sábado, 11 de março de 2023

22.12.30

 

Depois de almoçar, vestiu-se, penteou o que vai restando do cabelo, saindo para ir à cidade grande renovar o passe social dos antigos combatentes. 

Apanhou o comboio urbano, depois o metro saindo na Baixa Chiado optando por sair em direção à Rua do Crucifixo e fazer o caminho até à Estação do Rossio a pé e devagar. Já há uns meses largos talvez mesmo mais de um ano que não fazia aquele trajeto tantas e tantas vezes palmilhado quando jovem estudante e depois trabalhando na Baixa de Lisboa. 

Levava consigo a sua pequena máquina fotográfica Olympus. Ao chegar à Rua Áurea não sentiu nenhuma vibração pelo que a pequena máquina ficou no fundo da mochila e de lá não saiu na tarde de ontem. A quase totalidade das antigas lojas já não existem, mudaram de ramo ou simplesmente fecharam, alguns prédios com os tapumes das obras, apenas a bicha dos turistas para subirem no elevador de Santa Justa se mantém quase inalterável com o passar do tempo. Na Praça D. Pedro IV conhecida por Rossio cheia dos novos restaurantes com esplanadas, viu turistas nas esplanadas a comerem camarão de aquacultura a preço de selvagem. Só um único vendedor de castanha assada perfumava o ar com o bom cheiro cheiro da mesma. Subiu pelas escadas rolantes até à estação dos comboios onde está o gabinete de apoio ao cliente. Aguardou na fila e já não é preciso apresentar a anomalia do comprovativo fiscal de residência. 

No átrio superior da estação resolveu subir a íngreme Calçada do Carmo que tantas vezes subiu algumas a correr porque o comboio se tinha atrasado e a hora das aulas começarem era sagrada; agora do lado direito de quem a sobe o passeio já esta em escada, facilitando de que maneira a subida e a descida da mesma. À medida que ia subindo observava as novas lojas, dos antigos antiquários de livros só um resiste. No Largo do Carmo lá estava o soldado da Guarda Republicana todo emproado com os turistas a captarem o momento nos seus telemóveis e máquinas fotográficas. Seguiu pela Rua da Trindade decidido a ir à Cervejaria Trindade beber uma imperial preta. Pelo caminho mais esplanadas no passeio. A parte da Rua Nova da Trindade que sai do Largo Trindade Coelho até ao Largo da Trindade está fechada ao transito, e, mais restaurantes com esplanadas. Bebeu a sua imperial preta na Cervejaria da Trindade que ainda coloca um pires de tremoços quando a servem. Gostou de como a mesma está agora. Em frente do outro lado da rua já não existe a Fabrica de Cofres da Trindade onde trabalhou uns anos. Mais acima a Livraria Cotovia onde chegou a comprar livros e Lp´s está abandonada. No Largo Trindade Coelho salvam-se a igreja de S. Roque e a Misericórdia de Lisboa, assim como o quiosque, o resto tudo diferente, bares e hotéis. Desceu a Rua da Misericórdia em direção ao Largo do Camões. Até a velha casa de cafés Carioca mantendo a fachada já não é a mesma. As igrejas pelo menos ainda são as mesmas a Nossa Senhora do Loreto e Nossa Senhora da Encarnação, que durante alguns anos a viu fechada mas agora pensa que os jesuítas a ativaram de novo ao culto religioso. Não viu a estátua do Luís de Camões tapada que está por uma destas bolas enormes que os novos senhores gostam de colocar nas praças publicas. Não gostou, não achou graça ao taparem a estátua do Luís Vaz de Camões com aquela bola enorme de ideias importadas de outros países. Ainda atravessou para do lado da igreja Nossa Senhora da Encarnação para olha-la mas também daí não a viu. Olhou e viu ao cimo da Rua da Horta Seca parte do edifício na Rua das Chagas esquina com a Travessa do Sequeiro, onde durante três anos estudou Contabilidade no velho Cortiço, hoje ocupado pelos senhores do “The Boston Consulting Group”. Como não viu o Camões passou e cumprimentou primeiro o velhinho António Ribeiro Chiado e depois o Fernando Pessoa sempre rodeado de turistas talvez mais interessados em tirar uma foto do que o lerem. Ao passar pelas esplanadas da Brasileira parou por momentos para olhar a nova geração que por lá anda seguindo com a boa sensação de que as moças do seu tempo eram mais bonitas e graciosas e contente por ter vivido naquele tempo, desceu a Rua Garrett no meio da multidão e quase sem dar por isso estava de novo na estação do metro da Baixa Chiado para iniciar o regresso a casa.

Tudo na vida muda. Tem consciência dessa realidade que também passa por si, sentindo-se não um saudosista porque só sente saudade do futuro mas reconhecendo que dia a dia vai ficando mais conservador em muitos aspetos, sentindo-se como que ausente na cidade que um dia o viu nascer, que o viu sair ainda menino para mais tarde o acolher de novo.

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