foram muitos dos que hoje estão bens instalados no sistema que após um outro 25 se instalou na Democracia Portuguesa.

Corria o tempo do pós Cavaco quando esteve com um pé dentro do Partido Socialista, mas a tempo deu dois passos atrás e voltou a não entrar em partido político.

É demasiado indisciplinado e exigente ideologicamente para se enquadrar em qualquer organização política de subordinação unânime ao chefe. Nem tudo na vida o exercício do poder justifica. Há valores que devem ser atualizados mas nunca deitados no caixote do lixo como têm sido ao longo dos últimos anos. Depois, cansado e farto do «politicamente correto» passou a caminhar na outra margem da vida. Sente-se bem consigo próprio, com as suas opções políticas, considerando-se uma ovelha ranhosa tresmalhada do rebanho da maioria. É livre de olhar e pensar as coisas que com o passar do tempo a cada dia são menos coincidentes com o politicamente correto vigente. «O rei vai nu» mas são poucos os que assim pensam e veem.

É pela Paz, pelo Dialogo, contra qualquer guerra. Não foi desertor, foi à guerra mas isso não fez dele um amante da guerra, antes pelo contrário. Nem dos jogos modernos de guerra nas novas tecnologias ele gosta.

Na guerra da Ucrânia não tem dúvidas. As forças armadas russas invadiram a Ucrânia e a partir do primeiro momento a guerra tornou-se num inferno para o povo ucraniano e russo que lá vivia e vive. Putin é um político da pior espécie um filho da puta. O ucraniano Zelinsky é um comediante da pior espécie, um outro filho da puta. A diferença entre eles tende para zero. É sua opinião que com o avançar da catástrofe se vai cimentando em si.

Em todas as guerras há causas, há antecedentes que naquela guerra também devem ser analisados. Daí, o recusar linearmente o pensamento único vigente no seu país sobre o «mau» causador e o «bom» mártir. Causadores são os dois. Mártires são os ucranianos e os russos anónimos que não foram ouvidos e sofrem as atrocidades da guerra fratricida sem fim à vista.

Em 1956 quando se dá a revolução cubana e Fidel Castro passa a ser o seu dirigente máximo em Cuba com o apoio da então União Soviética, acordaram os dois países independentes de colocarem em Cuba misseis de longo alcance de fabrico soviético. J. Kennedy, presidente americano, ao tomar conhecimento de tal operação ordenou de imediato o cerco à Ilha de Cuba. O Planeta esteve à beira duma guerra nuclear. Os políticos e seus conselheiros de um lado e do outro reuniram-se secretamente e acordaram que nem os russos colocavam tais misseis em Cuba, nem os americanos iriam colocar armamento de longo alcance junto à fronteira do Pacto de Varsóvia. Saíram os dois com suas vitórias. E, o Planeta viveu muitos anos de guerra fria em Paz.

Quando em 1990 se dá o esboroar político do falhanço URSS, de novo americanos e russos acordam, que a NATO não iria colocar armamento bélico de longo alcance junto da fronteira da Rússia ou Federação Russa.

Nos primeiros anos em que Putin tomou o poder na Rússia, este chegou a solicitar a sua adesão à NATO. Adesão que não se concretizou na altura porque? Quem é que dentro da organização NATO inviabilizou esse pedido de adesão? Tão amigos que eles pareciam ser.

Há acordos internacionais entre nações que se sobrepõem e condicionam determinadas escolhas e vontades nacionais, por forma a evitar os terríveis conflitos armados que a tecnologia potenciou. Infelizmente estamos assistindo apenas à introdução do que poderá ser uma guerra entre blocos poderosos.

Apenas e só agora, mas mais vale tarde que nunca, uma alta personalidade deste Planeta, de seu nome António Guterres, deu um passo em busca da almejada Paz. Que as suas viagens tenham todo o sucesso com vista ao estabelecimento da desejada Paz, por forma a que a moldagem e formatação de «pensamento único verdadeiro sem contraditório» que políticos e comunicação social subserviente aos poderosos senhores da industria do armamento, termine de vez e volte a contraditório a ser regra democrática, pois Democracia sem contraditório acaba por ser tudo menos Democracia.

sexta-feira, 22 de abril de 2022

22.04,21

 

Depois de se levantar e ter dado o seu passeio matinal com a sua amiga Sacha, tomou o pequeno almoço e começou por escrever às filhas:

Bom dia e um dia Bom! Catarina e Joana. Hoje é o dia em que o voto do vosso pai, republicano não comunista, nas últimas eleições para a AR, não foi um voto perdido. Não serviu para evitar a sangria de deputados, mas pela atitude dos poucos que restam no hemiciclo da AR, não foi um voto perdido."

Após ter enviado a mensagem, sentou-se à secretária, abriu o computador e continuou a traduzir as imagens e os seus pensares, já no seu programa de texto.

A luta por uma sociedade mais justa é contínua. É eterna, a exemplo da sempre existente luta entre o bem e o mal.

Não há sementes híbridas ou transgénicas que evitem essa luta, que começa dentro de cada um de nós. Podem os senhores do Planeta com o uso da tecnologia adormece-la mas não a eliminam. Ela já existia antes mesmo dos senhores do Planeta existirem, sendo estes um produto dessa mesma luta invisível, a eterna luta dos contrários.

No início da noite anterior seguiu o debate entre os dois candidatos de direita em França, onde mais uma vez a sra. Marine Le Pen, mostrou as suas ideias xenófobas, um nacionalismo populista extremista onde não há solidariedade e fraternidade, apenas ódio pelos que considera segundo a sua ideologia serem diferentes, cidadãos de segunda. Mais um político, a senhora, que se tem de respeitar, de se negociar mas que não se deve convidar para uma festa de amigos que respeitem as regras da nossa Democracia. Infelizmente o seu movimento político não esta isolado neste sub-continente que designamos por Europa, antes representam forças em crescendo, que fazem recordar e temer as muitas histórias sangrentas de guerra que ao longo dos séculos sempre por cá existiram, umas mais longas, outras mais curtas e ainda outras mais fratricidas terríveis e cruéis no século passado.

Já Macron é o que é. Bem espremido não dá mais. Um político nascido de sementes híbridas. Sementes que políticos com bandeiras de esquerda foram lançando na sociedade para governarem ao centro, diziam e dizem-nos. Políticos com pins de esquerda na lapela mas submissos aos senhores do mundo mais liberal economicamente. Políticos que face aos interesses em jogo no mercado capitalista foram colocando nas gavetas mais fundas dos seus cofres, as medidas que fizeram deste sub-continente Europeu, um exemplo do que podia ser o Estado Social.

Da social democracia mais à esquerda pouco resta nesta Europa sem rumo. Daí o híbrido ideológico, Macron, ser apenas um placebo para contentar sociais democratas e socialistas de sofá agitando as suas bandeirinhas todos felizes por Macron segundo as previsões ir ganhar no próximo domingo. Socialistas ou pseudo, e, outros que se dizem da social democracia, já não os sabe distinguir, em vez de pararem e repensarem as causas que levaram quer o grande partido socialista francês, quer os outros também grandes partidos da direita tradicional francesa, ao quase eclipse total, aí estão eles todos felizes com o sr. Macron, que gosta muito de se por em bicos de pés para falar no eixo-franco-alemão como motor económico da Europa e da sua anémica União Europeia, ignorando todos os seus outros parceiros que pouco ou nada conta politicamente para o próprio sr. Macron.

É com políticos desta qualidade, muito longe da envergadura política de um sr. Helmut Kohl ou do sr. François Mitterrand, que a União Europeia não passa de uma parceria anémica sem outro rumo que não seja ir a reboque dos “falcões” americanos, distribuindo internamente moeda e créditos ao sabor dos mercados.

O centro político que ganha eleições é onde germinam as sementes que criam políticos híbridos, que tal como quando na agricultura quando se lançam à terra sementes híbridas estas nunca reproduzem de novo bons produtos. É o que temos, ou como um dia disse o sr. Guterres, é a vida.

quinta-feira, 21 de abril de 2022

22.04.20



 

Quarta feira, dia vinte do mês de Abril, foi almoçar com um velho amigo, que um dia há cinquenta anos foi seu superior na guerra em que participaram a mando do então governo ditatorial português. O amigo como capitão miliciano. Ele como alferes miliciano. Enquanto viajava no comboio ao encontro do amigo tentava não se esquecer das perguntas que lhe gostava de fazer, sobre aqueles dois anos que viveram na guerra.

Durante a conversa tentou mas viu que a amigo antigo capitão ou não se lembrava ou não estava interessado em recordar esses tempos, esses acontecimentos vividos nas matas angolanas.

No final do almoço, o amigo acompanhou-o até à entrada do Metro. Quando se despediram ele decidiu não descer as escadas e começou a andar pela Avenida Almirante Reis em direção à Praça do Chile. Queria observar se a clínica onde aos cinco anos foi operado às amígdalas e ao nariz ainda existia. Tirou a máquina fotográfica da mochila que transportava a tiracolo. Na Praça procurou o melhor ângulo para fotografar o prédio onde já não consta o placar do anúncio da clínica. Do outro lado da Praça quase em frente ao outro prédio continua o esqueleto abandonado do antigo edifício onde chegou a ir fazer o Rx aos pulmões. Mais um edifícios público abandonado ou já negociado com alguma entidade privada. Tem a ideia de ter lido que ali iam construir mais um hotel. Já há tantos na cidade mas continuam a haver mais projetos de investimento para mais construção.

Continuou a andar pela Avenida Almirante Reis na direção da Alameda D. Afonso Henriques. Olhou o edifício do antigo cinema Império onde tantos filmes viu, mas há muito transformado num centro de difusão da seita religiosa IURD. Sente pena que a cidade ao transformar-se adaptando-se aos novos tempos perca os seus edifícios, antigos cinemas.

Depois desceu para o Metro para regressar a casa. Na estação do Oriente ainda pensou em entrar no Centro Comercial Vasco da Gama. Olhou o relógio e o horário do próximo comboio e desistiu do Centro Comercial.

Na viagem de comboio começou a escrever no seu telemóvel. Chegou a casa passou o que tinha escrito para o computador. Terminou de escrever. Leu e emendou erros e imprimiu.

22.04.08

 

Quem vai à guerra, qualquer que ela seja, ofensiva e ou defensiva, a primeira coisa que o combatente (profissional, voluntário ou contrariado) sabe, é: - «tenho que matar o outro, antes que o outro me mate a mim». Outro princípio é: - «tenho que fazer tudo e o impossível para voltar para casa, são e salvo». O combatente não leva no bolso convenções de direitos humanos ou códigos de direito. O combatente, independente da disciplina militar que cumpre, leva e transporta consigo a ânsia de voltar um dia para casa custe o que custar, esse fim em si, justifica para ele todos os meios, transformando-o por vezes em máquina de guerra assassina. O resto são “fait divers” de gente que nunca foi combatente de guerra, nem ouviu as histórias por vezes, hoje, horrorosas que seus progenitores viveram, em outras guerras.

Naquela guerra em que o exército russo invadiu a vizinha Ucrânia, há como em todas as guerras porquês e causas que a despoletaram. Causas que poderiam e deveriam obrigatoriamente ter sido negociadas, discutidas e cumpridas por todos os intervenientes diretos e indiretos. Por onde terá andado a ONU?

Quase todos sabíamos, conhecíamos a personalidade do novo czar da Rússia, Putin. Sobre isso pouco de novo há a adiantar. Era e é uma personalidade sobejamente conhecida politicamente. Um adepto do capitalismo mais selvagem sem olhar a meios, apoiante simpatizante de movimentos sociais de extrema-direita. Não sendo por isso flor que se cheire, respeita-se, negoceia-se mas não se convida para festa de amigos. 

Ao povo russo e só a eles, caberá a escolha do seu futuro.

Muitos de nós não conhecíamos de facto o líder ucraniano, Zelensky, apenas sabíamos que era comediante (popular no YouTube num vídeo tocando piano com o seu pénis) antes de ser líder político. Como chegou a líder do país, era assunto quase desconhecido da maioria que até se interessa por política.

Afirma-se Zelensky, líder ucraniano, judeu, como se entre os judeus não existissem todas as personalidades e caracteres que existem nas outras comunidades sociais. Basta lembrar Benjamin "Bibi" Netanyahu. Levou Zelensky o nega de Israel quando pretendeu que as conversações de paz fossem em Israel. Levou o nega porque segundo o primeiro-ministro do governo de Israel, Naftali Bennett, o governo ucraniano apoia e financia organizações nazis, como o Batalhão Azov, o Setor Direita, o Svoboda, o C14 e outras milícias que perseguem, torturam e matam, judeus, russos, roma (ciganos) e gays, tudo em nome da «santa democrática raça pura ucraniana», sem esquecermos a lavagem histórica que fizeram com o nazi Stepan Bandera, um dos mais ferozes exterminador de judeus nos campos de concentração nazis ao serviço dos alemães SS hitlerianos, transformado em herói nacionalista pelos governos ucranianos saídos da chamada revolução laranja (2014). Tudo, afinal, gente boa de bons princípios.

É esta personalidade que foi convidada pelo nosso Parlamento com apoio do Presidente para discursar, por videoconferência. Só nos faltou que o sujeito tivesse escolhido o dia 25 de Abril. Triste e doente anda a nossa Democracia. 

«O rei vai nu» mas os políticos assobiam para o lado, contentes que vivem dentro dos seus fatinhos de bom corte, aguardando que depois da vida de deputado ou mesmo de diretor geral ou de secretário de estado possam ter um bom “tacho remuneratório” numa das grandes empresas que ainda cá operam ou em alternativa numa das grandes sociedades de advogados que sabem controlar as leis sem as infringir, ou ainda, numa dessas entidades reguladoras que nada fazem a não ser dobrarem-se perante os conselhos de administração das empresas que dominam o seu setor de atividade em constante aumento de preços versus lucros para os bolsos dos seus administradores e acionistas.

Naquela guerra não há bons nem maus líderes, os dois não são flor que se cheire, não prestam como seres humanos; adversários que são das sociedades democráticas que respeitem as diferenças ideológicas, religiosas e outras dentro do seu seio.

A guerra fratricida que desenvolvem é a imagem dos ferozes interesses “capitalistas – financeiros” que estão em confronto, sendo que o «provocador» da guerra, Biden, ao continuar a política de rasgar acordos antigos, viu, promoveu e ordenou o comediante Zelensky como seu procurador-representante, enquanto que do outro lado o «provocado» Putin ao sentir-se encurralado e picado fez do ataque-invasão da vizinha Ucrânia a defesa dos seus interesses obscuros. 

E, nesta guerra fratricida, sofre o povo europeu com o aumento do custo de vida versus empobrecimento social, com o povo ucraniano e os russos-ucranianos que viviam na Ucrânia a serem de longe as maiores vitimas, ao sofrerem de novo em mais ou menos cem anos, nova destruição das suas terras, cidades e vidas, quando tudo poderia ser evitado se os lideres políticos não se baixassem aos falcões da industria do armamento sempre sôfregos e ávidos e mais e maiores lucros nas suas contas de off shore dos seus amados paraísos fiscais.

E, ainda há quem deseje “Pascoa Feliz” influenciados que foram e são pelos tradições religiosas, que continuam a alimentar os seus crentes indiferentes ao sofrimentos dos outros. Nem o Papa, líder da maior congregação religiosa já é ouvido e escutado com a atenção devida e merecida.

Relembro as palavras um dia escritas por Felicidade Alves que foi padre:

Gloria a Deus em sua transcendência. E Paz na terra aos homens, pois Deus a todos quer bem.

22.04.09

09. 04. 22

Deitou-se cedo. Nem se lembra de como começou a dormir. Terá sido, tiro e queda. Ontem ao deitar fechou as portadas das janelas. A meteorologia anunciava chuva para a madrugada. Quando o corpo deu sinal, levantou-se. Tudo ainda era escuro. A Sacha dormindo na sua cama. Foi à casa de banho e ao voltar, olhou no escuro as horas no telemóvel. Eram 4H40. Deitou-se na esperança de dormir um pouco mais. Ao virar-se sobre o lado esquerdo lá estava na Avenida da Liberdade o sorriso dela, quando a ia esperar para de braço dado subirem a Calçada da Glória. Naquele tempo não se saudavam com beijo (que nunca trocaram). O sorriso dos olhos dela era a luz que os iluminava. Procurou afastar o seu sorriso em busca de mais umas horitas de sono. Não conseguiu. Automaticamente fez contas, já tinha dormido seis horas. Ia ser difícil voltar a adormecer. Virou-se para o lado direito e lá vinha ela da Rua das Pretas ao seu encontro na Avenida da Liberdade.

Depois, com a sua companhia ausente, acordado na madrugada deu voltas à vida, ao que foi e ao que é, sempre à volta do que poderiam ter sido. Ela não ia ser feliz. Naquele tempo em que a revolta contra a sociedade brotou qual lava dentro de si, não teve coragem de lhe falar, abandonando-a sem explicação. Passados mais de cinquenta anos o seu sorriso continua a acompanha-lo e ele continua a sua revolta, desenquadrado, tresmalhado do rebanho, num viver solitário contra o mundo, contra esta sociedade consumista que agora o brinda com um quase pensamento único, por causa da maldita guerra que se desenvolve lá na Ucrânia. Um mundo composto de multidões que se recusam a pensar nos porquês, que por comodismo aceitam como verdade-única o que as televisões lhes dizem e mostram, nas quais não se enquadra. Sabe que não tem o dom da verdade relativa, quanto mais o da verdade absoluta, mas enquanto puder recusa-se a deixar de pensar, a deixar de procurar entender o que não dizem ou o que escrevem nas entrelinhas das meias verdades que podem ser meias mentiras. É um ser inquieto, composto por uma montanha de dúvidas que à medida que o planeta roda vão crescendo dentro de si.

Ali está sozinho fisicamente. Na casa que seus pais construíram com muito sacrifício. Casa pequena, sem luxos nem materiais de primeira qualidade, que vai adaptando à medida das suas possibilidades, para que, não só ele mas eles, em especial, possam ver como a a casa deles está cuidada. Sim, acredita que o espírito não morre na hora do desapego em que a água seca no nosso corpo e a morte é oficialmente declarada. Não precisa, já não sente necessidade das religiões; todas elas não gostam de quem acredita que o espírito não morre, podendo vir a encarnar de novo. Até nisso navega contra a corrente da grande maioria, que religiosamente só pedem e põe nas mãos de Deus aquilo que aos humanos compete.

10.04.22

Cá estou de novo, escreve nos seus apontamentos. Mais ou menos à hora certa o seu corpo da sinal, num jogo entre si e o despertador do telemóvel, a ver quem é o primeiro a dar sinal.

Esta noite não fechou as portadas da janela do seu quarto. Gosta de acordar e sentir os raios diurnos a anunciarem-se. Porque gosta das madrugadas em vez das noitadas? Pensa para si em silêncio.

Ontem, sábado, passou o dia a arranjar um borrego que os senhores que utilizam os chões para as suas ovelhas e dois ou três cavalos, lhe ofereceram. Gente que lhe parece ser séria e a quem em tempo tinha dito se não lhe vendiam um borrego um pouco maior do que os que vendem nos supermercados. Afinal, trouxeram-lhe um bem grande que mais parecia já um carneiro. Passou o dia todo a arranjá-lo para o limpar das gorduras excessivas e do bedum (a pequena glândula que têm nas patas traseiras). As coisas que foi aprendendo quando os seus pais foram para lá viver após o seu pai se reformar da Guarda Fiscal. Até a sua mãe ter saúde, antes do AVC que a deixou incapacitada do lado direito, criavam coelhos, galinhas, patos, ovelhas e porco. Hoje, já não era capaz de matar um animal, mas nesses anos aprendou quase tudo, sendo que os borregos e o porco era ele que os desmanchava. As coisas que já fez, pensa para si na conversa que mantém com a ausência. Mas ao recordar escreve, toma nota, neste novo dia em que os ramos da velha oliveira lá fora não mexem. Pede desculpa. É a necessidade que todos os dias sente em falar, de lhe contar as suas tolices. Tolices de uma loucura que lentamente vai tomando conta de si silenciosamente. Ninguém sabe, ninguém nota, nem as análises e os exames clínicos denunciam. Só ele e a sua sombra, sabem, conhecem. Às vezes pensa, que tudo isto que vive é uma nova emboscada que a morte vem montando, ela que já por duas vezes se lhe anunciou. À terceira talvez seja de vez, quem saberá?

Sentado na cama olha o relógio. Já são sete horas. Hoje na tradição cristã ou do calendário litúrgico cristão apostólico romano é Domingo de Ramos. Que necessidade tem para se levantar tão cedo? Hábitos que criou. É assim todos os dias, seja domingo, feriado ou dia de semana. A Sacha à entrada do quarto olha-o como que dizendo-lhe que está na hora de irem esticar as pernas. Assim começa todos os dias em que se recuso a viver como se o dia fosse o seu último dia de vida, em oposição, vive cada dia como se fosse o primeiro dia do resto da sua vida.

Depois da volta matinal que os dois fizeram, escreveu e publicou na sua página da rede social que frequenta:

«O dia chegou e com ele ainda predominava o nevoeiro, que não sendo cerrado era intenso. Andando com a minha amiga pelas quelhas habituais não vislumbrei entre oliveiras e azinheiras a chegada do louco El-rei D. Sebastião. Já antes de sair ao olhar as páginas dos jornais, não tinha lido nem visto notícias da tão desejada Paz. Só a guerra, a sua difusão numa interpretação de pensamento único, futebol ou artistas da bola e mais alguma violência urbana e doméstica.

Um dia, domingo de ramos segundo o calendário litúrgico dos cristãos, onde o nevoeiro se nos apresentou com o seu "Bom dia, Bom domingo" »


Está quase no quintal a acabar de almoçar e na sua loucura silenciosa a falar com quem está ausente. É assim, mas não se pode queixar. Quem semeia ventos colhe tempestades ou cá se fazem cá se pagam ou ainda como disse num dia um político manhoso, "é a vida".

No telheiro que transformou em marquise, almoça vendo a estrada nacional mas o que maior prazer lhe dá é observar a passarada nas suas danças nas suas falas. Andam dois machos pintassilgo no quintal em busca de material para o ninho. A sua memória voa mais rápida que a velocidade da luz, até Ferrel no seus oito ou nove anos, quando aprendeu a armar aos pássaros. Não se lembro onde e como comprou as ratoeiras. Lembra-se de às escondidas da mãe, ele e o irmão, apanharem as galinhas para lhes roubar penas do rabo e com elas enganar os pássaros na ânsia de fazerem o ninho para de novo procriarem. O primeiro desgraçado que apanhou na ratoeira, aquando das férias da Páscoa, foi um pintassilgo, uma das aves mais bonitas quer na cor da sua plumagem, quer no chilrear, que é de todos os cantos o que mais gosta de ouvir. Teve um durante anos, que o acompanhava com o seu chilrear nas madrugadas em que se levantava para estudar. Nesse tempo conheceu-a e logo começou a gostar dela. Lembra-se como a chamavam no primeiro ano do ICL. Conhece o canto do pintassilgo à distância, ficando imobilizado ao ouvi-los nas suas sinfonias celestiais em liberdade. Hoje era incapaz de os prender numa gaiola.

Bebeu mais um copo do seu licor de poejo. Gosta de aromas fortes, onde o poejo selvagem tem lugar de preferência. Nestas terras do interior raiano de Idanha-a-Nova tudo, mas tudo, tem um outro sabor, um outro cheiro, um outro paladar.

Almoçou uma fritada de carne com uma salada de alface, tomate, cebola nova e coentros, acompanhado com um "Post Scriptum" do Douro 2014, terminando com um café e vários copinhos de licor de poejo fresquinho que fez no verão passado.

Ninguém no mundo dos vivos, a não ser ele próprio, sabe a felicidade que sente ao almoçar ali no seu quintal, frente à estrada nacional onde passam carros e camiões para e de Espanha. É um sentimento de Liberdade único, uma Paz, que até pode ser considerada egoísta face ao que acontece em especial ao povo desgraçado lá pela Ucrânia.

11.04.22

Bom dia, diz saudando todos os seus ausentes. Abriu a portada da janela para ver o clarear do dia que segundo os especialistas nas questões do tempo será de chuva. A Sacha já está aos pés da cama, fazendo a sua manicura às patas. Já olhou e inspecionou as mesmas, mas não viu nada de errado. A Sacha, pastora alemã com quatro anos, é um animal de muita força, impulsivo e de caráter dominante. Tem dias em que se cansa e quase se arrepende de a ter ido buscar à senhora que estava a doar os cachorros de uma ninhada. A senhora é advogada em Lisboa. não tendo vida para cuidar da ninhada que nasceu por descuido ou não, pouco importa, decidiu doar as crias. Passou a viver consigo desde as quase oito semanas de vida. Com o seu caráter dominante, às vezes deve pensar que é ele que vive com ela e não o contrário. Livremente condiciona a sua vida, para onde vai leva-a. Se não a pode levar, não vai simplesmente.

Continua, sem perceber o mundo que o rodeia. A guerra na Ucrânia veio agravar a sua relação com a maioria. Recusa-se a ser juiz, a decidir que, de um lado estão os maus e do outro estão os bons. Certo, que invadir um país vizinho é um presumível crime difícil de imaginar antes da invasão se dar. Todavia, todas as guerras têm os seus porquês, as suas causas, umas mais próximas que outras. Não vê que nenhum dos líderes em litígio direto e indireto, seja o tal lado bom apregoado em uníssono pela comunicação social ocidental. Numa guerra, qualquer que ela seja, nunca os inimigos dizem e emitem notícias verdadeiras. Hoje mais do que nunca, jogam com a comunicação, com as emoções das fotos, dos vídeos, das ditas reportagens em direto. Tudo para iludirem os espetadores na escolha do bom contra o mau. Não joga nesse jogo.

Vê com tristeza a promoção que se faz a um líder político que pouco ou nada tem de bom. Um sujeito comediante que chegou a líder mantendo e apoiando milícias privadas defensoras da raça pura ariana ucraniana, que ao longo dos últimos anos massacraram, violaram, mataram, quem eles acham que são impuros, animais inferiores na sua versão ariana, e, não foram só russos também judeus, roma e gays. Não pode concordar que esse sujeito seja considerado o bom, o novo herói do chamado mundo ocidental, porque do outro lado está o mau, o czar ditatorial russo que todos conhecemos há anos. Para ele, ambos são maus exemplares da raça humana. Ambos não gostam da Democracia criada com o 25 de Abril português. Ambos os líderes não prestam.

15.04.22

Voltou para os arrabaldes da cidade grande na terça. Segunda e terça foi chovendo por lá. Fez parte da viagem debaixo de chuva. A ausência seguia no banco ao seu lado. É a sua loucura, o seu segredo, o saber viver que foi aprendendo com os erros que cometeu ao longo da sua caminhada. Pensa que não foram muitos, mas de todos os erros só um lhe pesa na sua consciência de um modo diferente, num sentir que com o tempo vem ficando mais pesado mais dorido sem sarar.

Hoje, quinze de Abril é um dia em que os seus olhos deveriam transmitir alegria, felicidade e não a tristeza vazia que sente no peito. De manhã fez e ajudou na cozinha. Gosta de comer, de fazer coisas diferentes do usual de todos os dias de todas as semanas. Gosta de ervas vegetais. Trouxe do seu quintal algumas favas e algumas ervilhas que plantou. Com elas preparou um prato de vários vegetais aos quais juntou um pouco se soja granulada. Já tem jantar para vários dias. Para o almoço apetecia-lhe um arroz de grelos (que trouxe de lá) para acompanhar uma ou duas postas de pescada do Cabo, frita. E, assim fez. Coisas simples. Dizem que o peixe frito faz mal à saúde, assim como nos dizem tantas outras coisas que se dermos ouvidos não saberemos o que comer, o que fazer. Já não terá muitos anos pela frente, pelo que irá procurar comer o que gosta e lhe dá prazer, com moderação, porque quer abater alguns quilos ao seu peso. Outro dia, pesou-se e assustou-se com os noventa e cinco quilos dados pela balança. A vida sedentária que leva nos arrabaldes da cidade grande é terrível. Depois, sempre foi e continua sendo um indisciplinado em ganhar rotinas que lhe façam bem. Inscreveu-se na natação. Veio o vírus e não mais lá voltou. Comprou uma bicicleta, mas com a cadela deixou de andar de bicicleta logo pela manhã, depois com o transito de hoje sente receio em andar na estrada.

Bem, mas hoje é o dia de aniversário da sua neta mais nova, a Luísa. Faz sete anos. Teve a sua festa com os seus amigos lá de Torres Vedras. Tem uma outra neta com treze anos. Maria, irmã mais velha da Luísa, que foi disputar no norte do país um torneio de vólei para o qual a sua equipa foi convidada.

Da filha mais velha, tem um neto que é o mais novo dos três. Fará os seus sete anos no mês de Julho. Nasceu no Rio de Janeiro. Os pais estavam lá a trabalhar com emigrantes.

17.04.22

Já leva uma hora acordado. O relógio da entrada deu as 6H30. Andou vendo as capas dos jornais, olhou depois as ditas redes sociais. Nada de novo lhe disseram.

Hoje é Domingo de Páscoa. A cada ano a margem por onde caminha e navega se encontra mais afastada destas celebrações. Este ano teve momentos em que olhar vídeos sobre as tradições litúrgicas cristãs, chegou a sentir uma ponta de medo. A religiosidade é trampolim para fanatismos e vaidades. Sempre assim foi, mas com a guerra o pensamento único que domina a sociedade refletiu-se também nas celebrações cristãs católicas.

Medo que gerou em si a dúvida ou foi esta que gerou o medo, não sabe. Sabe que chegou a ter medo. Caminha-se correndo num retrocesso civilizacional, quando a maioria se deixa levar por mentes bem falantes mas perigosas nos seus desígnios, na escolha de quem são os bons e quem são os maus, não se anunciam tempos de aceitação e de concórdia. Foge desta forma de ver a vida, onde a pensamento único dominante sobre a guerra, se junta à presumível história cristã sobre a morte de Jesus. Historia criada a mando, para a construção e consolidação da religião, que da morte de Jesus criou a imagem de um Cristo morto e crucificado pelos maus (os judeus), ponto final.

Já há dois anos, neste dia de Páscoa lhe escreveu e guardou.

Esta sua loucura tem raízes de há longo tempo. Loucura silenciosa que não deixa de crescer lenta e silenciosamente. Não sabe se terá forças para bater à porta, tocar a campainha, para cara a cara lhe pedir desculpa do que lhe fez há mais de cinquenta anos. Tem medo de lhe causar problemas agora, quando no outro tempo de então não pensou ou se recusou a pensar sem se importar com a dor o sofrimento com os problemas que lhe causou ou agudizou. Sofrimento, remorso que neste tempo de agora vai alimentando a sua silenciosa loucura que ninguém vê, ninguém sabe, que nem os exames e análises clínicas denunciam, só ele e a sua sombra sabem do seu progresso silencioso.

Não quer terminar a sua viagem terrena sem lhe pedir desculpa, perdão pelo que um dia lhe fez, ao deixa-la sem uma palavra, sem uma explicação do porquê, se era dela que ele gostava era ela que ele amava, levando consigo a luz do seu sorriso, que ainda nesta Páscoa de 2022 perdura.

Há vidas que são histórias que nem parecem ser verdadeiras.

segunda-feira, 18 de abril de 2022

22.04.07

 


Mais de 50 anos é uma vida inteira. Um tempo tão ausente. Procura entender o porquê e não o encontra. Porque agora, passado um tempo tão ausente, esta ânsia de pedir desculpas. Este sofrer, esta vontade sem forças, que o acompanha dia e noite. Se viveu esses mais de cinquenta anos ausente apenas com sua lembrança guardada, porque agora…

Às vezes pensa que será medo de ficar só, sem ninguém para conversar, para trocar duas palavras, uma música ou uma foto. Depois, sorri um sorriso triste e olha os anos de vida que leva de solitário no meio da multidão. Dia a dia mais longe do rebanho do politicamente correto. Passam-se os dias sem ver notícias difundidas por televisões e jornais. Basta-lhe olhar as capas dos jornais no ecrã do seu telemóvel. Até o pequeno rádio que tem na mesa de cabeceira, tantas madrugadas o acompanhou, continua calado, silencioso. A cada acordar sempre um pouco mais afastado da maioria, da média, dos extremos… sempre mais sozinho com os seus pensares.

No seu quarto cabe o seu mundo. Um mundo tão pequeno e tão grande. Pequeno na dimensão do espaço entre as quatro paredes. Tão grande no amor que ele partilha naquele pequeno espaço, nas suas paredes onde a ausência também está presente.

O amor modificou-se, cresceu para uma outra forma de olhar a vida, ausente que se sente. Só as flores do campo lhe sorriem tentando animá-lo, dando-lhe a força que já não sente.

Até quando este viver ausente… que mundo estranho o esperará?

22.04.03

 


6H40. Primeiro domingo do mês de Abril. Olha o tempo no telemóvel, que o informa da temperatura no exterior, 1 grau num céu limpo de nuvens. Pela janela do quarto confirma o céu isento de nuvens a leste. Pelos ramos da velha oliveira sente o vento fraco. Ontem os ramos nem mexiam, pelo que hoje estará mais desagradável que ontem. É domingo, tem de acabar de limpar o quintal mas habituou-se a nada fazer neste dia, a deixar para segunda. Apenas tem de preparar o seu almoço, dobrada com feijão branco à maneira da sua mãe. Comprou-a no renovado Intermarché de Idanha-a-Nova, pois já há bastante tempo que andava com saudades de uma dobrada com feijão branco. Doença das vacas loucas? Há outras doenças e loucuras humanas bem piores. E, já comeu tanta porcaria que tem de acreditar no controle sanitário dos animais, caso contrário corre o risco de enlouquecer mais depressa do que lhe está acontecendo. Irá depois a Zarza Lá Mayor abastecer de gasóleo a sua charrete e passar por Segura, terra do seu pai e avós, onde sempre gosta de ir.

Lá longe as danças da política irão continuar. Nuns sítios mais de ataques verbais, noutros como na Ucrânia mas também no Iémene, na Síria e Palestina de ataques mortíferos de bombas, mísseis, tiros, minas e tudo o mais que o ser humano desenvolve tecnologicamente para os "senhores da guerra" se extasiarem com os ganhos financeiros das mesmas, indiferentes que são todos, ao sofrimento do povo anónimo, armado ou não, onde as crianças, os velhos e as mulheres são em todos os lugares onde haja guerras as que mais sofrem, sejam loiras de olhos azuis e pele branquinha, ou morenas de cabelo preto e olhos amendoados, são sempre e em todas os lugares as que mais sofrem com as malditas guerras.

Para terminar, sabendo que as condições de vida nos dois países transfronteiriços não se pode comparar de forma simples e linear, o gasóleo-max em Zarza La Mayor ficou-lhe a 1,74€ o litro. O desconto dos 0,20E por litro, que alguns vozes diziam ser coisa do 1 de Abril, é na verdade um desconto abatido no ato do pagamento, ou seja é um desconto direto ao consumidor. Como é que depois acertam as contas não sei nem faço ideia, podendo ocorrer que o Governo de Espanha esteja a suportar com o seu orçamento o benefício dos portugueses transfronteiriços que vão abastecer a lado de lá.

Já que andava por Segura lembrou-se de ir observar se a famosa obra sempre prometida da praia fluvial nas margens do Rio Erges estava em marcha, chegada que foi a Primavera com o Verão a espreitar lá mais adiante. Confirmou o que já esperava, a famosa praia anunciada na campanha eleitoral autárquica com maqueta elaborada por um gabinete especialista de Lisboa, não é ainda para este ano, talvez uns anos lá mais para a frente. Se a margem do lado da Extremadura tivesse as condições que a margem em Segura apresenta a praia fluvial seria há muito uma realidade.

Junto à Ponte internacional sobre o Rio Erges que liga os dois países, ao ver o pequeno placar “Manutenção Rota Via da Estrela - Idanha a Nova” andou um pouco no caminho e deparou-se com outro placar bem maior todo ele escrito em castelhano já que elaborado pelo “Gobierno de Extremadura” e “Taejo Internacional”. Placar que respeitava a um financiamento europeu para melhorias no Rio Erges. Numa obra cujo custo total foi de 32.065,19€ o Goberno da Extremadura foi buscar à U.E. 24.048,89€. Pequenas obras que nos dizem que do lado de lá se trabalha sobre as condições do Rio Erges e como o mesmo é pertença dos dois países lá estava o placar do Gobierno de Extremadura na margem portuguesa do rio.

A “Rota Via da Estrela”, será o caminho de Cáceres a Viseu, aproveitando a antiga estrada romana de Mérida a Braga e que os peregrinos devotos do apóstolo Santiago del Mayor percorriam até Santiago de Compostela. Uma rota, um tema com um interesse cultural turístico crescente com potencialidades a desenvolver se houvesse ou houver vontade. Mas como a mesma entra em Portugal por Segura pela Ponte cujos alicerces, e só estes, são romanos a sua divulgação limita-se ao pequeno placar. Se a manutenção e divulgação for proporcional ao tamanho do placar… os peregrinos serão nenhuns.

Pelo menos o placar indicativo da “Rota Via da Estrela” junto ao cemitério da Zebreira é bem maior, mas parece-lhe que é o único lá existente, longe das vistas de quem passa pela Zebreira.

O número crescente de jovens e seniores que todos os anos fazem os “caminhos de Santiago” como os antigos peregrinos, parece-lhe que não tem sido um tema de interesse no Município. Contudo com a formação da nova associação para o turismo transfronteiriço pode ser que se olhe para este tema e se trabalhe nas infraestruturas que não existem e tão necessárias são aos peregrinos, antes de se divulgar o mesmo em apresentações, briefings e publicações em revistas e redes sociais.

O Centro Interpretativo da Biodiversidade – Terras de Idanha, continuava fechado com varias famílias a pararem na ponte para tirarem as respetivas fotografias.


22.03.31

 


Dói-lhe o corpo, a coluna, a massa das pernas sem esquecer as mãos com as atrozes nas falanges dos dedos. Sente todas essas dores mal se levanta da cama no início de mais uma caminhada. Só já falta uma parte do quintal para arrancar as ervas que em pouco menos de um mês desde a sua última estadia cresceram como capim.

Não estava habituado a estes trabalhos.

A vida citadina nos arrabaldes da cidade grande é sedentária. Com a pandemia, as caminhadas matinais ficaram mais curtas e ainda não recuperou a disciplina para voltar aos seus mínimos de seis quilómetros matinais.

Quando volta para o seu canto como que se vinga, castigando o corpo não por masoquismo mas por necessidade de ter o pequeno quintal apresentável e limpo. Embora no campo as coisas nunca estejam bem limpas, sempre há folhas que caem, há sempre qualquer coisa que o vento trás e mesmo a beleza da passarada sempre suja. A vassoura e a pá tem sempre de estar à mão.

Ontem depois das urtigas limpas, as batatas que semeou, de outras que estavam grelhadas, parecem estar bonitas. Antes mal se viam no meio de tanta urtiga. Os vizinhos ao passarem olham e dizem-lhe que estão bonitas. Manda fotos às filhas do trabalho realizado, perguntando-se a si mesmo em conversas que tem com a sua sombra, o porquê de aos setenta e um anos andar com estes trabalhos e canseiras. Respondeu-lhe a mais nova que sente este canto de forma diferente da mais velha que "... Há coisas que não se explicam.... sentem-se e fazem-se!!!!!". Achou uma boa resposta. Sabe que se cá estivesse em permanência, não haveria ervas e em contrapartida não faltariam, as couves, os grelos que tanto gosta, as alfaces, ervas aromáticas e tudo o que fosse possível como este ano as possíveis batatas. Os tempos que se avizinham não serão fáceis e a chamada economia de subsistência sempre ajudou quem a praticava em tempos que já lá vão mas, quem sabe se não estarão de volta. Depois todos esses pequenos produtos são mais saudáveis dos que os dos supermercados e praças dos grandes centros urbanos. Não se consegue viver e sobreviver da agricultura para o mercado consumista sem o emprego de muitos químicos. Não há milagres na vida real, só na fé dos crentes eles existem. Até já há frutas que nem de terra precisam, basta água e os químicos certos e elas ali estão nas bancas metendo-se pelos olhos dos consumidores que de hortas só conhecem o supermercado. Não há milagres, embora nos contem histórias de bios e outras designações bonitas, assim como químicos modernos amigos do ambiente.

Lá fora o dia começa a clarear. Está na hora de ir esticar as pernas com a sua amiga que já o espera.


22.03.25

Sombras que não se deixam ver. Cheiros invisíveis que se fazem presentes. Um mundo oculto que se anuncia a cada momento. Procura a razão de tudo e só dúvidas encontra.

Caminha, sempre caminha com a esperança por companhia. A ausência já não o incomoda. Ele é um animal de hábitos.

Indiferente segue por quelhas, trilhos, veredas, cada dia mais afastado do rebanho. Até quando? Até onde? Pouco importa o quando e o onde… até um dia…


22.03.28


Carta às filhas.

Elas sabem que o pai por aquilo que lhes vai enviando sobre a invasão da Rússia à Ucrânia, mais uma vez o pai delas não alinha no rebanho do pensamento único. Qualquer guerra tem sempre pelo menos dois lados. Lados que omitem a verdade divulgando contínua contrainformação na tentativa de enganar os outros, sejam inimigos em confronto ou simples cidadãos que seguem os acontecimentos. As imagens e os comentários televisivos da guerra são outra coisa, outra guerra que pelas emoções que as imagens carregam querem conquistar audiências, sem se preocuparem com as causas do sofrimento, que ucranianos em geral e alguns russos estão a sofrer.

Sabe isso pela prática que viveu na guerra em Angola, não toma partido por nenhum dos lados em confronto na Ucrânia. O seu partido é a Paz e a Solidariedade com todos os inocentes que sofrem os efeitos da maldita guerra.

A guerra é o exercício da política pelos meios mais violentos, há naquela guerra de um lado e do outro milícias privadas armadas de pensamento ariano ostentando símbolos nazis e fascistas e subsidiadas pelos governos dos dois lados. Assim sendo, ele não pode tomar partido por gente que financia essas milícias nazis. Depois há os outros cujos interesses naquela guerra são evidentes, mas como consta que Pilatos um dia lavou as mãos, aparecem nas televisões com discursos incendiários a picarem os desgraçados dos ucranianos para guerra prometendo o que não lhes podem dar a não ser armas e munições para que hoje lutem e morram até que um dia alguém terá de pagar todo o arsenal militar fornecido.

Esta guerra tem-lhe provocado lembranças que estavam guardadas nas suas gavetas cerebrais. Lembranças, memórias da sua guerra das quais nunca falou às filhas. Nem todas são boas, também fez coisas que não são bem vistas nos dias que correm. Coisas que guarda nas suas gavetas de lembranças.

Embarcou para a guerra contrariado, um pouco levado pelo pensamento da oposição mais séria ao regime ditatorial de Salazar-Caetano que mantinha em África uma guerra sem sentido desde que ele tinha nove anos. Oposição que, quando ingressou aos 20 anos no serviço militar obrigatório, aconselhava a não desertar, a irem à guerra tentando consciencializar os outros da injustiça da mesma e do regime. Por outro lado o facto de ser mobilizado para Angola também ajudou à aceitação de ir para a guerra porque era onde os movimentos independentistas que lutavam contra nós, estavam mais fragilizados; eram três mas não se entendiam entre si, guerreando-se entre eles. Uma guerra que depois de 13 anos acabou com milhares de mortos dos dois lados, com milhares de deficientes e no fim da mesma com tanto sofrimento não houve vencedores.

Em Mafra deram-lhe a especialidade de Atirador de Infantaria, quando a grande maioria dos jovens com o curso ou frequência do curso de Contabilista iam para a especialidade de intendência ou contabilidade e pagadoria. De Mafra seguiu já como oficial miliciano para Chaves, que na altura ficava muito longe de Lisboa. Em Chaves foi mobilizado para a guerra.

O Batalhão de Caçadores, onde foi integrado na 2ª Companhia, teve como destino o leste mais interior de Angola, às portas das terras do fim do mundo. A sua companhia, chegou no dia em que completava 22 anos ao Mumbué, tinha estrada asfaltada a ligá-la às cidades de Silva Porto, hoje Bié, e Serpa Pinto, hoje Menongue. A vida corria, ora no arame farpado ora em muitas operações de três e cinco dias a andar no mato kms e kms, a comer intragáveis rações de combate, a participar em base táticas longe da companhia onde comeu carne podre com massa porque não havia mais nada para cozinhar, depois de numa primeira base ter comido arroz temperado com gasóleo e salsichas. A tudo, ele e os seus homens resistiram sem apanhar doenças.

Os pides (polícia internacional de defesa do estado) que tinham um grupo armado, os chamados Flechas, viviam num lugar, quimbo, perto do Mumbué onde a sua companhia, era assistida pelo médico da CCS, companhia de comando e serviços (os sortudos que pouco ou nada faziam em operações, constituída por especialistas de transmissões, mecânicos-auto, minas e intendência). Um dia no final do primeiro terço da estadia em Angola o Major, segundo comandante do Batalhão, chamou-o à CCS, aproveitando o facto de a oficialada estar toda em Silva Porto. Meteu-se no "jipe wills" da segunda guerra e lá foi com o condutor à presença do Major. Quando chegaram à CCS e passaram a porta de armas não viram ninguém a não ser o Major que na porta da messe dos oficiais o esperava, mandando-o logo entrar conduzindo-o até ao seu gabinete, certificando-se que não havia ninguém por perto. Ele tremia, o sangue como que fugia das veias sem entender o que se passava. Pior ficou quando viu livros que tinha levado e guardado no fundo da sua mala em cima da secretária do sr. Major. Gelado aguardava com o coração na boca o que o sr. Major lhe ia dizer. Este mandou-o sentar e sentou-se de frente na sua cadeira. Disse-lhe que chamou-o porque eles, CCS, tinham conhecimento de que eles na 2 Companhia se andavam a cortar não indo aos objetivos definidos para cada operação, para terem muita atenção e cumprirem as ordens como eram dadas; para ele em especial ter cuidado porque o médico era um PIDE informador que o queria foder. Para ele ter muita mas muita atenção ao que fazia; que ele, Major, tinha ido ao seu quarto mexer nas suas coisas e retirado os livros. Não lhe devolvia "Os Princípios Fundamentais da Filosofia" porque ainda o andava a ler e estudar mas para ter muito cuidado com os outros livros que lhe devolvia. De seguida mostrou-lhe o seu pequeno ginásio de peso e halteres, acompanhando-o até à saída da messe. Tomou o jipe e voltaram ele o condutor para o Mumbué, sendo que o condutor por várias vezes lhe perguntou se estava tudo bem. Era um condutor amigo que ele tinha conseguido livrar de prisão efetiva atrás das grades, pela forma como escreveu e reescreveu o “auto corpo delito” em que procurou dar a volta à verdade, a fim de amenizar a pena, porque presos já eles estavam naquele lugar rodeado de arame farpado. O condutor era o culpado do acidente com civis que resultou na incapacidade de uma rapariga. Na altura fez o que lhe pareceu ser o melhor para o jovem condutor que como ele viviam aquela prisão do arame farpado da guerra. Hoje voltaria a fazer o mesmo? Recusa-se a responder a si próprio, guardando a memória no fundo da gaveta. Ele era o alferes que na companhia também desempenhava funções para a Justiça Militar. Manteve-se calado durante os mais de 40 km que a sede do Batalhão distava do Mumbué. Chegou, arrumou de novo os livros no fundo da mala mas agora com cadeado, ligando o leitor de cassetes ouviu várias vezes "Trás Um Outro Amigo Também" do Zeca e "Pode alguém ser quem não é" do Sérgio. Depois cumpriu zelosamente as suas funções de oficial de dia, desde o arrear da bandeira nacional, à formatura do jantar e do recolher. Deitou-se na sua cama pensou em tudo o que o amigo Major lhe disse e dormiu. Faltava menos um dia para o fim daquela vida de preso em liberdade.

Se o pessoal da companhia já lhe chamavam de "chicalhão" pela disciplina que impunha, a partir desse dia passou a ser ainda mais rigoroso na disciplina militar e na defesa do seu grupo de combate.

O filho da puta do bufo médico um dia (domingo salvo erro) estava ausente do quartel de Comando sem autorização, um militar tem um acidente de carro vindo a falecer sem assistência. O sr. Major aproveitou e tratou logo de o mandar para o quinto dos infernos. Quando um dia estava na messe dos oficiais em Chitembo, o Major piscou-lhe o olho como que dizendo que daquele PIDE já nos livramos. Já os PIDES da Catota continuaram a segui-lo como o "alferes comunista" da 2ª Companhia, ficando-lhe com correspondência que o irmão e a namorada mais tarde mãe das suas filhas, lhe enviavam.

A UNITA na passagem de ano de 73 para 74, voltou a atacar diversos aquartelamentos. Voltaram os "senhores da guerra" a desenhar uma perseguição sem tréguas ao líder Savimbi, que vivia algures no mato dentro de Angola. Chamaram as tropas especiais, comandos, paraquedistas, fuzileiros e até os Katangas do Congo de Mobotu, incluindo também grupos de combate do Batalhão, três da 3ª Companhia, sendo um de GE's e outros 3 da 2ª Companhia, sendo também um de GE's. Grupos de combate reforçados para constituírem o número certo de equipas e soldados, 30 no total de cada grupo de combate. Saíram do Mumbué num domingo de Carnaval para em Silva Porto, embarcarem num comboio que os levou durante toda a noite para o Munhango, terra natal de Savimbi. Aí já os esperavam as viaturas dos Dragões de Cavalaria (tropa de cavalaria com cavalos puro sangue sul africano) que os levaram para o interior do que tinha sido a zona da UNITA onde, por motivos desconhecidos e secretos, a tropa portuguesa não operava até então. O capitão era da 3ª Companhia, um miliciano de cavalaria. Depois das duas primeiras saídas de três dias à volta da base tática, onde os da UNITA espreitavam os seus movimentos, seguiram-se operações de cinco dias. Nestas juntavam-se dois grupos com um de GE's. Como no grupo da 3ª companhia que saia com ele o Alferes estava de férias, era ele que comandava o total de 90 homens com os seus cinco furriéis, sendo 30 GE's que foram do Mumbué com eles. Depois da primeira operação de cinco dias soube que o capitão tinha mandado seguirem-no para se certificar que tinham atravessado o Rio Lungué-Bungo. Este rio é um afluente do Rio Zambeze sendo o rio que ao desaguar no Zambeze lhe dá caudal. Um rio de águas correntes e cristalinas, difícil de passar porque havia soldados que não sabiam nadar e não tinham pé, havendo que escolher um local pouco profundo mas mais perigoso por nele poder surgir uma emboscada dos homens da UNITA. Um rio sem jacarés pela corrente que apresentava. Nessa primeira operação em zona de contacto iminente, quando caminhavam a meio da tarde chegou-lhe a informação que no final da coluna havia quem não queria continuar a andar. Mandou parar a coluna e veio até junto dos soldados que não queriam continuar a andar por se sentirem cansados. O mais reivindicativo era o "Amendoim" que se tinha sentado e recusava-se a andar. Deu-lhe ordem para se levantar e quando o mesmo recusou, então ele meteu-lhe a bota no pescoço até a cara do soldado bater na terra. De imediato outros lhe apontaram a G3, solidários com o soldado "Amendoim". Olhou-os um a um, deu-lhes ordem para começarem a marcha, virou-se e foi para a frente da coluna em marcha. Tudo voltou ao normal da progressão atenta até encontrarem local com água para pernoitarem.

Antes de fazer a última operação de cinco dias, saiu o capitão com dois grupos comandados por alferes operações especiais, e grupo de GE's afeto à 3ª Companhia. Ao segundo dia de operação ouviram um tiro, o capitão torceu um pé e regressaram à base. Dias depois coube-lhe voltar com os seus 90 homens para mais cinco dias. Tinham-lhe destinado uma área na margem esquerda do Lungué-Bungo sendo que haveria na outra margem e em outra área a 42ª Companhia de Comandos.

Voltaram a atravessar o rio. Voltaram para a zona de contacto eminente onde era proibido fazer lume para aquecer as intragáveis rações de combate e onde até o fumar um cigarro estava condicionado. As culturas das lavras que as populações da UNITA tinham, estavam bem tratadas, aproveitando para comerem alguma mandioca ou outros legumes crus que iam encontrando. No segundo dia depois de terem palmilhado de novo alguns quilómetros começaram na busca de água porque a noite estava a chegar e os cantis estavam vazios. O guia estava um pouco desorientado com o encontrar um rio assinalado na carta topográfica. Era já noite quando encontramos local para reabastecer de água e acamparmos todos em linha e não em circulo como nos ensinavam, ficando pelo menos dois soldados de sentinela que se iam rendendo. Ainda a alvorada não tinha rompido quando os sentinelas os acordam em silêncio. Entre o chilrear da passarada ouviam perfeitamente ao longe o bater do pilão. Ordenou ao chefe dos GE´s que ficassem ali guardando os sacos mochilas dos soldados e partiram os dois grupos de combate apenas com as armas e munições. À medida que caminhavam o ouvir do bater do pilão era mais compassado mas mais perto. Na frente da coluna seguia o guia com a sua arma seguindo-se o soldado Teixeira, o Vila Real de alcunha e logo atrás ele como era sempre o seu hábito. Atrás de si todos em coluna com a distancia normal nestas situações. O pilão como que parou, mas o trilho com pegadas era recente. Quando já não se ouvia nem o pilão nem a passarada o guia parou e com a cabeça perguntou-lhe qual dos dois trilhos deveriam seguir, apontando-lhe ele com a cabeça para seguirem o da direita. Em boa hora o fez, mais à frente via-se à esquerda onde o outro trilho ia dar um aldeamento de cubatas e quando a coluna ficou mais junta começaram os disparos dos guerrilheiros da UNITA. Estavam debaixo de fogo na sua primeira experiência, todos deitados com o corpo colado ao chão, uns atrás das árvores com os furriéis a manda-los deitar e ficar quietos. Respondemos com alguns tiros de G3 enquanto o furriel que levava o morteiro 60 preparava o mesmo. Lançada a morteirada para o local de onde lhes parecia vir os tiros, lançou ele também o dilagrama que sempre levava na ponta da G3. Os guerrilheiros da UNITA ao sentirem o rebentamento do morteiro e da granada defensiva do dilagrama desataram a fugir como era o normal naquela guerra de guerrilha. Assim que os soldados se aperceberam que eles tinham fugido desataram a correr para dentro do aldeamento, arrombando portas e incendiando de imediato as cubatas. Se as cubatas estivessem armadilhadas quantos lá teriam ficado? Felizmente não estavam. A custo ele impôs de novo a ordem aos seus homens. Não foram atrás dos guerrilheiros, mas no estado de nervos em que se encontravam se os apanhassem não os iriam prender… para lhes perguntar se queriam receber um tiro na cabeça ali mesmo ou se queriam ser entregues e torturados pela PIDE? Na guerra faz-se o que não se imagina poder fazer antes de lá estar. Um pouco mais afastado estavam as casas dos guerrilheiros como era norma na disciplina da UNITA. Também essas foram incendiadas. No aldeamento da UNITA havia escola, igreja evangélica que também servia de tribunal entre eles. Ao ouvir as tristes notícias sobre a guerra da Ucrânia pensa que para aquela gente das notícias televisivas, ao incendiarem os aldeamentos da população da UNITA estariam também eles sujeitos a serem considerados criminosos de guerra. Ele que nunca foi criminoso. Regressados ao local onde os GE’s os aguardavam, mandou o soldado transmissões comunicar o sucedido ao comando na base tática. Da base recebeu ordens para avançar para novas coordenadas. Olhou com o guia o ponto das novas coordenadas. O guia franziu o sobrolho. Constava que semanas antes tropas especiais tinham sido rechaçadas pelos guerrilheiros da UNITA permitindo a fuga do líder, Savimbi. Deu ordem para poderem fazer lume e aquecer a ração de combate, porque referenciados já estavam. Puseram-se de novo em marcha a caminho das tais coordenadas. No final da manhã chegaram ao cimo de um morro de onde se avistava mata até perder de vista. Havia água perto e aí ficaram.

No regresso ao quarto dia, no quase final de tarde deparam-se com novo aldeamento mas este com população. Deu ordem para começaram a formar o cerco e ninguém atirava antes dele dar o tiro. Quando estavam a formar e sem se saber a razão um dos soldados GE’s deu um tiro. Tiro esse que permitiu à população pôr-se em fuga desordenada. No rescaldo apanharam uma velhota mais velha que o tempo com uma menina agarrada as suas pernas. Uma e outra apenas tinham uma pele de animal a tapar-lhes a parte genital. O guia falou com a velhota, lá se entendiam um pouco. A menina nem chorava tal era a cara de medo. Demos-lhes de comer das nossas rações. Não as algemamos, dormiram e vieram connosco para o acampamento, onde comeram da nossa comida até as viaturas do reabastecimento as levarem. Nunca quis saber o que lhes terá acontecido.

Já na primeira base tática que fez no Chinhomdze a dar apoio logístico à cavalaria dos Dragões de Silva Porto lhe entregaram um casal de guerrilheiros do MPLA que enquanto tiveram à sua guarda nunca os prendeu, comendo da mesma comida que eles. Depois ouviu uns zunzuns do que os pides da Catota lhes tinham feito aquando dos interrogatórios e apenas não se quer lembrar desses zunzuns.

Mesmo quando se vai para uma guerra sabendo que a mesma não é sua nem tem razão de existir, há regras que são como leis. A primeira, é que se tem de matar o outro, antes que o outro nos mate. A segunda, é que ao ouvir o segundo tiro nunca posso estar no mesmo sítio em que ouvi o primeiro. A terceira, e mais abrangente de todas, é que tenho que voltar vivo custe o que custar. Nesta terceira cabe tudo o que nunca se pensou ser capaz de fazer. Por isso não há guerras justas. Elas sempre acontecem por causas quantas vezes incompreensíveis e por culpas de dirigentes humanos ou muito pouco humanos. Em qualquer guerra quem mais sofre são os cidadãos inocentes e entre estes as crianças, os velhos e as mulheres. Não há volta a dar.

Esta guerra trouxe-lhe lembranças guardadas em gavetas que se abriram e que ele gostava que continuassem fechadas. Não são traumas de guerra que felizmente não tem, mas não é saudável recordar o tempo que lhe roubaram de vida e onde fez coisas que não pensava ser capaz de fazer.