terça-feira, 27 de dezembro de 2022

22.07.25

Passa o tempo a ler. Televisão apenas a abre para ver a volta à França que já terminou e o campeonato europeu de futebol feminino que está quase a terminar. Não sente necessidade de ver e ouvir, o que os muitos canais transmitem. Anda divorciado do mundo das notícias do pensamento único televisivo. Olha as capas dos jornais e não sente necessidade de os ler. Pouco a pouco foi-se afastando do chamado mundo normal, tresmalhou-se com consciência dos trilhos e veredas que caminha na outra margem da vida.

A pequena loucura não o abandonou e a cada manhã se faz presente. No cimo da duna frente ao universo grandioso de mar e céu, olha a linha do horizonte onde os azuis e por vezes os azuis-cinzentos se fundem, numa só linha. Ali sente-se pequenino, guardando a imagem nas suas caixinhas de memória, para com ela ter depois os seus momentos de meditação. Já não se imagina acompanhado, mas ao olhar ao fundo à sua direita lá está a foto, que ultimamente chegou para acompanhar a imagem da ausência sorrindo; ausência que há muito o acompanha silenciosamente. Para esta sua loucura não há medicação química que o possa ajudar. Sabe que a solução não depende dele, mas está dependente da sua própria vontade em vencer os seus medos, os seus receios, a sua crónica timidez. É uma luta surda que trava consigo mesmo.

Hoje a maré já lhe permitia andar na areia molhada. Era a hora da baixa mar quando lá chegou. O vento que não sendo forte era fresco de um quase frio, desaconselhando-o a fazer a caminhada que tinha pensado. Voltou-se para o lado do Forte, dando alguma liberdade à sua amiga. As muitas gaivotas que no areal aguardam por algum lixo que os humanos abandonem no areal ao final do dia, assustaram-se com a Sacha que ainda pensa que tem asas para poder voar atrás delas.

A Sul do Forte, na designada praia das rochas, já um casal de idosos bem idosos procurava o seu lugar, para com fé aguardar a chegada dos raios solares.

A fé, dizem que move montanhas, mas por aquelas rochas a fé e os raios solares ajudam a suportar melhor as várias mazelas reumáticas que a vida trouxe a cada um, quando o Outono anuncia a chegada dos frios húmidos do Inverno.

Há quem tenha vindo para cá de cadeira de rodas, depois de ter percorrido vários médicos especialistas, vários curandeiros famosos, muitas promessas à Senhora de Fátima, e, como último recurso da fé quase perdida, duma esperança quase perdida, vieram e alugaram uma casa. Ao fim de um mês naquelas rochas sentiram melhoras. Resolveram ficar mais tempo para poderem continuar os banhos de Sol naquelas rochas. Um tempo milagroso que depois de quase perdida a esperança, levantou-se da cadeira de rodas e voltou a andar com uma bengala é certo, mas andando pelos seus pés. Cedeu as propriedades aos filhos, que dos vários Mercedes já se tinha desfeito deles, quando se viu numa cadeira de rodas. Se até a vinda como última tentativa de poder melhorar um pouco a sua saúde, não conhecia a Consolação, ao entregar as propriedades aos filhos, comprou um andar e passou a viver todo o tempo na Consolação. No dia em que o senhor lhe contava a sua história, viu como os seus olhos brilharam quando disse que até comprou um Datson novo. Outras histórias ele conheceu e conhece de pessoas que aqui chegaram quase inúteis e de cá saíram com a fé redobrada e a esperança em alta.

É, talvez por isso, que depois de nos finais dos anos setenta do século passado, a televisão ainda a preto e branco, ter noticiado que por esta costa a sul do Forte da Consolação até Paimogo, os raios solares infravermelhos chegam com uma intensidade anormal, que só em determinada costa do Japão se verifica idêntica intensidade. Talvez por isso, esta praia passou a ser a praia dos avós e dos netos. Nos meses de Julho e Agosto a percentagem de idosos que a frequentam é muito, mas muito elevada. Só o aumento dos vizinhos Espanhóis que vêm em busca do mar onde o calor seja um calor tépido, que calor abrasador conhecem eles bem, contraria o movimento dos avós portugueses.

No Japão, na costa idêntica à da Consolação, foi desenvolvido um programa de medicina natural com várias clínicas, para aproveitamento das condições únicas que a Natureza naquela costa lhes dá. Por cá, nem sequer existem placares que aconselhem as pessoas que nas pedras buscam a cura milagrosa que chega dos raios solares, quanto mais a criação de condições condignas para a sua utilização. Ouviu uns zunzuns de que alguém pensou fazer alguma coisa, idêntica aos japoneses, nesta costa. Logo se levantaram as vozes dos muitos velhos do Restelo contra, que a costa era nossa, que tinham direito a usufruir das rochas. Mas estas vozes, embora ruidosas, não constituíam entrave a quem quiser auscultar a hipótese de pôr cá criar uma clínica de medicina natural. Pior, muito pior e inibidora é a legislação que, contraria a de vários países do designado falaciosamente primeiro mundo; uma legislação que apenas subsidia a medicina convencional a mando e a reboque de uma ordem corporativa castradora em conivência com a industria químico-farmaceutica. Situação à qual se juntam vários organismos de vários ministérios a dar pareceres técnicos, quantas vezes em função do nome com que o proponente se apresenta. Gente técnica que raramente, conhecem com conhecimento de causa, as situações sobre as quais se pronunciam, sustentando os seus relatórios com as resmas amontoadas de leis, decretos, portarias e pareceres sem esquecer os acentos proferidos pela Justiça e também no Google.

A costa de arribas instáveis mantém-se confiando muito mais nas alterações climatéricas que a Natureza, desde a formação do Planeta sempre sofreu, do que na boa vontade dos humanos que sobre ela detém poderes usufrutuários. 



 

22.07.22

Deitar cedo e cedo erguer dá saúde e faz crescer. Mas, crescer já não cresce. Tão pouco sabe se dará saúde esta sua forma de vida. Dorme entre as cinco e seis horas, por noite. Deixando-se dormir cedo, entre as onze e as onze e meia, o seu organismo dá sinal, ainda a manhã se anuncia numa claridade ténue. Hábitos que criou e vêm de muito longe. A noite nunca o entusiasmou. A alvorada, o clarear do novo dia sim, sempre gostou de ver com olhos de sentir o abraço cúmplice que a noite dá ao novo amanhecer. Também gosta do abraço que no final, o dia dá de boas vindas à sua conhecida noite. São cúmplices e amigos inseparáveis. Como não tem qualquer dificuldade em dormir, faz as suas sestas diárias facilmente. Dorme em qualquer sítio, mas nada é tão bom como a sua cama.

Veio passar uns dias à Praia da Consolação, a sua praia de juventude. Será Lua Nova no próximo dia 28. Hoje a maré ainda não lhe permite caminhar pela areia molhada plana. Caminhar na areia com inclinação não faz bem à coluna, prefere outros caminhos.

24.07.22

Foram em direção ao Porto Batel. No cimo da arriba olhou a sua outra praia de juventude, e, onde um dia parte das suas cinzas serão entregues clandestinamente ao mar, num dia de mar chão, na vazante para que possam ser embaladas para a profundeza do mesmo.

As autoridades colocam avisos de "arribas instáveis" e lavam as suas mãos preventivamente a algum acidente que possa ocorrer, quando os amantes da natureza e do surf, que ali também se pratica, colocam as suas viaturas mesmo à beira da arriba.

Sente-se triste e deixa a gaveta da revolta abrir-se. A Sacha assusta-se com o seu grito de revolta. Um lugar, quase único, está abandonado às intempéries da chuva e do vento. Não há dinheiro dirão. Mas há tantos milhões de euros esbanjados com os vampiros do setor financeiro, tantos milhões dados ao turismo em praias onde colocam toneladas de areia para o mar as levar de novo. Tantos € desperdiçados e ninguém com poder de decisão olha a beleza desta costa. Já todos os partidos políticos e movimento independente de cidadãos, passaram pelo executivo municipal, mas quem manda e gere tem sempre outros objetivos, outras prioridades. Prioridades que não alteram a agulha económica do Município que ano a ano vai, à vista desarmada, morrendo lentamente dentro das suas muralhas. Salva-se pela horticultura das suas terras circundantes, mas também elas dependentes e indefesas perante as políticas agressivas, quando não assassinas sobre o pequeno agricultor, praticadas pelas cadeias da distribuição moderna nas barbas das autoridades da concorrência. Setor da distribuição dominado por três ou quatro cadeias de hipermercados e supermercados, que estrangulam os agricultores a montante para depois a jusante esfolarem os consumidores com as suas margens especulativas e de lucro sempre crescente, seja nas grandes ou pequenas cidades, seja nas vilas ou freguesias, a sua rede já se estende por todo o lado. A famosa concorrência do sistema é mais uma falácia. Simplesmente não há concorrência verdadeira na nossa pobre economia.

Seguiram a caminhada pelo caminho de terra que tantas vezes o fez na sua bicicleta. Onde há cinquenta anos ainda existiam pequenas vinhas, estão agora todos os terrenos dedicados essencialmente à horticultura, a tal bóia de salvação na economia municipal.

Terras barrentas onde felizmente não falta água para a sua exploração. A água sempre a água como um bem de inigualável valor na vida de sobrevivência das comunidades.


Neste sábado lá o convenceram a ir à praia, ou seja, ir passar a tarde no areal. Depois de almoçarem, foram em busca de um lugar para estacionar a viatura no Baleal. Ele duvidava que tal fosse possível num sábado de sol. As suas dúvidas confirmaram-se, a Nossa Senhora da Vaga não os acompanhou neste desejo. Não encontrando sítio para estacionar a viatura, deram meia volta resolvendo ir até à praia não vigiada do Casal Moinho. Atravessaram as dunas e já no areal estacionaram num cabeço de areia mesmo à beira mar. O mar estava na baixa mar. Colocados os chapéus de sol, sentou-se à sombra. Olhava os vizinhos e vizinhas expostos à torreira do Sol em busca do bronze. Por fim, lá se decidiu tirar a camiseta. Colocou uma carrada de creme, sem se importar com o prazo de validade do mesmo, num sinal da perna que o incomoda. Olhando a grandiosidade do mar concluía que, sem dúvida, aquela vida já não era para ele. Se tivesse ficado em casa a ler os seus livros, teria feito melhor, mas não quis ser desmancha prazeres e ali estava sentado à sombra feito não sabe bem o que. Nos seus quase setenta e dois anos já apanhou Sol que chegue para o tempo que terá a oportunidade de viver. Que os seus dias sejam curtos para serem muitos, intercalados com dias longos para que possa ir vivendo e aprendendo com a velhice, é um dos seus desejos, mais do que se preocupar com a sua imagem.

A determinada altura pelo incómodo de estar sentado já sem posição, decidiram ir molhar os pés, tomar a temperatura da água. Disseram-lhe que os da televisão tinham anunciado para a costa uma temperatura de 20 graus. Duvidou, mas como não acredita na maior parte do que os papagaios televisivos anunciam, calou-se. Claro que a água não estava a 20 graus, mas também não estava má. Depois de almoçar, de ter ficado sentado à sombra um bom bocado, bastou molhar os pés para o sistema lhe comunicar a necessidade urgente de fazer o xixi da ordem. Avançou até as ondas lhe baterem pela cintura. A água pode ser fria mas é tão transparente que olhava o fundo e via os seus pés na areia. Esteve quase a mergulhar mas eu uníssono os ossos e as cartilagens logo lhe apresentaram uma petição privada para não o fazer. Achou por bem estar de acordo e a custo saiu da água. Apetecia-lhe mesmo dar umas braçadas naquela água tão transparente. Há vários anos que não o faz, mas a prudência foi mais forte felizmente para as suas artroses. Num instante o calção de banho secou. Sentou-se de novo à sombra na areia. Ao fundo, olhava a praia da Consolação, pobre urbanisticamente, rica de iodo de ares fortes, rodeada por um mar que é diferente de outros mares em outras praias. No cimo da arriba lá está o Forte que leva anos de restauração para um projeto de duvidosa afirmação futura. É o seu pensamento desde que há cinco ou seis anos assistiu à celebração do contrato entre o Município e os vários organismos do Estado que têm direitos de decisão sobre a propriedade do mesmo. Se D. João IV, que o mandou construir para defesa da costa, voltasse do além e visse a confusão dos organismos do Estado atual, que tem direitos sobre o seu Forte, mandava-se de imediato ao mar para fugir da confusão que reina na corte em Lisboa. 

 

22.07.21

 

Novo dia começa com velhos pensamentos. Pouco ou nada tem mudado, nos últimos tempos da sua caminhada. Caminha na contramão impotente. Tem consciência que não é capaz de mudar o mundo onde está inserido. Já desistiu de se enquadrar. O mesmo acontece com a maioria dos grupos para os quais é convidado. Republicano e solitário, cada dia mais distante do rebanho, encontra nos livros um modo de sobrevivência. Escolhe-os fora dos top ten ou dos Best sellers. Já quando era jovem ia ao cinema não pela publicidade que os mesmos tinham nos jornais de então. Viaja no tempo e no espaço com as suas leituras. Pouco viajado é nas outras formas de viagens, mais do que a escultura, arquitetura ou pintura é nos ensinamentos que os livros traduzem que gosta de viajar, conhecer idealizando com o seu pensamento povos e lugares.

A manhã chegou fria. Nada de anormal neste tempo de microclima penicheiro. A humidade que os deuses sopram do mar, a norte ou a sul do Cabo Carvoeiro tanto faz, aconselha a vestir algo mais que uma simples camisa de manga curta. O céu totalmente tapado, pelas nuvens de uma frente, ameaça manter-se, a não ser que a nortada habitual acorde e ao espreguiçar-se afaste dos céus este manto compacto e cinzentão de nuvens.

De resto tudo igual ao passado recente. Não vê televisão. Na rádio só a Antena2. Mesmo esta rádio quando dá notícias sobre a guerra, desliga-a. Na verdade a guerra ainda o isolou mais na outra margem, onde vive e caminha com a sua pequena mas constante loucura silenciosa. A ausência é a sua companhia virtual.

Não se quer imiscuir nas "faladuras" sobre os incêndios. Não sendo especialista incendiário, abstem-se de opinar. As causas são conhecidas de todos, os que ainda pensam com seus neurónios saudáveis. Os interesses à volta dos incêndios igualmente conhecidos, assim como, a fraqueza dos políticos que no calor das chamas prometem reformas que nunca realizam por falta de coragem em tomar decisões que levem o país a enfrentar os empreendedores do negócio sazonal de rendimentos garantidos.

2017 foi um ano terrível de incêndios e mortes. Quando nesse ano deslizava pela A23 a caminho do seu interior raiano, ao passar Abrantes foi desviado para estrada secundária, por a autoestrada estar cortada por incêndio que já andava à solta no concelho de Mação. Foi apanhar o IP2 perto de Nisa e entrou na A23 no Fratel. Quando passou sobre o viaduto que existe depois da saída para Proença a Nova, novo fogo começava com a chamas a voarem alto. Incêndio que por vales e montes consumiu mato, estevas, pinheiros, eucaliptos e tudo o que encontrou à sua frente passando inclusive o Rio Tejo para a margem esquerda. Vieram bombeiros de Espanha ajudar ao combate do maldito fogo que durou dias sem conto. Neste tempo havia um Ministro do Ambiente que gostava de dizer coisas, brotando faladura de promessas várias. Igualmente havia um velho Ministro da Agricultura que nos anos muitos de ministro, as suas medidas apontavam sempre para a existência de fundos a que proprietários e agricultores poderiam recorrer. Só promessas que beneficiam meia dúzia de empresas de consultadoria e o sistema bancário. Também existiram muitos ecologistas, de ar condicionado, que empunhavam bandeiras de ódio contra o eucalipto e o pinheiro. Todos, políticos, ecologistas e "paineleiros televisivos”, de acordo, era necessário fazer a reforma da floresta. Reforma que começaria pela elaboração, mais uma vez, do cadastro (já antes prometido). O Planeta no seu constante movimento de rotação sobre si mesmo fez passar dias, meses e anos, sem que o país conhecesse o tal cadastro. Ele nas suas muitas viagens pela A23 foi e vai constatando que o pouco que se fez foi plantação de eucaliptos australianos. Nada tem contra a árvore eucalipto. Gosta de inspirar o odor que os mesmos libertam.

Hoje como em 2017 continua convicto que a culpa dos incêndios não é do eucalipto e muito menos do pinheiro. Ninguém conhece uma árvore que se incendeia a si própria. Depois, naqueles vales profundos e montes que ladeiam a A23 que outro rendimento mais fácil podem os seus proprietários obter das suas terras? A culpa dos incêndios é do ser humano, muito facilitada pelas políticas liberais que vêm sendo tomadas num granel avulso sem nexo nem visão de futuro, por uma decadente e muito onerosa corte em Bruxelas, para os países da bacia do Mediterrâneo europeu.

A sua máquina de comunicação tem a bateria com fome. Vai voltar à leitura enquanto a máquina carrega a sua bateria de lítio.

22.07.19

 

Que faz ele por aqui? Questiona-se. Cansado, desiludido deixa-se cair. Acorda. Levanta-se e olha-se ao espelho. A água fria desperta-o. Sorri para quem está no espelho. Veste-se e sai caminhando. Desistir é proibido. A vida é a luta mais constante de todas as outras.

22.07.17

 

Acordou. Ao por os pés no chão sentiu o corpo mole. Raras são estas situações, em que lhe apetece ficar deitado mais um pouco. Pela primeira vez nestes quatro anos e meio a Sacha não estava deitada junto à porta que dá para os quartos. Estranhou. Encontrou-a deitada junto aos estores da varanda, que virada a nordeste é de madrugada o local onde a aragem se sente mais fresca. Saíram e ele deixou-se conduzir pela vontade da sua amiga. Foi ela que conduziu a volta matinal. Depois de uns dias de forte calor, a manhã apresentou-se fresca à moda de Verão.

Quando se lavava, olhou-se nos olhos e recordou o seu pai. E, porque o movimento de rotação do planeta é constante sem darmos conta que estamos rodando, já passaram seis anos e um mês. Sorriu ao recordar uma das sovas que o pai lhe deu. Não foram muitas, mas todas tiveram resultados positivos posteriores.

Naquele tempo, andava ele no segundo ano do ciclo preparatório na Escola em Peniche. Todos os meses, desde que começavam as aulas, realizavam testes para atribuição de notas, nas diversas disciplinas. No primeiro teste de matemática, numa classificação de zero a vinte, tirou um medíocre, salvo erro um oito. No segundo teste a matemática, já a viver no Lugar da Estrada a nota piorou. Quando apresentou o teste, com o M de mau, ao pai para assinar, este ralhou com ele. Ao dizer ao pai que não queria estudar, que queria ser ciclista, o pai chegou-lhe a roupa ao pelo, forte e feio. Ao deitar-se ainda soluçava. Na manhã seguinte quando a mãe o acordou para se levantar, não queria ir para a escola. A mãe pediu ajuda ao irmão, os dois vestiram-no e ajudaram-no a subir para a sua bicicleta com o irmão a empurrá-lo até chegarem à Escola. No último teste a matemática daquele primeiro período, tirou um Muito Bom, dezoito ou dezanove. Olha-se nos olhos sorrindo para a imagem que guarda do seu pai, agradecendo-lhe tudo o que fez por ele e por eles, os dois irmãos que não sendo gémeos, nasceram no mesmo ano, num pequeno quarto da cidade grande que seus pais tinham alugado, em casa de uma família.

Ao caminhar conduzido pela sua amiga, abre gavetas antigas, fecha umas e outras deixa-as abertas como forma de, ao ler essas recordações, exercitar o seu cérebro para que o mesmo se possa manter vivo. Tem medo que um dia ele, cérebro, possa gripar, deixando-o totalmente perdido no meio da multidão

18.07.22

Perdido no meio da multidão continua caminhando. Olha ao seu redor. Procura entender os porquês. Só ouve os lamúrios do silêncio. Não os entende. Olha de novo e só vê um vácuo escuro e pegajoso. Caminha mais apressado. Procura distanciar-se, perdido que caminha no meio da multidão.

Por onde andarão os sonhos de uma sociedade diferente. Caminha, passo a passo, na busca que seus dias sejam curtos para que possam ser muitos, intercalados com dias longos, que lhe permitam aprender a ser velho, a entender os outros, perdido que caminha no meio da multidão. Leva consigo a ausência, sua companhia dos últimos anos.

22.07.14

 

Como é seu hábito levantou-se cedo. A noite acabava de dar as boas vindas ao novo dia. Na casa de banho, utilizando o seu pequeno aparelho de comunicação, olhou as primeiras páginas dos jornais diários. De seguida, abriu as janelas do apartamento para entrar um pouco da fraca aragem matinal. Olhou o céu e viu-o cinzento ameaçador. Lavou-se, fez a cama e saiu com a sua amiga Sacha para o passeio matinal dos dois. Nestes dias de temperaturas bastante elevadas, vai mais cedo para a volta matinal, para que a sua amiga não sofra muito com o calor.

Regressaram e antes do habito diário de lhe limpar as patas, fechou a janela da varanda. Dada a ração matinal aos animais, preparou o pequeno almoço com fatias do pão que trouxe da Zebreira e enquanto torravam, mediu a pressão arterial (104 -52) que continua baixa. Tem alturas em que lhe apetece deixar de tomar os comprimidos. De seguida observou o estado dos vários vasos de plantas e regou os que apresentavam menor sinal de humidade na terra. Na varanda cuidou dos tomateiros(tomate cereja). Aparou depois a barba antes de tomar banho e resolveu sair. Tomou as chaves e os documentos do carro e partiu em busca da ausência.

Rolou serenamente A1 em direção à cidade grande. Não se aborreceu com o para arranca existente na 2ª circular entre o Aeroporto e o Campo Grande. Em Benfica decidiu ir pela CRIL em vez de subir a Monsanto para entrar na A5. Fez a CRIL até Algés e depois a Marginal calmamente com atenção aos sinais e veraneantes das praias da linha. A velocidade a que seguia deu para ver a praia de Santo Amaro de Oeiras assim como a de Carcavelos cheias não só de pessoas mas muito de grupos de crianças que pelos colégios e outras organizações vão com os seus monitores à praia enquanto os pais estarão a trabalhar. No destino não encontrou logo lugar para estacionar. Sem se aborrecer procurou e um pouco mais afastado encontrou. Seguiu a pé pelas ruas. Conheceu vários condomínios, muito ao gosto de determinada franja da classe média, a que ele gosta mais de chamar média burguesia. Pouca gente a andar a pé pelas ruas, sendo o transito dos carros constante. O tempo apresentava-se fresco. Depois de dias muito quentes, soube-lhe bem o andar a pé sentido a frescura da manhã. Olhou as janelas dos prédios. Umas totalmente fechadas e outras meio abertas. Junto à porta do edifício procurou ver o sentido das escadas. Abriu o aparelho de comunicação para consultar a sua memória auxiliar. Tocou a campainha no número certo. De imediato a luz da câmara do circuito interno se acendeu. Aguardou mas não ouve sinal algum. Tudo iria continuar ausente. Se a ausência o viu pelo ecrã do sistema do prédio existente no seu apartamento, não se quis dar a conhecer. Não insistiu. Esperou um sinal que não chegou. Foi em busca da ausência e voltou com a ausência como companhia.

22.07.13

Desde que chegou em 2012 quase todos os dias passava por ela. No Outono enchia-se de cor para se despir lentamente das suas folhas. Hibernava, aguardando os sinais da Primavera para desabrochar e voltar a sorrir frondosa na sua folhagem.

Não sabe se já estaria doente. Não tem conhecimentos para tal. Nem tão pouco a vida stressada, da cidade dormitório da cidade grande, lhe permitia ouvir as conversas entre ela e as suas vizinhas, assim como, entre elas e o vento. No final da tarde do dia anterior, notou mais folhas de todas as árvores no chão. Normal face à vaga de calor que chegou. Ontem o coração bateu dorido ao vê-la despida de folhas. Não aguentou ou desistiu de viver, apresentando-se triste e dorida.

Não é a única que neste ano, nos seus itinerários, vê morrer lentamente. As outras por incúria direta de obras públicas, sem que o pessoal quer da Junta de Freguesia, quer do Município tenham tido qualquer ação ou intervenção fiscalizadora que se notasse. Mas este plátano não resistiu ao calor destes dias. Ali vai ficar até que um dia alguém das autarquias se lembre dele quando já não existir outra solução que não seja o abate.

Os problemas e as doenças do Estado não estão apenas na centralização do poder em Lisboa. Não é localização a doença mais grave. As doenças do Estado têm origem na falta de capacidade e de competência dos governantes que por lá andam. Doenças contagiosas essas, que se estenderam rapidamente aos poderes autárquicos municipais.

Realizam estes últimos obras bonitas de fachada, quase sempre para enaltecer o ego do sr. Presidente Municipal. Depois de fixada a placa comemorativa e dos vivas e parabéns dados pelo seus apaniguados, tudo é esquecido, abandonado sem manutenção pelo sistema que os alimenta e controla nossas vidas.

Sistema, que dizendo-se de direita, do centro esquerda, do centro direita ou de esquerda, aplica e esbanja na gestão pública os princípios liberais e neoliberais que burocratas nos corredores em Bruxelas, impõem como ferramentas de gestão.

Os censos dizem que o país está perdendo população residente. Mas o Estado em sentido amplo, mesmo abstraindo as despesas com o SNS e a Educação, não deixa de engordar em despesa com pessoal, em prestações de serviços com pessoal, subcontratação de serviços e estudos que já foram estudados e reestudados anteriormente.

O parlamento que deveria controlar a atividade do governo limita-se na generalidade a votar propostas e leis quantas vezes elaboradas por gabinetes externos em subcontratação de serviços; os tais “pedido de parecer” elaborados em adjudicação direta a gabinetes externos onde há sempre amigos do “centrão” prontos a colaborar. Pareceres elaborados e feitos à medida da ocasião, que custam os olhos da cara ao país.

A cada dia que o tempo passa se sente mais convicto de ser absolutamente contra qualquer regionalização do país.

Anda no ar o cheiro a queimado… 

 

22.07.11

 

Com o passar constante do tempo, acumulando anos de vida, sente-se cada vez mais longe do tradicional rebanho da grande maioria. É um tresmalhado, que já atravessou o deserto, mas não se consegue integrar na sociedade atual, caminhando assim, de forma consciente, na outra margem da vida.

Tenta compreender o tempo de agora, mas sente-se impotente para o entender.

Nasceu no final do ano de 1950. É um fruto da geração de sessenta. Geração que pôs em causa todas as tradições, todos os tabus vigentes à época. Tradições e tabus que estavam protegidos pelas diversas forças conservadoras da sociedade dos "brandos costumes, públicas virtudes''.

No final dos anos sessenta, despertou e descarrilou acreditando e alimentando como possíveis de realizar alguma das utopias de então. Foi nessa época que se tresmalhou da maioria, passando a olhar o mundo com outros olhos, a ouvir não só e apenas o que o pensamento único difundia como verdade oficial. A dialética acompanha-o até hoje, recusando-se a integrar o atual rebanho da grande maioria.

Não tem saudades desses tempos de luta contra o sistema político Salazarista, nem contra os tradicionais usos e costumes. Recorda os avanços alcançados, mas não esquece o outro lado negro da vida, da inexistência de direitos, da exploração esclavagista em muitos trabalhos, dos bairros de lata à volta das cidades, das imensas numerosas famílias dependentes da caridade alheia. De que, quase tudo era proibido, era pecado. Tanta coisa má existia que não pode ter saudade desse tempo da sua juventude.

Ainda hoje, como no final de sessenta e mesmo na década de setenta, é incapaz de olhar para um mosteiro, um palácio e não pensar nos desgraçados que os construíram, de quantos terão morrido na sua construção, ou mesmo, quantas criadas e criados não sofreram as sevícias dos senhores doutores, barões e baronesas. Dizem-lhe, com razão, que não pode pensar assim, que os tempos eram outros. Contudo, sabendo que é verdade o que lhe dizem, não consegue desligar o fusível dessa cadeia de pensamento.

A "ordem democrática", copiada de um tal primeiro mundo, imposta em Novembro como encerramento da festa em Liberdade dada em Abril, tem vindo com pezinhos de lã restabelecendo muitos dos costumes e tradições que integravam os antigos "brandos costumes, públicas virtudes". Agora em novas versões mais soft.

Há na Europa uma guerra fratricida entre vizinhos com ingerências de outros países, que está trazendo dificuldades acrescidas a todas as famílias europeias. Já não se importa que alguns autodenominados democratas de esquerda, o acusem ou classifiquem de “putinista”. Ao ler tais comentários às suas publicações sobre a guerra, sobre os efeitos colaterais e possíveis consequências da mesma, sorri com os seus botões quando algum o critica indiciando ser ele um apoiante de Putin. Deixa-os pousar. Não dá troco. Cada um é livre de expressar o seu pensamento.

Recorda aquela tarde no Leste de Angola, quando o Major do Batalhão a que pertencia o chamou à CCS, para o avisar, que se tinha de pôr a pau, que o médico era um PIDE que o queria "foder". Major, que ao devolver-lhe os livros que tinham ido buscar ao fundo da sua mala, quando ele estava ausente numa operação de cinco dias, ao entregar-lhe o livro "O Volga Desagua no Mar Cáspio" lhe disse, que o mesmo era reacionário e revisionista. O livro comprado em 1971, à socapa da censura, numa livraria de Viana do Castelo, era e é uma crítica ao modelo soviético de então. Sempre alimentou muitas dúvidas sobre as aplicações e ações do regime soviético. Dúvidas que não lhe permitiram entrar quando o convidaram. Dúvidas que se confirmaram com o desmoronamento do regime e a ascensão ao poder de gente duvidosa. Putin, nunca o enganou, aquele seu ar gingão ao atravessar aqueles portões bordados a ouro, logo o avisaram que a personagem não seria de convidar para uma reunião de amigos. Mas o ditador Putin, não é o povo russo, assim como o outro ditador Salazar não foi o povo português. Os ditadores são sempre tristes imagens dos povos que pela força se dizem representantes. Putin, não é flor que se cheire ou se convide para uma reunião de amigos. Mas, ele é o Presidente eleito da Rússia. Se as eleições são viciadas ou não é o povo russo que tem de solucionar o sistema e não qualquer país ou organização exterior ao povo russo. Como eleito do povo russo, Putin, goste-se ou não se goste , tem a obrigação de defender os seus cidadãos e lutar pela sua integridade. O povo russo-ucraniano do leste da Ucrânia estava desde o golpe de Estado de 2014 a ser bombardeado e dizimado pelas forças ucranianas apoiados em forças de milícias nazis financiadas e treinadas por militares do ocidente. A guerra fratricida em curso tem causas, como todas as guerras. Putin mandou as forças armadas russas invadirem a Ucrânia para se defender do avanço da outra força agressiva que se preparava para reconquistar a Crimeia e dizimar os separatistas do Donbas que dias antes da guerra tinha declarado unilateralmente e independência de Donetsh e Luhansk. Enquanto se preparava para a invasão tentou o dialogo com o ocidente que lhe fez orelhas moucas.

Ele que viveu intensamente o período da revolução em festa até 1979, conheceu alguns falsos e outros ditos revolucionários que após o restabelecimento da chamada “ordem democrática” se passaram de armas e bagagens para os braços e tentáculos do “centrão” político. Para ele não é pois novidade ver essa gente nos canais televisivos a destilarem a versão oficial do pensamento único vigente, mais do que nunca aliado segundo os padrões definido pelos falcões americanos e seus súbditos em Bruxelas. Toda e qualquer guerra, dure o tempo que durar, só tem como alternativa o estabelecimento da paz, por acordo das partes em conflito ou pela capitulação de um dos intervenientes.

Recorda na sua juventude as manifestações, os comunicados subversivos difundidos à revelia da policia política, contra a guerra fosse ela em África (Angola, Guiné e Moçambique), fosse no Vietname. Foi a sua juventude solidária e defensora da Paz entre povos e cidadãos.

Caminhando na outra margem da vida, desconhece a existência de movimentos jovens que se manifestem contra os EUA-NATO, contra a Rússia, pela Paz na Ucrânia. O movimento das bandeirinhas azuis e amarelas pareceu-lhe ser muito mais dos antigos ditos e falsos revolucionários convertidos em democratas de esquerda liberais, do que de organizações políticas de jovens autónomas de partidos políticos.

O futuro apresenta-se como nunca incerto, carregado de nuvens escuras cheias de dificuldades, mas sucedem-se festivais de música esgotados por uma juventude que gosta de consumir sem se preocupar com o amanhã, que decerto será bem mais difícil que o presente.


22.07.09

Sentado num dos bancos à beira da arriba, recorda as tardes que seu pai e os amigos daquela praia, ali passavam comentando, qual telejornal a vida pacata de então.

Ele e outros jovens, viam com alguma estranheza, aquelas pessoas que passavam os dias e o tempo lá sentados ou em pé a conversarem ou simplesmente a olharem o mar e o areal. Raramente desciam até à areia ou iam ao banho naquelas águas do Atlântico.

Com a passagem do tempo e dos anos, novas gerações foram chegando, mantendo-se o hábito de haver sempre quem por lá se mantenha olhando o mar e o areal.

A pacata praia da sua juventude apenas existe na memória dos mais velhos, que como ele continuam a gostar de olhar aquele mar que ano a ano vem roubando areia ao extenso areal.

Chegou o tempo de também ele se sentir melhor olhando o mar do cimo da arriba. Deitar-se no areal a apanhar um pouco de Sol, já não é a sua praia. Caminhar pelo areal na baixa-mar, sozinho ou com a sua amiga Sacha, é o seu tempo de comunhão com o tempo de praia, com a Natureza que um dia o viu chegar quase ainda criança.

Com o seu aparelho de comunicação, que lhe serve de memória auxiliar vai registando em fotos e em palavras o que a sua visão transmite à unidade central de processamento do seu cérebro. Escreveu então:

«Aqui estou frente ao mar que um dia me ensinou a respeitá-lo, a ouvi-lo nas suas queixas contra as maldades que sobre ele são cometidas. Até hoje, esse sentimento de respeito me acompanha. Respeito não medo. O mar na sua grandeza quase infinita guarda segredos que não conhecemos, pelo que, o respeito mais do que o medo é a atitude sensata que todos devemos ter. Recordo a velha frase, o velho slogan de "Há Mar e Mar! Há Ir e Voltar", que deveria ser bem publicitado à entrada de todas as praias concessionadas, sem esquecer todos os órgãos de comunicação social escritos, radiofónicos e televisivos. Mas os políticos governantes gostam mais de gastar e esbanjar dinheiro público com agências de comunicação e marketing em campanhas sem a força ou eficiência do velho slogan. Tudo porque a outra velha frase, o outro velho slogan de "Temos que viver com aquilo que temos", está fora de moda pertencendo ao passado. Hoje preferem criar e manter modos de vida artificial à custa do endividamento externo do país, hipotecando o futuro dos vindouros».

Olhando a praia, despediu-se fechando o aparelho de comunicação e voltou para os arrabaldes da cidade grande, num final de tarde onde o calor húmido anormal lhe aviva a a saudade do calor mais calor mas seco do seu interior raiano. 

 

quinta-feira, 1 de dezembro de 2022

22.07.06

 

Voltou. Quer lembrar as ideias que à noite tinha. As mesmas esconderam-se. Procura-as e não as encontra.

As mentiras sobre a guerra continuam a desfilar nos ecrãs televisivos. Gente (comentadores) sem pinga de vergonha, menos de ética e moral, continuam ventrículos da voz do dono, do padrasto EUA-NATO.

Sorri, pois voltou a ouvir que as bombas do invasor russo só atingem instalações civis ucranianas, matando civis. Os militares ucranianos devem estar protegidos por uma força celestial desconhecida. Já os militares russos parecem que estão morrendo que nem tordos em época de caça. Passa à frente.

Ontem foi à Zarza La Mayor abastecer a sua carrinha. Sensivelmente a mesma quantidade de combustível custou-lhe mais 20€ do que no passado fim de Maio. É o famoso modelo de “democracia à Ocidente”, onde as leis do mercado são enviesadas pela ganância de "oligarcas-empreendedores" sem rosto, perante políticos que os cidadãos elegem na ilusão de que não se curvem submissos perante tais vampiros.

Sorri, a ideia voltou a sua memória “ram”.

Ao fim dos dez dias em que permaneceu no seu canto raiano, sem ouvir os noticiários da Antena1, sem sintonizar os canais televisivos RTP1, SIC e TVI, para bem da sua saúde mental, acabava de passar da A23 para a A1, quando olhou as horas e decidiu-se sintonizar a rádio Antena1 para ouvir as possíveis novidades, após estes dias em que esteve vivendo como ausente. Ouviu, consciente de que os problemas com a sua loucura silenciosa lhe chegam. Não precisa de mais doses de loucura, mas sintonizou o rádio do carro. Ouvindo, ficou a saber que vai haver uma moção de censura ao Governo colocada em cima da mesa pelos saudosistas ortodoxos dos tempos negros implementados pelo velho tirano de Santa Comba Dão. Ouviu depois, com atenção redobrada o tempo noticioso dado ao novo líder do maior partido de oposição ao atual governo. Ouviu e disse para a sua sombra: - o "cavaquismo-passista'' ressuscitou. Nada de novo se irá passar, neste pobre país. As ideias que trás o novo líder são as mesmas do passado. Pouco se poderá esperar de gente que tem como ideal político, os princípios do ressabiado novo-velho professor de finanças públicas desta Terceira República, cuja maior medida estruturante para o país nos seus dez anos de governação, alguns de maioria absoluta, como primeiro ministro, foi a alteração do nome da terra onde nasceu de Poço para Fonte de Boliqueime. Hoje, o novo líder e seus correligionários, revêm-se no mais recente e maior discípulo do cavaquismo. Nada de novo acrescentam, porque desejam governar unicamente para a destruição do pobre Estado Social ainda vigente. Tal como um tal "boy" (cavaquista) das juventudes, trabalhado que foi como gestor empresarial pelo maior lobista do nosso mercado, quase conseguiu implementar nos quatro anos mais negros que esta Terceira Republica conheceu. É este "antigo-boy" sem palavra, ex-primeiro ministro, o modelo, que a mando de forças ocultas fez cair um governo para lhe suceder, sendo por sua iniciativa mais troikano que as sanguessugas-vampiros da Troika. É certo que depois de despromovido após eleições livres, que ganhou por poucochinho não lhe permitindo continuar a vender o país aos abutres financeiros estrangeiros, foi tal personagem reconhecido como catedrático pelos amigos e apoiantes existentes na cátedra universitária publica. Mais um exemplo da consequente “nova ordem democrática” que há anos depois do 25 invernoso de Novembro tomou conta do país.

O país a acompanhar o pensamento que domina a classe política europeia, onde a a falta de transparência grassa entre os seus dirigentes; gente para os quais a ética e a moral passaram a ser coisas de gregos antigos e desatualizadas, face ao novo desenvolvimento do capitalismo selvagem vestido com fatos de alta costura para passar a imagem de capitalismo civilizado e moderno.

Mas, antes de passar à Antena2, ainda ouviu uma senhora que dizem ser ministra da agricultura falar sobre o problema da água no país. Sem ideias, limita-se a declamar o que lhe mandam dizer. Não se lembra nesta Terceira República de um Ministro da Agricultura que soubesse do assunto da terra, do ar e da água. Talvez a exceção tenha sido o Ministro nomeado pelo sr. Guterres, que comeu miolos de vaca, para mostrar do que sabia e não tinha medo. Cansado, esse sr. Ministro, bateu depois com a porta e foi tratar da sua vida profissional fora das intrigas e nomeações políticas. Também ele, pobre cidadão, anda cansado de Ministros da Agricultura que passam o tempo político a venderem milhões de € à disposição em fundos, para satisfação dos banqueiros e dos gestores das empresas de consultadoria especialistas em fazerem projetos em computador. Projetos quantas vezes megalómanos, de viabilidade futura duvidosa, mas que servem a propaganda política de autarcas, secretários e ministros. Quem manda na agricultura da U. E., são os grandes proprietários fundiários da Alemanha, da França e alguns de Itália. São eles através dos seus lobistas que mandam nas políticas da PAC, limitando-se o nosso Governo a transcrever as normas emanadas de Bruxelas e a nossa Ministra a fazer figura de ventrículo.

Passou à Antena2 e continuou a deslizar em direção ao dormitório arrabalde da cidade grande.


22.07.03

 

Domingo, dia de descanso. A manhã de sábado, foi para ele, de trabalho e alguma tristeza revolta. Com o calor a manifestar-se e o desejo de terminar a limpeza dos “ladrões” das restantes oliveiras, foi para o chão tão cedo quanto pode, pois tem de passear a sua amiga.

Logo no início sentiu o polo a colar-se ao corpo que suava. Nos raros momentos de pausa, para descanso da coluna, reparou no sobreiro do vizinho. Será que está chorando por lhe terem tirado a sua cortiça? Ou será a forma de refrescar a sua feloderme agora exposta, face aos muitos graus que se adivinham para o dia. Lembrou-se de Lavoisier.

Com o avançar do trabalho, sentiu que estava no limite. Ao endireitar-se sentia a ilusão do "pingo". Controlou a incontinência após a cirurgia, mas assim como as costuras dos três buracos efetuados pelo jovem cirurgião, lhe anunciam as mudanças de tempo, o "pingo" ilusório ou real, lhe diz que está no limite do esforço. O "pingo" ilusório ou real, aconselha-o lembrar-se que a idade do corpo não é a idade da mente. Esta pensa ser mais jovem do que a idade real, que seus pais lhe disseram, constando do seu cartão de cidadão. É uma perfeita idiotice sua, pensar que ainda é jovem quando caminha para os setenta e dois anos de vida. Com muito esforço e suor, conseguiu terminar o trabalho a que se propôs. Quando regressou a casa, com o sol do meio dia e meio a pique, notou que não era apenas o polo que estava húmido do suor, também as calças estavam bem húmidas. Apeteceu-lhe meter-se junto com as roupas na máquina de lavar. Mas, como ultrapassa em muito, o limite de peso que a mesma suporta decidiu ser melhor meter-se debaixo do chuveiro.

Almoçou. A seguir colocou o corpo em cima da cama na horizontal. As malvadas cãibras nas mãos e nos pés atormentaram-lhe a sesta de que tanto gosta. Sendo teimoso com o esforço da manhã, mais uma vez o seu sistema o avisava de que não deveria pisar a linha vermelha do sinal, quanto mais ultrapassá-la.

Deixou o pensamento atravessar anos e anos até chegar aos tempos de jovem na Escola Industrial e Comercial de Peniche. Uma sopa no refeitório da escola custava 1 escudo. Quantas vezes apenas almoçava o que a mãe lhe fazia, levando na sua bicicleta a marmita bem embrulhada em papel de jornal, para manter a temperatura até há hora do almoço. Juntava o dinheiro que poupava, não comendo a sopa, para numa das papelarias existentes comprar livros aos quadradinhos dos então heróis na conquista do oeste americano. Ao olhar as velhas oliveiras recorda as histórias desse pequenos livros aos quadradinhos (hoje banda desenhada) , e não só esses. Lutas e guerras entre os interesses dos primeiros colonos que se dedicavam à pastorícia de gado ovino, contra os colonos que chegavam com grandes rebanhos de gado bovino. A forma como uns e outros faziam para a obtenção de pastos novos no final da época seca. Métodos que ele viu serem reproduzidos em Angola pelos naturais. No final da época seca, deitavam fogo ao capim para que mal chovesse os primeiros pingos de chuva os pastos renascessem espontaneamente.

Quando no passado mês de Dezembro andou com o seu amigo Zé na apanha da azeitona, como de imediato estendiam os panais a volta do tronco das oliveiras rodeadas de “ladrões”, de nada se apercebeu, tão entusiasmado andava com a apanha da muita azeitona existente nas velhas oliveiras. Já nas manhãs anteriores em que andou a cortar os “ladrões” se apercebeu que em algumas oliveiras o tronco estava queimado na base. Ontem, o número de oliveiras com a base queimada aumentou consideravelmente. À medida que limpava os troncos, se apercebeu do crime. A tristeza acompanhada de revolta surda, tomou conta do seu estado de espírito. Não sabe quem fez ou ordenou aquele trabalho. Não se lembra de alguma vez ter existido um incêndio por ali, depois nem todas têm o sinal de o tronco na base ter ficado a arder.

Há muitos anos que o terreno entre as oliveiras nunca foi lavrado, mas o gado bovino gostava de lá pastar. A hipotética herdeira, pelo menos fazia-se passar por tal, nunca se interessou pelo estado do mesmo. Seu primo, dono efetivo do chão de oliveiras, após a morte da viúva que viveu com o pai, conversando quando ele lhe levou o azeite que as oliveiras deram, vendeu-lho. Ele, a caminho dos setenta e dois anos aceitou, comprou. Às vezes pensa nos porquês de ter aceite tal compra, pois como lhe disse um dia o seu amigo Zé «ninguém compra trabalho». Mas ele comprou.

O seu pai considerava a oliveira como uma árvore sagrada. Ontem o seu carinho pelas velhas oliveiras passou a um sentimento de amor, talvez idêntico ao do seu pai, ou, por ele influenciado. Não é novo em si esse sentimento. Já o tinha conhecido mas em circunstâncias totalmente diferentes. Aquelas oliveiras foram violentada pelo fogo que os humanos fizeram para a obtenção de pasto para o gado bovino. Esventradas e queimadas resistiram ao mal e continuam vivas. Como? Não sabe. Sabe que nelas colheu azeitona em Dezembro passado. Este ano é fraco. Segundo ouviu dizer na época da chora carregaram, mas vieram uns ventos e a flor caiu sem ser fecundada.

É a vida ingrata e incerta da agricultura.


22.07.01

Acordou sem forças para ir para o chão da Horta da Corona acabar de limpar os ladrões das oliveiras. A tristeza acordou com ele, ainda o relógio despertador não tinha dado o alarme das cinco da manhã.

Não é fácil viver sozinho. Tem experiência. Não se importa de ter de fazer tudo sozinho. Pior do que viver só, é viver sozinho acompanhado. Nessa situação é mais do que licenciado, leva mestrado e doutoramento, com experiência.

A tristeza que se vem instalando diz respeito às filhas. Ainda ontem, quando a camisa húmida do trabalho atraia as indesejáveis moscas, pensava se alguma das filhas ou mesmo genros iria dar seguimento àquele seu trabalho. Foi preciso chegar aos quase setenta para tomar conta de dois terrenos dos herdeiros do seu tio-avô João Capelo. Herdeiros, uns primos outros nem tanto, que só querem parte do dinheiro que a venda dos mesmos possa proporcionar. Nenhum se preocupou com a saúde das oliveiras, da boa manutenção dos velhos muros de pedra, para não falar na própria terra, onde as ervas e o mato crescem na liberdade da própria Natureza. É certo que na campanha do ano passado, colheu boa azeitona no chão da Balasca, mas anteriormente investiu dinheiro na limpeza das oliveiras e só não pagou o lavrar do terreno, porque o António "Caga Cornos" o lavrou para nele semear feno para as suas ovelhas. Deu-lhe, ele, autorização para o António colocar quer no chão da Horta, quer da Balasca, quer na Eira e agora na Horta da Corona, as suas ovelhas e cavalos, com a condição de zelar pela boa manutenção dos mesmos.

Como lhe disse o seu amigo Zé <ninguém compra trabalho>, por isso quer o chão da Eira, quer o da Balasca, não foram vendidos. De nada lhes serviu o terem colocado lá a placa do "vende-se". O mesmo se passa com o chão da Horta da Corona do seu primo António. A oferta maior que tiveram não era credível para eles que vivem longe da realidade que por cá se vive. Os terrenos de pequena dimensão, assim como o olival extensivo, não têm, nem valor económico, nem futuro, face à realidade demográfica e ambiental. Se é assim, porque comprou ele a Horta da Corona ao seu primo António, agora que está à porta dos 72 anos de vida? Não sabe responder a si próprio.

Recorda as conversas com o seu pai. Pai que vivia no receio disto (casa e chão da Horta) ficar abandonado porque já nessa altura as coisas não se vendiam por falta de compradores. Seu pai, após a morte de sua mãe vendeu os chões que tinham herdado e comprado. Dizia seu pai que os filhos não estariam dispostos a vir viver para cá. Deixou o chão da Horta e a casa, porque dizia que a Horta iria ajudar na venda da casa. Como seu pai estava enganado.

É certo que a vida dá muitas voltas, e, volta não volta muda tudo num segundo. Ele, sempre dizia ao seu pai que nunca iria deixar a casa e o chão ao abandono. Assim tens de dar tornas ao teu irmão, dizia-lhe o pai. Não se preocupe pai, que nós nos iremos entender, respondia-lhe ele, ficando o pai em silêncio a pensar em como o filho desempregado tanto tempo, que tantas vezes recorreu à sua ajuda financeira, iria pagar metade da casa ao seu outro filho.

Depois de terem andado esquecidos, os irmãos voltaram a ser os irmãos que sempre foram quando jovens até se casarem. Como tal, foi fácil o entendimento entre eles, com o irmão a facilitar-lhe o pagamento da sua parte na casa. A base da partilha teve como origem o valor que o banco lhe atribuiu, quando ele solicitou um empréstimo para a realização de obras necessárias. O irmão enviou-lhe a forma de cálculo financeiro para o pagamento em prestações constantes. Ele ficou de estabelecer uma taxa de juro para a amortização. Nem utilizou a fórmula. Deitou contas à vida. Dividiu o valor em causa pelo número de prestações que iria pagar e acertou o valor para a unidade superior das centenas. Nem lhe interessa saber qual o valor da taxa em causa. O número de prestações a pagar ao irmão é igual ao número de prestações a pagar ao banco pelo empréstimo que lhe concederam para as obras. Prestações que são religiosamente pagas. Para não se esquecer de pagar, determinou com o banco o valor da transferência constante mensal. 

 

Acorda ainda mais cedo. A manhã ainda não é manhã, apenas a claridade se anuncia.

Levantou-se, e, dirigiu-se à casa de banho, levando consigo o pequeno aparelho de comunicação que o liga ao mundo exterior. Na sua casa guarda silêncios de outros tempos, de suas gentes, seus antepassados. A Sacha, também ela se levanta, vem até ao fundo da cama para receber os habituais bons dias que ele lhe dá.

Preparam-se para o passeio matinal. Saindo da povoação solta-a para ela correr à sua vontade. Caminham os dois apressados, num circuito onde conhecem todos os cantos. Tomam o pequeno almoço. Ele olha o relógio, são 7h30. Calça as botas e sai levando consigo a garrafa de água e as ferramentas para limpar as oliveiras dos muitos "ladrões" que com os anos e a falta de manutenção cresceram desalmadamente. Muitos só os consegue cortar com o serrote tão grossos e duros.

Ao entrar no chão lembrou-se de como o seu tio, dono do chão, falava do mesmo. Agora, o seu primo vendeu-lho. Falou com a amigo cujas vacas lá iam pastar. Facilmente se entenderam. Ele vai aramar o terreno para depois o António "Caga Cornos" lá poder por as suas ovelhas. O amigo propõe-se pagar metade do material. Como sempre as soluções exigem paciência, para mais não estando ele a viver permanente no seu canto.

Enquanto trabalhava de volta das oliveiras, ia pensando, nas primas e primo que nunca se interessaram, em saber as causas da insolvência do avô Luís, se é que sabem do fato, após o falecimento da sua avó Maria de Jesus. Ele, já leu diversas vezes a certidão do auto que o seu pai em tempo solicitou ao Tribunal da Comarca de Idanha-a-Nova. São os seus primos, politicamente à direita, sendo que a mais velha se intitula de esquerda, militando no Partido Socialista, que de esquerda pouco ou nada tem, tão liberal é na governação do país. Os setores da sociedade afetos ao pensamento político designado por direita, utilizam o conceito da família cristã como um dos seus baluartes morais. Contudo, a família não se resume aos que vivem hoje dentro da mesma casa. Antes deles tiveram que existir outros progenitores, caso contrário, não existiriam, simplesmente. Tão religiosos são, exceto a mais nova, mas tão indiferentes são com os seus antepassados.

Mundo estranho este onde vive. 

 

22.06.29

 

Nada de novo para este recomeçar de dia. Na estrada raros são os carros que passam. É o momento dado para o nascer do Sol. O dia vai ser quente. Tem a manhã para voltar ao chão da Horta da Corona, onde os ladrões das oliveiras são muitos, dos muitos anos em que não foram cuidadas. A oliveira para o seu pai era uma árvore sagrada.

Quando se lembra do pai e do medo que ele tinha, que tudo isto ficasse ao abandono, sente-se um bom filho. Tem a casinha arranjada. Ao chão da Horta juntou agora o da Horta da Corona e leva os dois que foram do seu tio avô João Capelo (o da Balasca e a Eira). É certo que não os cultiva diretamente. Cedeu a sua utilização ao António de alcunha "Caga Cornos" que coloca lá as suas ovelhas e os cavalos, os lavra e semeia de pasto para os animais, olhando pela manutenção quer dos muros de pedra quer da eliminação das terríveis silvas.

Às vezes, nas madrugadas em que acorda sonha com projetos mas logo a sua sombra lhe lembra a idade e o seu desconhecimento das coisas agrícolas da região.

Hoje os ramos da oliveira não mexem, sinal que o vento ainda não acordou.

Como o dia vai aquecer, vai mais cedo passear a Sacha, para se despachar em e ir também mais cedo para o chão tratar das oliveiras que este ano parecem não ter azeitona. Com ele segue a sua companhia ausente.


22,06.27

Pela janela observa os cumprimentos de despedida da noite com o novo dia. Os ramos da velha oliveira dizem-lhe que o vento fraco continua de noroeste.

No seu aparelho de comunicação chinês, já deu uma vista de olhos pelas capas dos jornais. Nada lhe despertou interesse. Quando ontem lhe falaram na Conferência dos Oceanos, perguntou se os pescadores ou os mestres das embarcações de pesca estariam presentes. Hoje, ao ler o título das declarações do antigo ministro do Ambiente na capa do DN confirmou, que os muitos colarinhos brancos irão centrar as suas «faladuras» na exploração dos recursos marítimos, podendo haver quem fale defendendo a não poluição dos oceanos, pois é um tema moderno e fica bem.

A sobre-exploração de alguns recursos marítimos irão não só continuar como aumentar, e, novas oportunidades serão anunciadas para o capital financeiro poder vir a usufruir lucros fabulosos. É para isso que estas Conferências Mundiais existem. Não há ponta sem nó.

Recordemos que em alguns mares o temível tubarão está em vias de desaparecer, sendo que o negócio da indústria farmacêutica e cosmética não para de crescer. O mesmo com a pesca da baleia. Todos, conferencistas e participantes, uns e outros, irão acrescentar mais um capítulo no seu vasto curriculum. No final, os conferencistas não irão a banhos no logo ali Mar da Palha, nem sequer, irão voltar às suas origens de barco a remos ou com velas e ainda menos de bicicletas-anfíbias.

Por fim todos eles, assim como os outros que os seguem cegamente, irão sentir-se mais felizes e descansados. Eles não estão sozinhos no interesse que os oceanos representam para o futuro crescimento económico, para a criação e manutenção das ilusões que o marketing político de mão dada com o comercial, criam e irão criar.

Viajarão os conferencistas de regresso, contentes e felizes, em aviões não poluentes, a bem dos oceanos. Alguns poderão usar os novos carros elétricos imaginando que num futuro próximo irão realizar uma outra conferência sobre as oportunidades da reciclagem das baterias de lítio, para bem dos negócios com o ambiente. Acrescentando então, novo capítulo ao seu curriculum.

Por cá, neste Portugal esquecido o mar são os campos dourados onde o verde da copa das resistentes árvores, são ilhas de esperança, para os que teimam em resistir não abandonando as suas casas, as terras dos seus antepassados. Por cá o azul dos oceanos está longe por detrás das serras, sendo substituído pelo azul de um céu limpo de nuvens.

Os vizinhos do outro lado do Rio Erges previam ontem que a temperatura vai voltar para a casa dos trinta e muitos graus celsius, esta semana.

Ontem a TV, quando a ligou, foi muito mais a dos vizinhos extremenhos. E foi, porque não viu notícias da guerra, caso contrário desliga-la-ia de imediato.

Já lá vão os anos em que por esta altura dormia em cima da cama, com a janela aberta e apenas o lençol para de madrugada se resguardar do fresco. No ano passado, não se lembra, de uma noite em que não fechasse a janela e não usasse um edredom. Este ano junta-lhe o pijama de mangas compridas. Depois lê e ouve os arautos, quer da sociedade consumista, quer dos ecologistas-de-ar-condicionado, botarem «faladura» de que o mês foi o mais quente dos últimos anos. Ao ler e ouvir tais sumidades, sorri por saber que a idade não lhe perdoa, sentindo-se bem, com o ser um tresmalhado cada dia mais afastado do rebanho. 

 

22.06.26

 

Guerra. SNS. Violência. Morte. São o mote para a super exploração das emoções. Nada de positivo nos dão. Nada de esperanças transmitem as nossas miseráveis televisões com maiores audiências. Resta-nos um ou outro programa no canal 2 da RTP e uma ou outra reportagem na RTP3. Que sociedade estamos a construir para o futuro no amanhã que se avizinha? Enquanto se questiona pensa nos bandos de mabecos que conheceu na guerra?

Deixa a televisão e os seus muitos canais. Olha para os vídeo jogos. De novo encontra, guerra violência e morte como pano de fundo.

Nem as tristes telenovelas de amores, traições, violência e morte que hoje servem a qualquer hora nos canais televisivos se comparam às revistas da “Corin Tellado” que chegavam aos jovens militares nas frentes das guerras em África, para que ao lerem-nas, pudessem sonhar e masturbando-se esquecessem a vida de "carne para canhão" que os senhores da guerra nos grandes palácios de Lisboa, lhes tinham destinado.

Sente-se a envelhecer, desiludido e cansado. Cada dia de vida vive-o mais longe da multidão, que de festival em festival seguem sem se importarem nem preocuparem com a fome, com a miséria que grassa nas cidades e que se vai contagiando aos campos.

Viaja de lês a lês no seu país, sem grandes ambições de outras viagens. Entre fronteiras é o seu mundo. Um mundo feito de lutas, vitórias e derrotas. A todas, têm sobrevivido, consciente do seu caminho, navega em busca da Paz que tarda a encontrar.

22.06.21

Final da tarde. Depois de jantar saiu para ver o pôr-do-sol, ouvir a música do embalo do mar que aqui se despedia do rei Sol. A nortada do último dia de Primavera não incomodava. A aragem fresca que corria, não atrapalhava os jovens casais, que ao longo do areal saboreavam o momento que a Natureza lhes presenteava. A Natureza brindava-os. Eles agradeciam.

Tirou fotos às nuvens que iam tapando o Sol, embelezando o momento sagrado do ocaso. O dia despedia-se para que o novo dia, solstício de verão, pudesse chegar com todo o seu misticismo de outros tempos, de outras eras que ainda se mantém no presente.

Olhou o longínquo horizonte e deixou-se navegar içando as velas em direção ao futuro. Futuro que naquele instante era por ele vivido, ali, na areia da sua praia, frente ao mar de velhas amizades. Preparava-se a noite para abraçar, o final da última tarde desta Primavera de altos e baixos meteorológicos. Navegando, buscou a ausência que andando ausente é sua companhia, ali frente ao mar, no final de tarde, na Consolação sem nortada.

Voltou para casa acompanhado da ausência. A Sacha logo o recebeu aguardando que ele a presenteasse com um biscoito.

Deixou-se dormir cedo e cedo se levantou. Um hábito que virou rotina nos seus dias. Consultou na net as marés. Não dava para andar na areia molhada. Ainda faltava muito para a maré baixa. Aguardou a chegada das sete da manhã, para saírem no passeio matinal. A manhã fresca pedia um agasalho.

Caminharam em direção à praia, para usando a passadeira irem até ao Largo do Forte que é também o Largo da Igreja. O Forte mandado construir por D. João IV após a reconquista da independência em 1640, teve como finalidade a vigilância e defesa da costa. É um marco na Consolação. Para norte se estende o areal até ao Molho Leste do Porto de Peniche. Para Sul são as rochas que chamam muitos veraneantes para ali apanharem os benditos banhos-de-sol que lhes permitirá diminuir as dores reumáticas que a vida lhes trouxe. Se a Norte o areal é ladeado por um extenso sistema dunar, a Sul predomina o promontório de rochas instáveis pela sua sedimentação ao longo de séculos, que nos últimos anos se vem degradando, colocando alguns irresponsáveis em perigo ao não respeitarem os avisos de perigo de derrocada. Como em muitas outras situações o colocar Avisos não resolve problema algum, apenas serve para os poderes responsáveis fugirem a previsíveis responsabilidades caso ocorra um acidente. É o passar da bola, o lavar das mãos como o tal Pilatos, tão usual no nosso sistema de governação das coisas públicas.

Andando, chegaram ao Porto Batel, a sua praia de juventude no fundo da arriba, porto de abrigo onde as nortadas não incomodavam. Hoje, ainda mais que no passado, está abandonado à sorte meteorológica dos ventos e das marés. Marés que não deixam de subir com as alterações climatéricas que o sistema de exploração consumista acelerou. Salvam a sua existência os amantes do surf que na fronteira entre o Porto Batel e o Porto da Freira procuram encontrar as ondas perfeitas para satisfação do seu prazer. Vêm de longe, até de outros países, nas suas viaturas, amantes que são da Natureza, indiferentes às inexistentes infraestruturas de apoio. A onda perfeita tudo compensa, tudo faz esquecer. São os amantes solitários do surf que lhe afloram uma pontinha de ciúme, por na sua juventude tal prática de desporto-prazer ser desconhecida. Depois de ali, no fundo da arriba, ter conversado as suas falas com o além sagrado, voltaram a subir a instável arriba, dirigindo-se para casa. O Sol já aquecia, brindando o mar de vários tons azuis. No horizonte, para noroeste, o arquipélago das Berlengas . Para o Sul, o céu azul permitia ver o escondido S. Bernardino, Areia Branca e mais além talvez Santa Cruz. Manhã bonita a deste dia, solstício de Verão.

As obras no Forte levam anos. Já aquando da apresentação do projeto inicial, procurou chamar a atenção que a parte subterrânea não estava considerada para aproveitamento daquela infraestrutura que nasceu para defesa e vigilância da costa. Conheceu o Forte. Seu pai, no tempo em que prestou serviço no Posto da Guarda Fiscal era o depositário da chave do mesmo. Todos os anos ao chegar o Verão e antes das freiras virem para o mesmo a banhos, o seu pai mandava limpar as instalações. Foi acompanhando o pai que conheceu as catacumbas, quartos tipo celas, existentes no subterrâneo do Forte. Hoje, não sabe, se o próprio projeto inicial ainda se mantém ou se já sofreu alterações. Desiludido, pouco se importa com o que venham a fazer. Gastaram, e muito bem, milhões na defesa da arriba junto ao Forte e nas casas existentes por cima da mesma. Casas com muitos anos de existência. Mas ao não consolidarem totalmente bem, a arriba que suporta o muro do Largo, vai o mesmo inclinando-se ameaçando vir a cair. Mais uma cerca metálica avisando do perigo de derrocada e umas fitas a isolar aquele bocado de muro. As Cercas metálicas já perderam a cor, as fitas há muito que voaram com a ação do vento. Só as pedras do muro se mantêm na sua inclinação. Os anos passam e o muro lá está inclinando-se… até ao dia em que nem a Nossa Senhora da Consolação lhe valha.

Com a idade, com os erros de juventude, as articulações começam a enferrujar e o melhor é não aumentar a oxidação das mesmas. Foi feliz naquele mar de águas frias e transparentes, sem as algas verdes indicadoras de alterações na sua qualidade. Hoje limita-se a saborear as recordações vividas olhando-o, ouvindo-o e desfrutando a sua magnificência poderosa.

Gosta de saber que a praia tem bandeira azul, embora esta coisa pouco lhe diga. Foi mais uma invenção das gentes bruxelianas para nos convencerem que as águas já não estão tão poluídas como na verdade estão. A poluição é consequência dos maus desperdícios que o desenvolvimento económico e social consumista provocou e provoca na Natureza. Se pouco liga à bandeira azul, menos ainda à designação de ouro por parte da Quercus. Todos sabemos que não há almoços grátis. Tudo tem um preço e sempre há quem pague. A praia tem a tal bandeira azul, e a tal designação de ouro. A juntar estas tão honrosas designações tem a praia a céu aberto uma vala de esgoto, que corre ao lado da antiga fonte, até se infiltrar na areia a poucos metros do mar, aguardando que as marés grandes de inverno possam levar a porcaria que nela se acumula. Quantos milhares de euros recebeu o Município de Peniche ao longo dos anos a Fundo Perdido por parte do Estado e da C.E.E. agora designada de União Europeia, para tratar do saneamento básico das suas terras? Será que a Consolação não pertence ao Município? Ou, como pode o Município ter aquela vala de maus cheiros a céu aberto, quando publicita as suas bandeiras azuis e designação ouro, incluindo nelas a Consolação?

Peniche é mais um exemplo vivo de que o desenvolvimento do Turismo não passa de uma falácia. O surf trouxe muita gente para o concelho. Gente que veio e vem de fora de países distantes. A economia do Município beneficiou com o desenvolvimento do surf, mas onde está de modo visível a riqueza, o valor acrescentado, criado pelo Turismo? O mar oferece condições para a prática do surf. Escolas de surf apareceram como cogumelos, mas, o Município e em especial a cidade, dentro das suas muralhas vai ano a ano ficando mais pobre aos olhos de quem conheceu a força da sua economia nos anos sessenta do século passado. As opções erradas tomadas pelos executivos municipais ao longo dos anos estão à vista de quem não vivendo lá, gosta da terra das suas gentes que o viram e ajudaram a crescer.