domingo, 12 de dezembro de 2021

21.12.08

O dia começou frio quanto baste. Um frio que o vento tornava mais agreste. Depois de almoço o Sol ficou encoberto e o corpo a pedir mais agasalhos. Fui visitar um amigo e quando regressei a casa já era noite. Não acendi a salamandra.

Nesta noite fria escrevo com uma manta sobre as pernas. Escrevo, onde me habituei a começar as minhas conversas com a minha sombra, no meu telemóvel.

Uso o telemóvel para falar ao telefone, tirar fotos, escrever e jogar por vezes o velho solitaire. Ah, também é nele que vejo as primeiras páginas dos jornais quando me levanto e vou para a casa de banho.

Nestes dias tenho pensado em vocês mais que o habitual. A razão prende-se com o fazer do azeite. Bem procuro na memória dados sobre a quantidade da azeitona que vocês apanhavam entre os chões da Horta, da Vinha e de Segura. Na minha cabeça bailam os trezentos quilos, mas duvido desse número embora não me recordo de quantos quilos apanhavam. Penso que num ano fizeram 30 litros. Vejo a mãe a experimentar logo a qualidade do azeite que o pai trazia do lagar, reclamando quase sempre pelo mesmo não ser das nossas azeitonas mas era a forma de trabalhar do lagar, tantos quilos de azeitona entregue após o desconto normal da "maquia" fundindo a mesma a um valor estabelecido pelo lagareiro, recolhendo quase de imediato a quantidade de azeite que estava a sair na bica. Vem-me à memória as nossas conversas pai quando te visitava no lar e tu muitas vezes demonstravas o teu receio de que a casa e o chão da Horta ficassem ao abandono. Sabias da minha situação económica, sabias que o mano tinha a sua vida bem organizada por Coimbra e não me vias capaz de ficar com estes bens porque tinha de dar tornas ao meu irmão. Tu que sempre soubeste ler os meus silêncios tinhas dúvidas e medos. Pelos teus medos de que os teus filhos pudessem deixar os bens ao abandono, depois da mãe falecer vendeste o chão da Vinha, já que o da Malhada dos Poços o vendeste ainda a mãe era viva. Nessas nossas conversas lá ia dizendo que eu não iria deixar isto ao abandono e tu tinhas as tuas dúvidas legítimas pois sempre me conheceste melhor do que eu me conheço a mim mesmo. Quando terminaste esta tua viagem o mano confiou e disse-me para eu tratar de todas as burocracias. Assim fiz. Nas finanças e na conservatória fiz-me até herdeiro dos quartos correspondentes aos teus sobrinhos sobre o chão de Segura. Fi-lo com conhecimento desinteressado dos mesmos, excepto da Olga. Depois acordei com o Provedor da Santa Casa da Misericórdia de Segura e fizemos a doação do terreno como era teu desejo. Mandei-lhes cópia da escritura de doação mas nenhum me perguntou quanto gastei, pois até a escritura de doação fui eu que paguei pois o Provedor dizia que a mesma não tinha fundo para pagar tal valor. Acordei com o meu irmão o pagamento mensal de uma verba até perfazer a metade do valor da casa que a avaliação bancária fez quando lhe pedi um empréstimo para fazer as obras mais urgentes. Andava eu cá e lá quando um dia me procuram por saberem que a mãe era sobrinha do tio João Capelo. O casal em causa levava os dois terrenos restantes da herança após o falecimento da tia Isabel, ou seja o Chão da Eira e o da Balasca. O da Eira sabia onde era com as paredes do palheiro a caírem por desmazelo. Balasca era um nome familiar mas não fazia ideia nenhuma onde e como era. Falando com o meu amigo Zé logo este me disse que se ficasse com aquele chão que faria todos os anos azeite para mim e para as filhas, indo logo mostrar-me onde o mesmo se encontra. Há muito que nem o terreno nem as oliveiras eram cuidadas. Dei autorização ao António de alcunha "caga cornos" de poder usar o terreno para as suas ovelhas como já fazia no Chão da Horta com a contrapartida de lavrar o mesmo e cuidar dos muros eliminando a praga das silvas. Paguei no inverno seguinte a limpeza das oliveiras e se no ano passado não houve azeitona este ano já lá colhi azeitonas para o azeite. Foi um ano de tanta azeitona que ao colher também as oliveiras da Horta da Corona do primo António Moreira nem fui ao Chão da Horta apanhar as nossas oliveiras já que no total da Horta da Corona e Balasca fiz 1.019 quilos e nem todas as oliveiras foram colhidas. Como o lagar da Zebreira não abriu ao público, o meu amigo Zé que me ajudou e ensinou na apanha, fomos fazer o azeite para Monforte da Beira onde o azeite recolhido é o produto final da azeitona que cada cliente entrega, trabalhando com duas alternativas à escolha do cliente que ou entrega a azeitona da "maquia" estipulada ou paga um valor fixo de euros por cada quilo de azeitona entregue. Optei por esta última. Os 1.019 quilos renderam 187 litros de azeite com uma acidez de 0,4 graus. Por onde vocês, pai e mãe, andarem devem estar contentes por nos terem criado e educado demonstrando que os sacrifícios que os pais fazem pelos filhos sempre podem dar frutos. Se a saúde não me faltar para o ano cá estarei para nova colheita e ir de novo a Monforte da Beira onde o azeite que trazemos é das azeitonas que colhemos, como a mãe sempre desejou reclamando. Ao chegar a casa provei-o no pão como aprendi com os espanhóis e se a cor é de ouro o sabor é divino com as azeitonas bical e cordovil a sobreporem-se às restantes.


Sem comentários:

Enviar um comentário

Nota: só um membro deste blogue pode publicar um comentário.