segunda-feira, 25 de abril de 2022

22.04.24

O tempo que está vivendo cansa-o. Um cansaço diferente dos outros porque carrega com ele considerável dose de impotência.

O deserto por onde caminha na outra margem está mais árido, cheio de areias movediças de sentido único. Não, não é solidão, há muito que se habituou a ser solitário. É a vida que o rodeia, que lhe entra em casa mesmo com portas e janelas fechadas, querendo moldar-lhe o pensamento, alterar-lhe a visão do que vê para lá do que lhe dizem, das verdades absolutas difundidas que se recusa a aceitar sem contraditório, sem alternativa.

Por onde vai o seu país? Que futuro terão os seus netos, os seus vindouros? Sim que futuro terão as crianças deste país? São os seus pensamentos ao deitar, ao acordar e durante o tempo de vida que leva acordado. Estaremos a voltar a 1580? Como o Planeta roda sempre no mesmo sentido, o tempo não volta para trás. Então para onde nos levam os que governam agora em nome do povo? Que democracia existe quando se institui um só pensamento, único, verdadeiro, sem contraditório?

Nasceu em 1950, no tempo áureo do fascismo versão salazarista. Teve a sorte de nascer de pais que tudo sacrificaram no seu modo de vida, para que os dois rapazes nascidos no mesmo ano pudessem estudar. À sorte dos pais que o geraram e criaram, conheceu a sorte de, ao completar a segunda classe da escola primária pública sair de Lisboa e irem os quatro viverem para Ferrel e uns anos depois para o Lugar da Estrada. Cresceu na aldeia e na praia, longe da vida citadina. Cresceu livre de outras preocupações que não fosse o passar dos anos de estudo, respeitando e cumprindo a educação paramilitar que o pai Guarda Fiscal impunha. Foi assim que terminados os exames que todos os anos letivos o curso geral do comércio tinha, entrava nas férias grandes. Férias que tinham normalmente quase três meses de praia. Primeiro na praia do Baleal, onde aprendeu a nadar à cão, a saltar das rochas para a água até que um dia adoeceu, tendo sido curado por uma senhora de Ferrel. Senhora de alguma idade sempre vestida de preto, que lhe diagnosticou "bucho virado" e o tratou com as suas mesinhas e mãos. Acabaram-se os saltos de mergulho.

Quando aos doze anos conheceu a praia da Consolação aí aprendeu com o velho banheiro a conhecer o mar. Entre a praia grande de areia grossa e a praia de rochas do Porto Batel, cresceu e se fez homem. Ainda hoje é a Consolação e o Porto Batel os lugares que melhor o acalmam, onde a malvada ansiedade que algumas vezes se gruda nele, ali se desgruda ao visitar aqueles sítios, deixando-o mais leve, mais solto, menos pesado.

Aos nove anos, teve a sorte de o pai poder comprar um bicicleta (que lhe custou mais do que o ordenado mensal). De bicicleta sozinho, às vezes acompanhado com o irmão, fazia os 8km até à Escola Industrial e Comercial em Peniche. Quando passaram a viver no Lugar da Estrada a viagem tornou-se mais curta e mais plana. Nos 6km que tinha pela frente o pior era a força da nortada.

Na Escola em Peniche fez parte da então Mocidade Portuguesa. Por duas vezes participou, com o seu irmão, no acampamento nacional que a organização montava em Aljubarrota, nas férias da Páscoa, onde eles corriam à volta dos microfones da Emissora Nacional de braço direito estendido gritando "nós somos os melhores". Antes de terminarem o Curso Geral de Comércio, os manos, deixaram de participar na Mocidade Portuguesa.

Viviam em Ferrel quando a rádio noticiou o histerismo político de Salazar por os militares portugueses estacionados em Goa, Damão e Diu se terem rendido ao exército indiano, que invadiu aqueles territórios sob administração colonial portuguesa, em vez de lutarem até ao último homem ou seja para todos morrerem, desde o Governador até ao Soldado mais raso. Salazar, o bom fascista, sabia que as nossas forças militares ali estacionadas nada podiam fazer face ao poderio militar e humano do exército indiano, mas à boa maneira dos fascista preferia a morte dos seus cidadãos do que o salvar das suas vidas humanas. Tudo para glória e prazer, sua e dos seus correligionários. Enganou-se o velho ditador. Vingativo como era, afastou das Forças Armadas os militares de carreira que lá prestavam comissão de serviço.

Meses mais tarde a mesma rádio dá notícia do começo da guerra na joia da coroa que restava ao hipotético Império colonial português, Angola. Da varanda do seu palácio na cidade grande gritou o velho ditador à multidão que enchendo a praça o aplaudia entusiasticamente «Para Angola e em Força». Tinha ele nove anos. No primeiro contingente partiu um filho de Ferrel perante o choro e os ais da mãe, sua vizinha, da namorada, familiares e amigos.

Terminado o Curso Geral de Comércio voltaram os manos para a cidade grande a fim de poderem continuar a estudar no então ICL à Rua das Chagas. Quis o destino que voltassem a viver na rua onde nasceram, nos Olivais.

Nos estudos ia passando de ano, com um ou outro susto a inglês mas lá se foi safando sem reprovar nenhum ano.

Era estudante no ICL quando em 1969 ocorreram eleições para a Assembleia da República. Nesse ano de 1969, ele e o irmão diziam aos pais que iam estudar ou ao cinema e desviavam-se para para os comícios que a oposição ao regime ia conseguindo fazer. Entraram na política nesse ano de 1969, pelo lado da oposição, na defesa das liberdades de expressão e políticas, pelo fim do regime anacrónico que reinava o país com mão de ferro.

Nesse tempo de juventude, o regime apertava as malhas do «orgulhosamente só». À guerra em Angola, seguiu-se a guerra na Guiné e por fim em Moçambique. Três frentes de guerra na África longínqua. Para a propaganda governamental de pensamento e sentido único a guerra contra os inimigos da Pátria estava ganha, tais as baixas que o inimigo sofria pela ação heroica dos nossos militares.

Tinha ainda 20 anos quando se apresentou em Mafra no mês de Outubro para cumprir o serviço militar obrigatório. A guerra aos inimigos da Pátria no Ultramar longínquo estava ganha, diziam. Levava consigo sonhos e planos para o seu futuro. O tiro saiu-lhe pela culatra quando lhe deram a especialidade de 031atirador de infantaria. A sua vida como que ficou suspensa. Com a janela de desertor sempre aberta foi colocado no BC10 em Chaves, bem lá no norte transmontano. Estava ele oficiosamente como Adjunto do Oficial de Operações do BC10 quando saíram as mobilizações. Continuou por Chaves a fim de formar Batalhão com destino a Angola. Não desertou e foi consciente à guerra.

Ao terminar as semanas de formação como atirador de infantaria em Mafra, um amigo das noites e conversas fora do Calhau, sobrinho neto de Alves Redol, perguntou-lhe se no sábado seguinte não poderia estar às tantas horas nos Restauradores em frente ao bar onde se bebia o célebre pica-pau, que alguém iria ter com ele. No dia e à hora acordada lá estava, olhando ao seu redor até que viu chegar na sua direção um Tenente de Mafra vestido à paisana. Quando se cumprimentam com um aperto de mão o Tenente deixou-lhe algo na mão e continuou a andar sem parar. Ele, fechou a mão e sem olhar para trás nem para os lados dirigiu-se à paragem do autocarro 39 para Moscavide, que passava na Infante D. Henrique em Cabo Ruivo - Olivais. Sem tirar a mão do bolso, quando o 39 chegou, subiu para o primeiro andar e sentou-se de modo a poder observar quem entrava e subia. Tremia, mantendo a mão fechada sempre no bolso. Ao descer no sua paragem olhou para todos os lados procurando ver se havia alguém desconhecido ou suspeito. Com o passo apressado chegou e subiu ao oitavo andar onde viviam. Fechou-se no quarto que partilhava com o irmão, desdobrou o papelinho mistério e leu: - “convidavam-no a distribuir o jornal Avante onde fosse colocado como Aspirante”. Leu e releu. Falou depois com o irmão e deitou o papelinho na sanita. Esteve à porta do PC mas não entrou, nem deu resposta ao convite. Diga-se em abono da verdade que ninguém mais o procurou para saber da decisão ou do porquê.

Em Chaves criou novas amizades, novos conhecimentos. Reuniam-se à noite nas muralhas do antigo castelo para poderem falar mais à vontade do que nos cafés e bares da pequena cidade. As paredes tinham ouvidos e nunca se sabia quem estava na mesa ao lado. Dessas novas amizades fazia parte um furriel que era familiar próximo de um poeta oposicionista que tinha desertado da guerra em Angola e estava na Rádio Argel. Poeta muito conhecido como político no pós 25 de Abril. Fazia, porque ao chegarem as mobilizações esse amigo foi colocado num outro quartel para formar Batalhão com destino também a Angola. Reencontraram-se em Luanda quando ele chegou à cidade para a espera do embarque de regresso e o amigo estava prestes a regressar. Voltaram-se a encontrar quando ele visitou a primeira festa do Avante no Jamor e o amigo estava lá no stand do partido por Águeda. Não mais se encontraram.

Chegou ao local angolano destinado à sua Companhia de Caçadores no dia em que fez os seus 22 anos de idade. E, a guerra estava ganha, diziam os que governavam longe da guerra. Em Angola no início das terras do fim do mundo, foi o Major Segundo Comandante de Batalhão que o avisou e alertou para que o médico do Batalhão que prestava assistência à sua companhia era um pide que o queria foder. Felizmente o médico-pide meteu o pé na argola e o Major Segundo Comandante do Batalhão mandou-o de imediato para o quinto dos infernos. Para os pides estacionados na área da sua Companhia com um grupo de “flechas” ele continuava a ser o “alferes-comunista”. Soube passados muitos anos que quando após o 25 de Abril foram da Companhia apreender a documentação da pide que lá estavam como apreendidos aerogramas e cartas que o seu irmão e a futura mãe das suas filhas lhe escreviam.

No dia 16 de Março de 1974 aquando do levantamento das Caldas da Rainha, estava ele longe da Companhia, nas matas do Munhango, numa base tática em perseguição da UNITA. Souberam do acontecido ao ouvirem a notícia em ondas curtas numa das rádios dos inimigos. Sim, eles ouviam de forma recatada a rádio dos inimigos que segundo a sua propaganda as baixas que nos causavam garantia a vitória pela independência contra o branco colonizador. De ambos os lados funcionava a ação psicológica sempre escondendo a verdade.

No dia 25 de Abril já estava no quartel. O dia correu como muitos dos outros dias em que não tinham operações, dentro do arame farpado à espera que o tempo passasse, para cumprirem mais um dia de comissão. À noite, naquela quinta-feira passou por lá o homem que de quinze em quinze dias exibia uns filmes com a sua máquina de cinema. No final de mais uma sessão de cinema esperava-os o comerciante Pato (soube também mais tarde que o mesmo era informador da pide) para lhes comunicar que teria havido um golpe de estado no Puto. Quiseram saber quem seria(m) o(s) autor(es) ao que o comerciante Pato lhes disse que parecia que tinha sido um tal Kauza. Ele e os seus amigos olharam-se e já sozinhos disseram: - estamos fodidos, nunca mais saímos daqui.

Foi já na manhã do dia 26 que o pessoal das transmissões confirmou ter havido um golpe de estado no puto realizado por capitães. O futuro? Uma enorme interrogação!

Veio de férias ao Puto no mês de Maio. Embarcou em Luanda no dia 19 de Maio à noite. Reinava a alegria em todas as caras em todas as esquinas, as paredes tinham deixado de ter ouvidos. Deixando de lado as dúvidas sobre como seria o futuro dos que estavam em África em comissão de serviço, um das primeiras coisas que fez foi ir assistir a um comício do Partido Comunista no recinto do Olivais e Moscavide. Sentiu-se desiludido ao mesmo tempo sentiu que as coisas não iriam ser como pareciam. No comício, um destacado elemento do comité central chamava de reacionários os trabalhadores da Carris que tinham declarado fazer greve por melhores condições. Já o filho desse dirigente comunista tinha feito campanha para os militares não desertarem e irem à guerra; quando as mobilizações saíram foi dos primeiros a dar o salto. Caminhando a pé, no regresso, pela Infante D. Henrique, de certo modo desiludido com o comício, recordou-se da velha frase: - olha para o que eu digo e não para o que eu faço. Triste mas é verdade e quando se trata de políticos, nem se fala.

Foi esse um acontecimento que juntando a outros e aos muito comunicados que todas as organizações políticas emitiam diariamente quando não hora a hora que andou pelas franjas da UDP depois de regressar da guerra e de passar à disponibilidade. Quando um dia o convidaram para entrar, nem à porta chegou. Voltou a não entrar em partido político.

Em 1979 deixou de ter qualquer atividade política. Dez anos ensinaram-lhe e mostraram-lhe muita coisa. Tantas que ainda hoje conhece e se lembra do que foram muitos dos que hoje estão bens instalados no sistema que após um outro 25 se instalou na Democracia Portuguesa.

Corria o tempo do pós Cavaco quando esteve com um pé dentro do Partido Socialista, mas a tempo deu dois passos atrás e voltou a não entrar em partido político.

É demasiado indisciplinado e exigente ideologicamente para se enquadrar em qualquer organização política de subordinação unânime ao chefe. Nem tudo na vida o exercício do poder justifica. Há valores que devem ser atualizados mas nunca deitados no caixote do lixo como têm sido ao longo dos últimos anos. Depois, cansado e farto do «politicamente correto» passou a caminhar na outra margem da vida. Sente-se bem consigo próprio, com as suas opções políticas, considerando-se uma ovelha ranhosa tresmalhada do rebanho da maioria. É livre de olhar e pensar as coisas que com o passar do tempo a cada dia são menos coincidentes com o politicamente correto vigente. «O rei vai nu» mas são poucos os que assim pensam e veem.

É pela Paz, pelo Dialogo, contra qualquer guerra. Não foi desertor, foi à guerra mas isso não fez dele um amante da guerra, antes pelo contrário. Nem dos jogos modernos de guerra nas novas tecnologias ele gosta.

Na guerra da Ucrânia não tem dúvidas. As forças armadas russas invadiram a Ucrânia e a partir do primeiro momento a guerra tornou-se num inferno para o povo ucraniano e russo que lá vivia e vive. Putin é um político da pior espécie um filho da puta. O ucraniano Zelinsky é um comediante da pior espécie, um outro filho da puta. A diferença entre eles tende para zero. É sua opinião que com o avançar da catástrofe se vai cimentando em si.

Em todas as guerras há causas, há antecedentes que naquela guerra também devem ser analisados. Daí, o recusar linearmente o pensamento único vigente no seu país sobre o «mau» causador e o «bom» mártir. Causadores são os dois. Mártires são os ucranianos e os russos anónimos que não foram ouvidos e sofrem as atrocidades da guerra fratricida sem fim à vista.

Em 1956 quando se dá a revolução cubana e Fidel Castro passa a ser o seu dirigente máximo em Cuba com o apoio da então União Soviética, acordaram os dois países independentes de colocarem em Cuba misseis de longo alcance de fabrico soviético. J. Kennedy, presidente americano, ao tomar conhecimento de tal operação ordenou de imediato o cerco à Ilha de Cuba. O Planeta esteve à beira duma guerra nuclear. Os políticos e seus conselheiros de um lado e do outro reuniram-se secretamente e acordaram que nem os russos colocavam tais misseis em Cuba, nem os americanos iriam colocar armamento de longo alcance junto à fronteira do Pacto de Varsóvia. Saíram os dois com suas vitórias. E, o Planeta viveu muitos anos de guerra fria em Paz.

Quando em 1990 se dá o esboroar político do falhanço URSS, de novo americanos e russos acordam, que a NATO não iria colocar armamento bélico de longo alcance junto da fronteira da Rússia ou Federação Russa.

Nos primeiros anos em que Putin tomou o poder na Rússia, este chegou a solicitar a sua adesão à NATO. Adesão que não se concretizou na altura porque? Quem é que dentro da organização NATO inviabilizou esse pedido de adesão? Tão amigos que eles pareciam ser.

Há acordos internacionais entre nações que se sobrepõem e condicionam determinadas escolhas e vontades nacionais, por forma a evitar os terríveis conflitos armados que a tecnologia potenciou. Infelizmente estamos assistindo apenas à introdução do que poderá ser uma guerra entre blocos poderosos.

Apenas e só agora, mas mais vale tarde que nunca, uma alta personalidade deste Planeta, de seu nome António Guterres, deu um passo em busca da almejada Paz. Que as suas viagens tenham todo o sucesso com vista ao estabelecimento da desejada Paz, por forma a que a moldagem e formatação de «pensamento único verdadeiro sem contraditório» que políticos e comunicação social subserviente aos poderosos senhores da industria do armamento, termine de vez e volte a contraditório a ser regra democrática, pois Democracia sem contraditório acaba por ser tudo menos Democracia.

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