Na vida
tudo muda, tudo cambia como diz a velha canção sul americana, assim
como um dia lá atrás no tempo dos gloriosos descobrimentos
marítimos escreveu o nosso maior poeta, Luís Vaz de Camões,
«mudam-se os tempos, mudam-se as vontades, todo o mundo é feito de
mudança».
Há
muitos anos neste mesmo dia 25 de Abril era um jovem sem direito a
pensar no seu futuro, um jovem sem outro objetivo que não fosse o de
sobreviver juntamente com os seus homens naquela guerra sem sentido
nem futuro. Sobreviver era o único objetivo imediato, custasse o que
custasse. Dentro do arame farpado ou fora dele, a primeira e única
regra para sobreviverem era a de que tinham que matar o outro ser
humano considerado como inimigo antes que este os matasse. Era o
primeiro e mais importante conceito da vida que levavam para que um
dia, sempre sonhado às escondidas não fossem os esbirros da PIDE
ouvirem o sonho, poderem voltar para as suas terras, para as suas
famílias. Nesse dia 25 de Abril de 1974 a vida correu normalmente
dentro do arame farpado, cumprindo-se os procedimentos militares
normais, por mera casualidade estavam todos, nenhum grupo de combate
estava fora em operação.
Apenas
no dia 26 de Abril, pelos homens das transmissões, tomaram
conhecimento efetivo de que tinha ocorrido no “Puto” um golpe
militar. Tudo o resto era uma incógnita para as suas vidas. Nada
sabiam e pouco compreendiam, já que não conheciam nenhum dos
militares obreiros do vitorioso dia. Costa Gomes e Spínola eram
nomes conhecidos pelos cargos que ocupavam na hierarquia militar,
todos os outros eram incógnitas. Há vontade de sobrevivência
juntou-se a ansiedade de saber o que os novos senhores propunham para
aquele território de Angola em guerra há treze anos, e, a
necessidade de mais do que anteriormente manter a disciplina militar
dentro e fora do arame farpado. Na sua companhia eram todos
milicianos exceto dois, o primeiro e segundo sargento.
O
rádio Crown com ondas curtas ia dando a conhecer a alegria que no
“Puto” se vivia com o país em festa pelo fim da nova longa noite
negra, mantendo-se o futuro deles numa incógnita igual ao que tinham
antes do dia 25. Sentiram a mudança de opinião dos oficiais
superiores que comandavam o Batalhão, a 26 de Abril deixaram a
defesa imperiosa dos bons costumes e públicas virtudes do regime, e,
já eram todos amantes da democracia, exceção era o Segundo
Comandante Major Nolasco, que defensor da disciplina militar era já
antes desse dia um crítico consciente da hipocrisia reinante no
Estado Novo.
A
organização fascista da PIDE mantinha em Angola todas as suas
estruturas, protegida pela Junta de Salvação Nacional, entretanto
nomeada no “Puto”. Também os falsos agentes daquela organização
fascistas que na Catota o tinham catalogado de "comunista"
se diziam defenderem a democracia em posteriores reuniões que
ocorreram na sede do Batalhão e onde ele tinha sido eleito para
nessas reuniões representar a sua Companhia. O tempo passava,
novidades sobre o futuro das suas vidas de militares milicianos
continuava no segredo dos deuses.
Lá
longe nas quase terras do fim do mundo, tinham conhecimento que com a
Liberdade instituída no “Puto”, havia constantes manifestações
de jovens que se auto proclamavam de revolucionários marxistas
leninistas maoistas, saídos da pequena e média burguesia, sob uma
bandeira com a sigla MRPP, que defendiam ruidosamente "não mais
um soldado para as colónias". Eram uns valentões esses
burgueses revolucionários.
Que
lhes reservavam os senhores que mantinham viva a guerra em Angola?
Dia
a dia mais difícil se tornava manter a ordem e a disciplina militar.
A
UNITA foi a primeira organização a estabelecer um acordo de paz com
as autoridades militares em Luanda. Fruto desse acordo foi nomeado
para não só acompanhar como transportar nas viaturas militares um
grupo da UNITA comandado por um seu capitão. Percorreram todos os
aldeamentos (quimbos) da área de atuação da sua companhia. Ele e
os seus soldados, onde pontificava um cabo totalmente estrábico cuja
família era conhecida como simpatizante militante do MPLA, puderam
constatar a alegria da festa contagiante das populações ao ouvirem
os discursos dos homens da UNITA. Um total contraste com que durante
ano e meio de ação psicológica os recebiam quando os visitavam em
operação. De tal modo foi o contraste que naqueles dias em que
acompanhou os homens guerrilheiros da UNITA se viu com um rebanho de
cabritos que as populações lhe ofereceram como forma de mostrar a
alegria e a gratidão por acompanhar e transportar guerrilheiros das
suas gentes até à pouco perseguidos pelas tropas do “Puto”.
No
dia 26 de Abril guerrilheiros da UNITA tinham atacado um dos
aldeamentos de ação da companhia.
Antes
de receberem ordem para regressar ao “Puto” ainda foram para a
fronteira Norte Angola em Maquela do Zombo, conhecendo uma outra
Angola muito diferente da que tinham conhecido lá no leste.
No
final de Novembro, dia 29, desembarcaram no mesmo local que quase
dois anos antes os tinha visto partir numa noite fria de Dezembro,
ainda a tempo de poderem saborear a festa popular em que o país
vivia sem medo, sem bufos, onde o sonho era a própria fronteira e a
utopia a sua companhia.
Passado
um ano menos quatro dias, num outro 25, não primaveril, chegou a
"Nova Ordem Democrática" e com ela o fim da festa popular,
os sonhos voltaram a ser aconselhados a serem guardados, o país
tinha que entrar na ordem pois assim tinham decidido as então duas
potências, URSS e EUA em Vladivostok, estando já em Portugal como
embaixador o ex diretor da Cia com a experiência necessária pela
participação no golpe fascista de 11 de Setembro de 1973 que
derrubou e matou o presidente eleito do Chile, Salvador Allende.
Hoje
os civis a quem os militares apoiantes da "Nova Ordem
Democrática" entregaram de mão beijada os destinos do país
celebram a data gloriosa do 25 de Abril de 1974, sem festa popular,
escudados e protegidos no palácio da Assembleia.
À
festa popular sobrepõem-se discursos políticos fechados no palácio,
cada ano que passa mais longe dos ideários que a 25 de Abril os
militares revoltosos ofereceram ao país, democracia, desenvolvimento
e acabar com as desigualdades.
A
democracia vive numa anemia crónica, ameaçada constantemente pelos
saudosos da ordem e disciplina do Estado Novo em aliança estreita
com os neoliberais das políticas económicas e conservadores
ortodoxos do "Deus Pátria e Família".
O
desenvolvimento prometido foi trocado por políticos governantes com
a subordinação da nossa independência económica ao poder em
Bruxelas que não é eleito por sufrágio universal europeu mas
apoiado e obediente à vontade exterior à própria Europa, e, tudo
isso a troco de muito dinheiro para o mesmo se sublimar satisfazendo
lobis, clientelas e amigos com obras megalómanas, em off shores e
umas migalhas restantes para a manutenção da ideia de Estado
Social, com os cidadãos a viverem uma vida artificial graças ao
endividamento público do país.
Se
o desenvolvimento económico falhou as desigualdades agravaram-se,
sendo hoje muito maiores do que alguma vez o foram em democracia.
Hoje
dizemos "25 de Abril Sempre! Fascismo nunca mais!!" mas, os
novos agentes do fascismo já estão sentados no palácio da
Assembleia, de nada servindo discutir com acusações de quem lhes
facilitou a chegada aquela que alguns designam pela casa da
democracia.
O
mundo é composto de mudança escreveu um dia o poeta, pelo que,
mudam-se os tempos mudam-se as vontades, com os novos adeptos do
fascismo a terem a tarefa facilitada pela aplicação de políticas
sociais economicistas desajustadas e injustas para o comum do
cidadão, às quais os órgãos de comunicação social vigentes com
os seus servos obedientes juntam horas a fio a “serrarem presunto”
com presumíveis e casos de corrupção que cirurgicamente os "novos
justiceiros" do ministério público passam para os amigos
nesses mesmos órgãos de comunicação social, com o objetivo não
só de desgastar a imagem dos fracos governantes, e com isso fazerem
crer que todo o descontentamento existente é obra da Democracia,
consequência do glorioso 25 de Abril de 1974, dos valentes capitães
de Abril que arriscando a própria vida mudaram a agulha da vida
deste Portugal que já foi Condado, Nação, que lutou em guerras
pela sua independência, que com o saber nacional nos descobrimentos
deu novos mundos ao mundo, que sofreu quase três séculos a ditadura
religiosa da Inquisição, que virou República vivendo de novo uma
noite negra de quarenta e oito anos para na madrugada de 25 de Abril
de 1974 pacificamente ser uma Democracia de pleno direito.