Recebi
carta com fatura da água e o habitual cartão de Natal que o senhor
Presidente do Município nos envia ano após ano.
Ano
após ano os mesmos votos de "Feliz Natal e Próspero Ano Novo".
Inicialmente gostei, achei simpático. Depois com o passar dos anos
fui deixando de o ler à medida que a minha insatisfação aumentava
pela forma como o Município é gerido numa desigualdade de
tratamento gritante entre as várias povoações, havendo populações
de primeira classe e outras de terceira abandonadas à sorte do
tempo.
Porém,
este ano li mais do que várias vezes a frente e o verso do cartão
que recebi.
Li,
porque um Presidente que se apresenta como figura principal do
Partido Socialista no Município, que no período pré-eleitoral
subscreveu pelo Município um seguro de saúde privado promovendo-o
junto dos munícipes recenseados como "complementar" ao SNS
na ânsia de poder manter a maioria absoluta que há muitos anos o
partido desfruta no Município, podia neste Natal, neste início de
novo mandato ter um discurso um pouco diferente. Enganei-me.
As
frases são as habituais do marketing político natalício.
A
mensagem natalícia ignora os problemas maiores dos cidadãos que
residem e resistem no Município, impedindo que muitos outros possam
voltar às suas origens, para não falarmos dos que desejam sair das
cidades grandes em busca de melhores condições ambientais de vida e
que efetivamente a gestão autárquica do Município não oferece por
incapacidade política dos seus órgãos na região.
Diz
o sr. Presidente no início da sua mensagem que: - "O Natal deve
ser vivido com espírito de alegria, esperança e amor"
desejando no final: - "... Um ano de 2022 com muita paz e
saúde!". Que Esperança podem ter os munícipes de um Município
envelhecido onde até o Centro de Saúde da sede de concelho fecha
por falta de médicos?
Que
Esperança podem ter os aldeões resistentes se nas Extensões de
Saúde existentes nas diversas aldeias e freguesias há muito que
aguardam a visita de um médico.
Que
Esperança… ? Que Saúde sr. Presidente em meios humanos oferece o
Município aos que lá residem?
Um
Seguro de Saúde Privado em carrinhas utilizando meios públicos e
privados locais? Não obrigado, sr. Presidente.
É
este modelo de Saúde que o seu Partido defende para os cidadãos do
interior raiano? Não acredito, nem quero acreditar, sr. Presidente.
Este
ano vou guardar o cartão com a sua mensagem natalícia. Guardo-o não
por lhe estar grato, mas sim para memória futura, porque não há
mal que sempre dure.
Os
meus pais, enquanto funcionário público, sempre viveram o Natal
longe da terra onde nasceram e cresceram. Conheço a tradição
ancestral do madeiro no largo da Igreja. Mas os nossos Natais
familiares, éramos quatro e muitas vezes só três porque o meu pai
estava de serviço, a noite da consoada era passado a fazer as
filhoses tradicionais que na cidade chamam de coscorões. Enquanto se
fritavam no azeite a minha mãe ia cantando as cantigas tradicionais
da sua juventude (Zebreira, Salvaterra do Extremo e Segura) ao
nascimento do Menino Jesus. Depois, terminada a tarefa de colocar o
açúcar com canela nas filhoses, íamos para a cama colocando os
sapatos na chaminé para na manhã seguinte recebermos as peças de
roupa nova que o dinheiro era curto.
Hoje,
já não sou deste Natal consumista de palavras feitas, de árvores e
pais natal da Coca-Cola americana. Passo ao lado respeitando o Natal
dos outros.
Se no
ano passado aqui lembrei palavras do Padre Felicidade Alves, este ano
recordo palavras do Bispo Dom Hélder Câmara, - "Se, para o
capitalismo, o lucro é o motor essencial do progresso económico,
que é que os países subdesenvolvidos podem esperar dos países
capitalistas, para além das migalhas que caem das mesas dos
banquetes?" in Poemas de Natal, livro que comprei à 24.12.1971
na Livrelco em Lisboa.