Apareceste
na minha zona de Alverca no tempo em que eu me mudei para cá. Todos os dias te
via logo pela manhã, quando passeava com o meu amigo Master, só que tu “Serra”
logo fugias e evitavas o contacto, magra, sempre com o rabo entre as pernas
aumentavas teu passo e deixava-nos ficar para trás. Nesse tempo por entre carros
aparecia o “Cascão” gato de rua que não dando também a mão se mostrava mais
social apanhando sempre que podia uma réstia de sol. Que fazer?
No
Face vi a notícia do sapateiro de Vila Franca de Xira condenado por alimentar
cães chamados de vadios, ou seja cães sem dono, cães livres sem eira nem beira.
A revolta da situação fez nascer o sentimento de passar a alimentar-vos.
Alimentamos tantos “animais vadios” com os nossos impostos porque não vos dar
algo com carinho já que cá em casa já somos oito animais.
Para
o Cascão foi mais fácil pois logo se habituou e à hora certa lá está ele
debaixo do automóvel mais bem colocado à espera que lhe ponhamos a ração húmida
que os fidalgos cá de casa deixam.
Para
a Serra onde colocar se andava sempre andando? Era verão e passei a sair à
noite colocando a marmita junto a uma árvore a coberto do vento, até que um dia
te vi deitada na relva do outro lado da estrada N10, atravessei-a e não me
aproximando muito deixei-te a marmita que foste buscar logo que me afastei; voltei
a deixar a marmita junto à árvore porque ali o sistema de rega não atingia a molhava
e podias comer o que te deixávamos. Quase sempre de manhã tinha que atravessar
a N10 para ir buscar a marmita e assim se criou a nossa ligação.
E
nas férias como ia ser? Para o Cascão e para ti, Serra, encontramos solução.
Quando
regressamos o Cascão por cá continuava a horas mais ou menos certas e à comida
húmida juntamos uma dose de comida seca a horas diferentes a coberto da noite,
limpando tudo logo pela manhã. De ti, Serra, ouvi histórias, com o cio e uma
matilha de cães atrás chamaram o serviço camarário… mas nunca senti que te tivessem
apanhado; logo ao segundo dia pela manhã cedo te vi no meio da rua, olhaste-me,
meteste o rabo entre as pernas e seguiste teu caminho como sempre apressada.
Passei a encontrar-te por aqui e passei a ir colocar-te a marmita junto a uma
daquelas coisas aberrantes que colocaram para os animais defecarem (dinheiro
publico gasto inutilmente) onde outras pessoas também colocavam comida. À noite
antes de me deitar lá ia eu colocar a comida seca ao Cascão e a marmita a ti
Serra, que passaste a ser Linda depois de encontrar e falar com a Mena e com
outras pessoas que te alimentavam, embora deixasses muita da comida para o
bando de pombos. Ainda te tentaram apanhar colocando comprimidos na comida mas
sempre conseguiste fugir. A mulher da limpeza de rua dizia-me um dia que o teu
olhar era de quem tinha um dom, disse-lhe que sim que era o dom da Liberdade
depois de teres sido maltratada pelos possíveis donos, se é que alguém é dono
de alguém. Com as minhas idas, quer com o meu amigo quer sozinho, passei a
ficar imóvel para ti com calma, com paciência até que desistias e mudavas de
canteiro. Conheci-te vários companheiros de aventura pelas ruas, um em
especial, cão pequeno bem tratado, preto com as pontas das patas brancas, ponta
do rabo branca e uma circunferência branca à volta do focinho, companheiro que
logo passou a ter ciúmes do Master quando nos aproximávamos de ti. Uma noite vi
deixares a Mena fazer-te festas, falei com ela sobre como te colocar a trela já
que havia quem ficasse contigo. Não havia que ter medo, havia que ter calma,
paciência e tempo. Assim foi, deixei de te ver, de te encontrar no nosso caminhar
pela ruas e passei a ver o teu amigo preto sozinho ou com outro cão que de vês enquanto aparece por cá. Uma manhã fria vi vir na minha direção uma senhora
toda apressada, eu não a conhecia, não me lembrava de a ter visto, mas era
comigo que ela queria falar, era para me dizer que a Linda a Serra já estava
bem, já tinha casa em Alhandra tendo inclusive a Senhora Professora trazido
fotografias dela com um outro Serra da Estrela que ela tinha; que eu já não precisava
mais de levar comida, que ela e o seu marido sabiam que eu lhe levava comida. A
noite tem os seus segredos e naquela manhã feliz por ti Serra disse à senhora
que iria continuar a levar para os outros coitados sem eira nem beira. Agora
ando preocupado com o teu amigo que deixei de ver por cá, será que também
encontrou um lar, ou anda por novas ruas em busca de ti ou de um novo amigo
humano? Não sei, mas gostava de saber…
Quanto
ao nosso amigo Cascão continua a aparecer. Agora com a chuva deixou de ter hora
certa, mas os sítios por onde o vejo são os mesmos, sempre cuidadoso ao
atravessar passeios e a estrada. Às vezes segue-me na rua mas sempre à distância…
Será que um dia também vai deixar alguém fazer-lhe festas?
Vou
fechar o computador, está na hora de lhe levar a comida seca.