quinta-feira, 1 de dezembro de 2022

22.06.21

Final da tarde. Depois de jantar saiu para ver o pôr-do-sol, ouvir a música do embalo do mar que aqui se despedia do rei Sol. A nortada do último dia de Primavera não incomodava. A aragem fresca que corria, não atrapalhava os jovens casais, que ao longo do areal saboreavam o momento que a Natureza lhes presenteava. A Natureza brindava-os. Eles agradeciam.

Tirou fotos às nuvens que iam tapando o Sol, embelezando o momento sagrado do ocaso. O dia despedia-se para que o novo dia, solstício de verão, pudesse chegar com todo o seu misticismo de outros tempos, de outras eras que ainda se mantém no presente.

Olhou o longínquo horizonte e deixou-se navegar içando as velas em direção ao futuro. Futuro que naquele instante era por ele vivido, ali, na areia da sua praia, frente ao mar de velhas amizades. Preparava-se a noite para abraçar, o final da última tarde desta Primavera de altos e baixos meteorológicos. Navegando, buscou a ausência que andando ausente é sua companhia, ali frente ao mar, no final de tarde, na Consolação sem nortada.

Voltou para casa acompanhado da ausência. A Sacha logo o recebeu aguardando que ele a presenteasse com um biscoito.

Deixou-se dormir cedo e cedo se levantou. Um hábito que virou rotina nos seus dias. Consultou na net as marés. Não dava para andar na areia molhada. Ainda faltava muito para a maré baixa. Aguardou a chegada das sete da manhã, para saírem no passeio matinal. A manhã fresca pedia um agasalho.

Caminharam em direção à praia, para usando a passadeira irem até ao Largo do Forte que é também o Largo da Igreja. O Forte mandado construir por D. João IV após a reconquista da independência em 1640, teve como finalidade a vigilância e defesa da costa. É um marco na Consolação. Para norte se estende o areal até ao Molho Leste do Porto de Peniche. Para Sul são as rochas que chamam muitos veraneantes para ali apanharem os benditos banhos-de-sol que lhes permitirá diminuir as dores reumáticas que a vida lhes trouxe. Se a Norte o areal é ladeado por um extenso sistema dunar, a Sul predomina o promontório de rochas instáveis pela sua sedimentação ao longo de séculos, que nos últimos anos se vem degradando, colocando alguns irresponsáveis em perigo ao não respeitarem os avisos de perigo de derrocada. Como em muitas outras situações o colocar Avisos não resolve problema algum, apenas serve para os poderes responsáveis fugirem a previsíveis responsabilidades caso ocorra um acidente. É o passar da bola, o lavar das mãos como o tal Pilatos, tão usual no nosso sistema de governação das coisas públicas.

Andando, chegaram ao Porto Batel, a sua praia de juventude no fundo da arriba, porto de abrigo onde as nortadas não incomodavam. Hoje, ainda mais que no passado, está abandonado à sorte meteorológica dos ventos e das marés. Marés que não deixam de subir com as alterações climatéricas que o sistema de exploração consumista acelerou. Salvam a sua existência os amantes do surf que na fronteira entre o Porto Batel e o Porto da Freira procuram encontrar as ondas perfeitas para satisfação do seu prazer. Vêm de longe, até de outros países, nas suas viaturas, amantes que são da Natureza, indiferentes às inexistentes infraestruturas de apoio. A onda perfeita tudo compensa, tudo faz esquecer. São os amantes solitários do surf que lhe afloram uma pontinha de ciúme, por na sua juventude tal prática de desporto-prazer ser desconhecida. Depois de ali, no fundo da arriba, ter conversado as suas falas com o além sagrado, voltaram a subir a instável arriba, dirigindo-se para casa. O Sol já aquecia, brindando o mar de vários tons azuis. No horizonte, para noroeste, o arquipélago das Berlengas . Para o Sul, o céu azul permitia ver o escondido S. Bernardino, Areia Branca e mais além talvez Santa Cruz. Manhã bonita a deste dia, solstício de Verão.

As obras no Forte levam anos. Já aquando da apresentação do projeto inicial, procurou chamar a atenção que a parte subterrânea não estava considerada para aproveitamento daquela infraestrutura que nasceu para defesa e vigilância da costa. Conheceu o Forte. Seu pai, no tempo em que prestou serviço no Posto da Guarda Fiscal era o depositário da chave do mesmo. Todos os anos ao chegar o Verão e antes das freiras virem para o mesmo a banhos, o seu pai mandava limpar as instalações. Foi acompanhando o pai que conheceu as catacumbas, quartos tipo celas, existentes no subterrâneo do Forte. Hoje, não sabe, se o próprio projeto inicial ainda se mantém ou se já sofreu alterações. Desiludido, pouco se importa com o que venham a fazer. Gastaram, e muito bem, milhões na defesa da arriba junto ao Forte e nas casas existentes por cima da mesma. Casas com muitos anos de existência. Mas ao não consolidarem totalmente bem, a arriba que suporta o muro do Largo, vai o mesmo inclinando-se ameaçando vir a cair. Mais uma cerca metálica avisando do perigo de derrocada e umas fitas a isolar aquele bocado de muro. As Cercas metálicas já perderam a cor, as fitas há muito que voaram com a ação do vento. Só as pedras do muro se mantêm na sua inclinação. Os anos passam e o muro lá está inclinando-se… até ao dia em que nem a Nossa Senhora da Consolação lhe valha.

Com a idade, com os erros de juventude, as articulações começam a enferrujar e o melhor é não aumentar a oxidação das mesmas. Foi feliz naquele mar de águas frias e transparentes, sem as algas verdes indicadoras de alterações na sua qualidade. Hoje limita-se a saborear as recordações vividas olhando-o, ouvindo-o e desfrutando a sua magnificência poderosa.

Gosta de saber que a praia tem bandeira azul, embora esta coisa pouco lhe diga. Foi mais uma invenção das gentes bruxelianas para nos convencerem que as águas já não estão tão poluídas como na verdade estão. A poluição é consequência dos maus desperdícios que o desenvolvimento económico e social consumista provocou e provoca na Natureza. Se pouco liga à bandeira azul, menos ainda à designação de ouro por parte da Quercus. Todos sabemos que não há almoços grátis. Tudo tem um preço e sempre há quem pague. A praia tem a tal bandeira azul, e a tal designação de ouro. A juntar estas tão honrosas designações tem a praia a céu aberto uma vala de esgoto, que corre ao lado da antiga fonte, até se infiltrar na areia a poucos metros do mar, aguardando que as marés grandes de inverno possam levar a porcaria que nela se acumula. Quantos milhares de euros recebeu o Município de Peniche ao longo dos anos a Fundo Perdido por parte do Estado e da C.E.E. agora designada de União Europeia, para tratar do saneamento básico das suas terras? Será que a Consolação não pertence ao Município? Ou, como pode o Município ter aquela vala de maus cheiros a céu aberto, quando publicita as suas bandeiras azuis e designação ouro, incluindo nelas a Consolação?

Peniche é mais um exemplo vivo de que o desenvolvimento do Turismo não passa de uma falácia. O surf trouxe muita gente para o concelho. Gente que veio e vem de fora de países distantes. A economia do Município beneficiou com o desenvolvimento do surf, mas onde está de modo visível a riqueza, o valor acrescentado, criado pelo Turismo? O mar oferece condições para a prática do surf. Escolas de surf apareceram como cogumelos, mas, o Município e em especial a cidade, dentro das suas muralhas vai ano a ano ficando mais pobre aos olhos de quem conheceu a força da sua economia nos anos sessenta do século passado. As opções erradas tomadas pelos executivos municipais ao longo dos anos estão à vista de quem não vivendo lá, gosta da terra das suas gentes que o viram e ajudaram a crescer. 

 

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