Corria
o ano de 1962 quando no final desse ano o casal com os seus dois
rapazes chegou à aldeia, indo de uma outra aldeia pouco religiosa do
concelho.
Duas
razões justificaram a mudança: o pai em busca de amenizar os
ataques de asma com a mudança de ares, e o facilitar a vida aos dois
filhos pois o caminho a fazerem de bicicleta para a Escola seria mais
curto e plano.
Assim,
viveram enquanto os filhos estudavam na Escola Industrial e
Comercial, os dois no Curso Geral de Comércio.
Era
a aldeia um núcleo populacional pequeno e religioso, onde aos
domingos iam à missa, e durante o mês de Maio quando o horário da
escola permitia o mais novo participava no terço à Senhora de
Fátima pela conversão da Rússia comunista.
Tinham
os dois irmãos a vantagem sobre os outros rapazes da aldeia o facto
de o seu pai ser Guarda Fiscal não tendo por isso que ajudar nos
trabalhos do campo, restando a obrigação de terem dias para regarem
a pequena horta e apanhar as ervas do campo para os coelhos que os
pais criavam para o sustento da família. Tirando essas pequenas
obrigações, terminando os exames que todos os anos o curso geral do
comércio tinha, os dois rapazes viviam a liberdade dos três meses
de férias na praia, só interrompidos quando nalgum ano iam visitar
os avós que moravam quase na fronteira. Aprenderam os irmãos a
conhecer o mar, na praia concessionada ou na praia da aldeia, uma
pequena enseada na costa rochosa sem vigilância marítima.
O
mais velho dos irmãos nunca tinha frio e a nadar mar adentro
perdia-se de vista. O mais novo, mais friorento naquelas águas era
mais comedido, nunca se aventurando como o irmão.
As
pessoas da aldeia eram bastante religiosas e crentes. Os seminários
católicos serviram para alguns dos jovens da aldeia poderem estudar,
o que de outro modo lhes seria muito difícil ou mesmo impossível
pelas condições económicas dos seus pais. A comunidade dos mais
antigos viu desse modo a ordenação de três padres naturais da
aldeia, de diferentes idades, exercendo o sacerdócio em paróquias
diferentes. Pela aldeia e pelo concelho andava um padre Franciscano.
Dos
sacerdotes, o que celebrava em Lisboa, tinha lá a sua casa,
costumando passar o mês das férias por lá, acompanhado quase
sempre por um outro padre e pela sua secretária, a qual deixava os
homens mais velhos com olhares de inveja.
Num
dia de verão, teriam os irmãos os seus catorze e quinze anos, como
a nortada era forte em vez de irem à tarde para a praia foram para a
pequena enseada na fronteira com o designado Corri-Água que era o
local onde havia alguma areia. Não havia muitas outras pessoas por
lá, apenas um ou dois amigos estavam com eles. Nessa tarde também
os padres acompanhados da secretária foram até lá, ficando
afastados logo no início da pequena enseada, já eles e os amigos se
preparavam para irem ao banho. Como acontecia, o mais velho dos
irmãos calmamente foi mar adentro, perdendo-se de vista. Ele e os
amigos tomaram banho, secaram-se ao sol e vieram embora ainda o irmão
andava no mar. Os padres e a secretária, julgando-se sozinhos,
estavam à vontade naquele pequeno paraíso.
Só
que o mais velho dos irmãos chegou do banho pelo Corri-Água fora da
vista dos padres, e, quando chega e olha vê o padre e a secretária
aos beijos, escondendo-se atrás das rochas ficou a observá-los,
vestindo-se quando eles saíram subindo a rampa veio atrás deles
sempre à distância para não ser detetado. Pelo caminho o padre e a
secretária continuaram nas carícias abençoadas, que na má língua
se diz "marmelada", até que o outro padre que seguia atrás
virou-se para trás e viu o mais velho dos irmãos, tossindo de
imediato alertou os "amantes" que de imediato se
comportaram como cidadãos tementes cumpridores dos mandamentos da
santa madre Igreja, já que nem de outro modo poderia ser.
O
rapaz, mais velho dos irmãos, ao chegar a casa zangado, talvez mesmo
revoltado, logo disse à mãe que não ia mais à missa, que não o
podiam obrigar a ir, contando à mãe toda a cena vergonhosa que
tinha visto. A mãe acreditando no que o seu filho lhe contou ainda
falou com duas outras mães com quem tinha mais confiança, e as duas
aconselharam-na a ficar calada, pois ninguém ia acreditar que o
senhor padre fizesse uma pouca vergonha daquelas. Quando um dia numa
conversa com outros fez referência ao que tinha observado, logo um
homem mais velho o ameaçou de porrada.
A
mãe seguiu o conselho das amigas, calou-se. O filho deixou não só
de ir à missa como de acreditar na religião.
Ele,
sempre que passa na aldeia e vê o busto do padre no largo da Igreja,
lembra imediatamente da história do padre com a secretária e de
como ninguém da aldeia iria acreditar ou acredita no que o seu irmão
presenciou de verdade.
Há
verdades que são proibidas pela própria comunidade que se recusa a
ver, acreditando até à morte naquilo que não veem mas que padres
e bispos lhe dizem, sejam eles de qualquer um dos ritos religiosos
existentes nas sociedades atuais.
É,
assim com verdades que foi presenciando, mas sempre recusadas pela
maioria, que se tresmalhou, recusando-se a integrar qualquer rebanho
que siga o chefe.
Ao
exemplo verdadeiro anterior pode-se juntar as moças que ficam
grávidas do padre da paróquia com os fiéis praticantes ou não a
de imediato apontarem o dedo à futura mãe solteira, como se fosse
ela a única e única culpada de ter tentado o senhor padre a pecar.
Foram
séculos de domínio eclesiástico apostólico romano numa
exclusividade ditatorial durante 285 anos de Inquisição e Santo
Ofício, a que há que somar os 48 anos da santa aliança ditatorial
Salazar-Cerejeira, a formatar e a parametrizar cabeças e modos de
vida.
Ainda
há burgueses intelectuais que se auto proclamam de democratas a
viverem com medo que o Partido Comunista possa alguma vez ser governo
numa paróquia destas.