segunda-feira, 8 de maio de 2023

25.04.23

Na vida tudo muda, tudo cambia como diz a velha canção sul americana, assim como um dia lá atrás no tempo dos gloriosos descobrimentos marítimos escreveu o nosso maior poeta, Luís Vaz de Camões, «mudam-se os tempos, mudam-se as vontades, todo o mundo é feito de mudança».

Há muitos anos neste mesmo dia 25 de Abril era um jovem sem direito a pensar no seu futuro, um jovem sem outro objetivo que não fosse o de sobreviver juntamente com os seus homens naquela guerra sem sentido nem futuro. Sobreviver era o único objetivo imediato, custasse o que custasse. Dentro do arame farpado ou fora dele, a primeira e única regra para sobreviverem era a de que tinham que matar o outro ser humano considerado como inimigo antes que este os matasse. Era o primeiro e mais importante conceito da vida que levavam para que um dia, sempre sonhado às escondidas não fossem os esbirros da PIDE ouvirem o sonho, poderem voltar para as suas terras, para as suas famílias. Nesse dia 25 de Abril de 1974 a vida correu normalmente dentro do arame farpado, cumprindo-se os procedimentos militares normais, por mera casualidade estavam todos, nenhum grupo de combate estava fora em operação.

Apenas no dia 26 de Abril, pelos homens das transmissões, tomaram conhecimento efetivo de que tinha ocorrido no “Puto” um golpe militar. Tudo o resto era uma incógnita para as suas vidas. Nada sabiam e pouco compreendiam, já que não conheciam nenhum dos militares obreiros do vitorioso dia. Costa Gomes e Spínola eram nomes conhecidos pelos cargos que ocupavam na hierarquia militar, todos os outros eram incógnitas. Há vontade de sobrevivência juntou-se a ansiedade de saber o que os novos senhores propunham para aquele território de Angola em guerra há treze anos, e, a necessidade de mais do que anteriormente manter a disciplina militar dentro e fora do arame farpado. Na sua companhia eram todos milicianos exceto dois, o primeiro e segundo sargento.

O rádio Crown com ondas curtas ia dando a conhecer a alegria que no “Puto” se vivia com o país em festa pelo fim da nova longa noite negra, mantendo-se o futuro deles numa incógnita igual ao que tinham antes do dia 25. Sentiram a mudança de opinião dos oficiais superiores que comandavam o Batalhão, a 26 de Abril deixaram a defesa imperiosa dos bons costumes e públicas virtudes do regime, e, já eram todos amantes da democracia, exceção era o Segundo Comandante Major Nolasco, que defensor da disciplina militar era já antes desse dia um crítico consciente da hipocrisia reinante no Estado Novo.

A organização fascista da PIDE mantinha em Angola todas as suas estruturas, protegida pela Junta de Salvação Nacional, entretanto nomeada no “Puto”. Também os falsos agentes daquela organização fascistas que na Catota o tinham catalogado de "comunista" se diziam defenderem a democracia em posteriores reuniões que ocorreram na sede do Batalhão e onde ele tinha sido eleito para nessas reuniões representar a sua Companhia. O tempo passava, novidades sobre o futuro das suas vidas de militares milicianos continuava no segredo dos deuses.

Lá longe nas quase terras do fim do mundo, tinham conhecimento que com a Liberdade instituída no “Puto”, havia constantes manifestações de jovens que se auto proclamavam de revolucionários marxistas leninistas maoistas, saídos da pequena e média burguesia, sob uma bandeira com a sigla MRPP, que defendiam ruidosamente "não mais um soldado para as colónias". Eram uns valentões esses burgueses revolucionários.

Que lhes reservavam os senhores que mantinham viva a guerra em Angola?

Dia a dia mais difícil se tornava manter a ordem e a disciplina militar.

A UNITA foi a primeira organização a estabelecer um acordo de paz com as autoridades militares em Luanda. Fruto desse acordo foi nomeado para não só acompanhar como transportar nas viaturas militares um grupo da UNITA comandado por um seu capitão. Percorreram todos os aldeamentos (quimbos) da área de atuação da sua companhia. Ele e os seus soldados, onde pontificava um cabo totalmente estrábico cuja família era conhecida como simpatizante militante do MPLA, puderam constatar a alegria da festa contagiante das populações ao ouvirem os discursos dos homens da UNITA. Um total contraste com que durante ano e meio de ação psicológica os recebiam quando os visitavam em operação. De tal modo foi o contraste que naqueles dias em que acompanhou os homens guerrilheiros da UNITA se viu com um rebanho de cabritos que as populações lhe ofereceram como forma de mostrar a alegria e a gratidão por acompanhar e transportar guerrilheiros das suas gentes até à pouco perseguidos pelas tropas do “Puto”.

No dia 26 de Abril guerrilheiros da UNITA tinham atacado um dos aldeamentos de ação da companhia.

Antes de receberem ordem para regressar ao “Puto” ainda foram para a fronteira Norte Angola em Maquela do Zombo, conhecendo uma outra Angola muito diferente da que tinham conhecido lá no leste.

No final de Novembro, dia 29, desembarcaram no mesmo local que quase dois anos antes os tinha visto partir numa noite fria de Dezembro, ainda a tempo de poderem saborear a festa popular em que o país vivia sem medo, sem bufos, onde o sonho era a própria fronteira e a utopia a sua companhia.

Passado um ano menos quatro dias, num outro 25, não primaveril, chegou a "Nova Ordem Democrática" e com ela o fim da festa popular, os sonhos voltaram a ser aconselhados a serem guardados, o país tinha que entrar na ordem pois assim tinham decidido as então duas potências, URSS e EUA em Vladivostok, estando já em Portugal como embaixador o ex diretor da Cia com a experiência necessária pela participação no golpe fascista de 11 de Setembro de 1973 que derrubou e matou o presidente eleito do Chile, Salvador Allende.

Hoje os civis a quem os militares apoiantes da "Nova Ordem Democrática" entregaram de mão beijada os destinos do país celebram a data gloriosa do 25 de Abril de 1974, sem festa popular, escudados e protegidos no palácio da Assembleia.

À festa popular sobrepõem-se discursos políticos fechados no palácio, cada ano que passa mais longe dos ideários que a 25 de Abril os militares revoltosos ofereceram ao país, democracia, desenvolvimento e acabar com as desigualdades.

A democracia vive numa anemia crónica, ameaçada constantemente pelos saudosos da ordem e disciplina do Estado Novo em aliança estreita com os neoliberais das políticas económicas e conservadores ortodoxos do "Deus Pátria e Família".

O desenvolvimento prometido foi trocado por políticos governantes com a subordinação da nossa independência económica ao poder em Bruxelas que não é eleito por sufrágio universal europeu mas apoiado e obediente à vontade exterior à própria Europa, e, tudo isso a troco de muito dinheiro para o mesmo se sublimar satisfazendo lobis, clientelas e amigos com obras megalómanas, em off shores e umas migalhas restantes para a manutenção da ideia de Estado Social, com os cidadãos a viverem uma vida artificial graças ao endividamento público do país.

Se o desenvolvimento económico falhou as desigualdades agravaram-se, sendo hoje muito maiores do que alguma vez o foram em democracia.

Hoje dizemos "25 de Abril Sempre! Fascismo nunca mais!!" mas, os novos agentes do fascismo já estão sentados no palácio da Assembleia, de nada servindo discutir com acusações de quem lhes facilitou a chegada aquela que alguns designam pela casa da democracia.

O mundo é composto de mudança escreveu um dia o poeta, pelo que, mudam-se os tempos mudam-se as vontades, com os novos adeptos do fascismo a terem a tarefa facilitada pela aplicação de políticas sociais economicistas desajustadas e injustas para o comum do cidadão, às quais os órgãos de comunicação social vigentes com os seus servos obedientes juntam horas a fio a “serrarem presunto” com presumíveis e casos de corrupção que cirurgicamente os "novos justiceiros" do ministério público passam para os amigos nesses mesmos órgãos de comunicação social, com o objetivo não só de desgastar a imagem dos fracos governantes, e com isso fazerem crer que todo o descontentamento existente é obra da Democracia, consequência do glorioso 25 de Abril de 1974, dos valentes capitães de Abril que arriscando a própria vida mudaram a agulha da vida deste Portugal que já foi Condado, Nação, que lutou em guerras pela sua independência, que com o saber nacional nos descobrimentos deu novos mundos ao mundo, que sofreu quase três séculos a ditadura religiosa da Inquisição, que virou República vivendo de novo uma noite negra de quarenta e oito anos para na madrugada de 25 de Abril de 1974 pacificamente ser uma Democracia de pleno direito.

 

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