segunda-feira, 20 de março de 2023

08.03.23

Corria o ano de 1962 quando no final desse ano o casal com os seus dois rapazes chegou à aldeia, indo de uma outra aldeia pouco religiosa do concelho.

Duas razões justificaram a mudança: o pai em busca de amenizar os ataques de asma com a mudança de ares, e o facilitar a vida aos dois filhos pois o caminho a fazerem de bicicleta para a Escola seria mais curto e plano.

Assim, viveram enquanto os filhos estudavam na Escola Industrial e Comercial, os dois no Curso Geral de Comércio.

Era a aldeia um núcleo populacional pequeno e religioso, onde aos domingos iam à missa, e durante o mês de Maio quando o horário da escola permitia o mais novo participava no terço à Senhora de Fátima pela conversão da Rússia comunista.

Tinham os dois irmãos a vantagem sobre os outros rapazes da aldeia o facto de o seu pai ser Guarda Fiscal não tendo por isso que ajudar nos trabalhos do campo, restando a obrigação de terem dias para regarem a pequena horta e apanhar as ervas do campo para os coelhos que os pais criavam para o sustento da família. Tirando essas pequenas obrigações, terminando os exames que todos os anos o curso geral do comércio tinha, os dois rapazes viviam a liberdade dos três meses de férias na praia, só interrompidos quando nalgum ano iam visitar os avós que moravam quase na fronteira. Aprenderam os irmãos a conhecer o mar, na praia concessionada ou na praia da aldeia, uma pequena enseada na costa rochosa sem vigilância marítima.

O mais velho dos irmãos nunca tinha frio e a nadar mar adentro perdia-se de vista. O mais novo, mais friorento naquelas águas era mais comedido, nunca se aventurando como o irmão.

As pessoas da aldeia eram bastante religiosas e crentes. Os seminários católicos serviram para alguns dos jovens da aldeia poderem estudar, o que de outro modo lhes seria muito difícil ou mesmo impossível pelas condições económicas dos seus pais. A comunidade dos mais antigos viu desse modo a ordenação de três padres naturais da aldeia, de diferentes idades, exercendo o sacerdócio em paróquias diferentes. Pela aldeia e pelo concelho andava um padre Franciscano.

Dos sacerdotes, o que celebrava em Lisboa, tinha lá a sua casa, costumando passar o mês das férias por lá, acompanhado quase sempre por um outro padre e pela sua secretária, a qual deixava os homens mais velhos com olhares de inveja.

Num dia de verão, teriam os irmãos os seus catorze e quinze anos, como a nortada era forte em vez de irem à tarde para a praia foram para a pequena enseada na fronteira com o designado Corri-Água que era o local onde havia alguma areia. Não havia muitas outras pessoas por lá, apenas um ou dois amigos estavam com eles. Nessa tarde também os padres acompanhados da secretária foram até lá, ficando afastados logo no início da pequena enseada, já eles e os amigos se preparavam para irem ao banho. Como acontecia, o mais velho dos irmãos calmamente foi mar adentro, perdendo-se de vista. Ele e os amigos tomaram banho, secaram-se ao sol e vieram embora ainda o irmão andava no mar. Os padres e a secretária, julgando-se sozinhos, estavam à vontade naquele pequeno paraíso.

Só que o mais velho dos irmãos chegou do banho pelo Corri-Água fora da vista dos padres, e, quando chega e olha vê o padre e a secretária aos beijos, escondendo-se atrás das rochas ficou a observá-los, vestindo-se quando eles saíram subindo a rampa veio atrás deles sempre à distância para não ser detetado. Pelo caminho o padre e a secretária continuaram nas carícias abençoadas, que na má língua se diz "marmelada", até que o outro padre que seguia atrás virou-se para trás e viu o mais velho dos irmãos, tossindo de imediato alertou os "amantes" que de imediato se comportaram como cidadãos tementes cumpridores dos mandamentos da santa madre Igreja, já que nem de outro modo poderia ser.

O rapaz, mais velho dos irmãos, ao chegar a casa zangado, talvez mesmo revoltado, logo disse à mãe que não ia mais à missa, que não o podiam obrigar a ir, contando à mãe toda a cena vergonhosa que tinha visto. A mãe acreditando no que o seu filho lhe contou ainda falou com duas outras mães com quem tinha mais confiança, e as duas aconselharam-na a ficar calada, pois ninguém ia acreditar que o senhor padre fizesse uma pouca vergonha daquelas. Quando um dia numa conversa com outros fez referência ao que tinha observado, logo um homem mais velho o ameaçou de porrada.

A mãe seguiu o conselho das amigas, calou-se. O filho deixou não só de ir à missa como de acreditar na religião.

Ele, sempre que passa na aldeia e vê o busto do padre no largo da Igreja, lembra imediatamente da história do padre com a secretária e de como ninguém da aldeia iria acreditar ou acredita no que o seu irmão presenciou de verdade.

Há verdades que são proibidas pela própria comunidade que se recusa a ver, acreditando até à morte naquilo que não veem mas que padres e bispos lhe dizem, sejam eles de qualquer um dos ritos religiosos existentes nas sociedades atuais.

É, assim com verdades que foi presenciando, mas sempre recusadas pela maioria, que se tresmalhou, recusando-se a integrar qualquer rebanho que siga o chefe.

Ao exemplo verdadeiro anterior pode-se juntar as moças que ficam grávidas do padre da paróquia com os fiéis praticantes ou não a de imediato apontarem o dedo à futura mãe solteira, como se fosse ela a única e única culpada de ter tentado o senhor padre a pecar.

Foram séculos de domínio eclesiástico apostólico romano numa exclusividade ditatorial durante 285 anos de Inquisição e Santo Ofício, a que há que somar os 48 anos da santa aliança ditatorial Salazar-Cerejeira, a formatar e a parametrizar cabeças e modos de vida.

Ainda há burgueses intelectuais que se auto proclamam de democratas a viverem com medo que o Partido Comunista possa alguma vez ser governo numa paróquia destas. 

 

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