quarta-feira, 15 de dezembro de 2021

21.12.15

15.12.1972

São quase seis da manhã. Lá fora ainda domina o escuro da noite. Sentado na cama penso no que estaria a fazer naquele dia a esta hora. Talvez tivesse a tomar banho ou a fazer a barba. Talvez já tivesse em cima da cama a farda preparada para a vestir e as botas engraxadas ao fundo da cama no quarto do anexo da Pensão Laranjeiro. O meu camarada de quarto já tinha partido na semana anterior quando os da 1ª Companhia embarcaram. Só eu restava naquele anexo da Pensão.

Tinha chegado o dia que os mandantes da guerra tinham destinado para a partida da 2ª Companhia.

Dirigi-me depois sozinho a pé pelas ruas da cidade até ao Forte de Santiago da Barra carregando comigo todos os medos que a dúvida da incerteza produzia numa mistura de um ódio que desconhecia existir em mim. De velho Forte junto à Foz do Lima partiríamos perfilados até ao cimo da Av. dos Combatentes da Grande Guerra onde o comboio nos esperava para nos trazer diretamente até Santa Apolónia. Chegámos a Lisboa no final da tarde, partindo de imediato em viaturas militares para o Regimento de Engenharia ao Campo Grande onde seria servida a refeição do jantar.

Por duas vezes nesta viagem olhei a casa nos Olivais onde ela estaria nas suas lides do dia a dia caseiro sem imaginar a viagem que o seu menino mais novo estava a fazer. Por duas vezes guardei as lágrimas lacrimais para que os outros não as vissem. Por duas vezes senti as lágrimas da revolta dentro do peito, não já do medo mas da revolta contra o poder anacrónico dos que em grandes palácios nos mandavam para uma guerra sem futuro, onde o ideal se resumia à crueldade do, "tenho de matar antes que me matem a mim".

Jantei nesse dia na Churrasqueira do Campo Grande com o meu irmão acompanhado do Dias e do Aguiar furriéis do meu grupo de combate.

À hora certa saltamos para as viaturas militares em direção ao aeroporto do Figo Maduro para o embarque.

Lá longe, muito longe nas desconhecidas terras angolanas jovens um pouco mais velhos que nós esperavam que chegássemos para eles poderem regressar às suas terras, às suas famílias.

Triste vida a do Zé Soldado, triste futuro das várias gerações dos jovens portugueses durante a cruel ditadura Salazarista apadrinhada por uma igreja católica apostólica romana saudosa de velhos hábitos.

 

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