quinta-feira, 16 de março de 2023

28.01.23

Frio. Esta noite fez frio. Diz-lhe o seu aparelho de comunicação que lá fora está 1 grau. Sente-o. Acordou cedo, foi à casa de banho, lavou-se e para fazer tempo sentou-se na cama, subiu o termostato do aquecedor a óleo, viu que ainda não tem visíveis as primeiras páginas dos jornais e escreve, vendo que a bateria já deu sinal de que precisa de ser carregada. A Sacha já está deitada ao fundo da cama. São seis e um quarto, lá fora ainda a noite domina a madrugada.

Como acontece quando volta a casa neste tempo de inverno a mesma está fria, falta-lhe o calor humano para se tornar mais aconchegante, já que os espíritos desencarnados que por cá possam andar não a aquecem. Pouco se importa, sabendo por experiência que a casa desabitada enche-se de solidão, o frio gelado das suas paredes são lágrimas frias do medo que tem em ficar abandonada, como tantas estão aqui na aldeia. Há ruas onde ao passar se sente o choro frio das mesmas. Casas que em outros tempos foram abrigo de famílias numerosas que a evolução da vida e não do tempo deixou vazias, abandonadas, algumas desmoronando-se de tanto sofrerem com a sua tristeza.

A dureza incerta da vida nestes campos levou-lhes a alegria para outras terras da beira-mar, das cidades grandes onde encontraram melhores condições de trabalho. Muitos arrastam-se por lá indiferentes às suas origens, criaram novas raízes, novos amigos e familiares, outros porém até fizeram reabilitação das suas casas familiares para virem à terra uma ou outra vez nas alturas festivas. De novo a evolução, agora mais da sociedade que da vida, criou-lhes novos hábitos, novas ilusões para a felicidade, ficando a terra sempre mais distante, porque dizem depois, que não há condições para as pessoas e os jovens se divertirem, não há um restaurante, um cinema, uma discoteca etc, ou seja, na cidade grande já perderam o conto aos dias em que não vão a um cinema, porque a televisão lhes dá tudo, mas no desertificado interior era necessário. Restaurantes e discotecas existiriam se houvesse pessoas, gente que cá vivesse, mas para isso é preciso aquilo que ao longo da história não tem existido, ou seja, investimento público que impulsione o investimento privado que garantisse trabalho remunerado, não a doença crónica dos subsídios, mas trabalho remunerado que o campo dificilmente tem condições de remunerar, apenas a indústria o poderá fazer. Mas onde estão os apoios efetivos a essas indústrias criadoras da oferta de trabalho remunerado? Que fazem os governantes e autarcas municipais? As Juntas de Freguesia não tem condições para inverter a desertificação das suas povoações, só o poder central poderia lutar contra essa doença crónica do país, mas eles só se lembram de Santa Bárbara quando fazem trovões e precisam dos votos em urna.

Vêm os políticos governantes visitar o interior anunciando obras públicas já antes em anos e governos anteriores anunciadas, prometidas. Algumas dessas promessas agora ditas a realizar são falácias por nada contribuírem, antes pelo contrário, para a riqueza e desenvolvimento deste interior abandonado à sorte das suas gentes trabalhadoras. A barragem do Alvito no Rio Ocreza de novo prometida tem nova configuração, menor capacidade mas que se faça já ontem porque hoje já é tarde. O famigerado IC31 ou A… qualquer coisa, irá ter mais estudos de impacto ambiental em alguns troços, o que como se sabe é a maneira mais fácil de se empurrar para a frente a sua realização, que até é discutível como investimento a favor do desenvolvimento, pois o seu grande benefício será para o transito rodoviário entre Lisboa e Madrid, se não houver pagamento de portagens, caso contrário a R240 continuará a ser utilizada por muitos dos camiões que hoje fazem esse intercâmbio comercial entre os dois países ibéricos.

Para o desenvolvimento do interior, mais do que gastar milhares ou milhões em betão e alcatrão em estradas que só enriquecem os bancos e as grandes empresas construtoras, é necessário o governo central ter coragem política e saber fazer a implementação de uma política fiscal diferenciadora para a região que potencie a criação de riqueza pela fixação de empresas transformadoras, mais do que prometer apoios em subsídios com os dinheiros dos interesseiros da «PAC-UE», pois já levamos muitos anos na U.E. e os resultados dessas faladas ajudas estão à vista na continua desertificação das pessoas em idade de trabalho e consequente abandono dos campos de cultivo tradicional, agora à mercê das grandes plantações intensivas e super intensivas, presumivelmente inimigas do eco-sistema e da biodiversidade da região.

Que a abençoada chuva possa regressar depressa, não só para amenizar este frio de geadas, como também para regar os campos que já rezam por ela necessitando dela para a sua reabilitação produtora de bens.

 

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