domingo, 9 de dezembro de 2012


Eu vim de longe, eu vou para longe, o que eu andei para aqui chegar…

Parado no sofá do meu barco, sinto-me sentado nas nuvens ao ouvir a exposição daquele senhor que dizem ser um iluminado estrangeirado que por azar meu e de muitos como eu, é o ministro do orçamento do meu País.
Se vim de longe porque parei aqui, é a minha dúvida, que mal fiz eu aos deuses para merecer tal sofrimento? Para onde me querem levar, não sei, só sei que não quero ir com eles, prefiro continuar a remar contra a maré…

Como vim de longe, sentado nas nuvens depois do atordoamento dos gráficos e da exposição confusa e omissa na verdade dos factos, vislumbrei o riso sarcástico do Prof. Marcelo Caetano «não gostavam das minhas conversas em família, pois tomem lá que este meu neto-afilhado ideológico vos vai tratar da saúde»

Mesmo na noite mais escura há sempre alguém que resiste, há sempre alguém que diz não mas vou sozinho no meu barco remando contra a maré, cansado das corporações que numa e na outra margem agitam bandeiras do pró e do contra… onde vais desaguar Portugal?



Apareceste na minha zona de Alverca no tempo em que eu me mudei para cá. Todos os dias te via logo pela manhã, quando passeava com o meu amigo Master, só que tu “Serra” logo fugias e evitavas o contacto, magra, sempre com o rabo entre as pernas aumentavas teu passo e deixava-nos ficar para trás. Nesse tempo por entre carros aparecia o “Cascão” gato de rua que não dando também a mão se mostrava mais social apanhando sempre que podia uma réstia de sol. Que fazer?
No Face vi a notícia do sapateiro de Vila Franca de Xira condenado por alimentar cães chamados de vadios, ou seja cães sem dono, cães livres sem eira nem beira. A revolta da situação fez nascer o sentimento de passar a alimentar-vos. Alimentamos tantos “animais vadios” com os nossos impostos porque não vos dar algo com carinho já que cá em casa já somos oito animais.
Para o Cascão foi mais fácil pois logo se habituou e à hora certa lá está ele debaixo do automóvel mais bem colocado à espera que lhe ponhamos a ração húmida que os fidalgos cá de casa deixam.
Para a Serra onde colocar se andava sempre andando? Era verão e passei a sair à noite colocando a marmita junto a uma árvore a coberto do vento, até que um dia te vi deitada na relva do outro lado da estrada N10, atravessei-a e não me aproximando muito deixei-te a marmita que foste buscar logo que me afastei; voltei a deixar a marmita junto à árvore porque ali o sistema de rega não atingia a molhava e podias comer o que te deixávamos. Quase sempre de manhã tinha que atravessar a N10 para ir buscar a marmita e assim se criou a nossa ligação.
E nas férias como ia ser? Para o Cascão e para ti, Serra, encontramos solução.
Quando regressamos o Cascão por cá continuava a horas mais ou menos certas e à comida húmida juntamos uma dose de comida seca a horas diferentes a coberto da noite, limpando tudo logo pela manhã. De ti, Serra, ouvi histórias, com o cio e uma matilha de cães atrás chamaram o serviço camarário… mas nunca senti que te tivessem apanhado; logo ao segundo dia pela manhã cedo te vi no meio da rua, olhaste-me, meteste o rabo entre as pernas e seguiste teu caminho como sempre apressada. Passei a encontrar-te por aqui e passei a ir colocar-te a marmita junto a uma daquelas coisas aberrantes que colocaram para os animais defecarem (dinheiro publico gasto inutilmente) onde outras pessoas também colocavam comida. À noite antes de me deitar lá ia eu colocar a comida seca ao Cascão e a marmita a ti Serra, que passaste a ser Linda depois de encontrar e falar com a Mena e com outras pessoas que te alimentavam, embora deixasses muita da comida para o bando de pombos. Ainda te tentaram apanhar colocando comprimidos na comida mas sempre conseguiste fugir. A mulher da limpeza de rua dizia-me um dia que o teu olhar era de quem tinha um dom, disse-lhe que sim que era o dom da Liberdade depois de teres sido maltratada pelos possíveis donos, se é que alguém é dono de alguém. Com as minhas idas, quer com o meu amigo quer sozinho, passei a ficar imóvel para ti com calma, com paciência até que desistias e mudavas de canteiro. Conheci-te vários companheiros de aventura pelas ruas, um em especial, cão pequeno bem tratado, preto com as pontas das patas brancas, ponta do rabo branca e uma circunferência branca à volta do focinho, companheiro que logo passou a ter ciúmes do Master quando nos aproximávamos de ti. Uma noite vi deixares a Mena fazer-te festas, falei com ela sobre como te colocar a trela já que havia quem ficasse contigo. Não havia que ter medo, havia que ter calma, paciência e tempo. Assim foi, deixei de te ver, de te encontrar no nosso caminhar pela ruas e passei a ver o teu amigo preto sozinho ou com outro cão que de vês enquanto aparece por cá. Uma manhã fria vi vir na minha direção uma senhora toda apressada, eu não a conhecia, não me lembrava de a ter visto, mas era comigo que ela queria falar, era para me dizer que a Linda a Serra já estava bem, já tinha casa em Alhandra tendo inclusive a Senhora Professora trazido fotografias dela com um outro Serra da Estrela que ela tinha; que eu já não precisava mais de levar comida, que ela e o seu marido sabiam que eu lhe levava comida. A noite tem os seus segredos e naquela manhã feliz por ti Serra disse à senhora que iria continuar a levar para os outros coitados sem eira nem beira. Agora ando preocupado com o teu amigo que deixei de ver por cá, será que também encontrou um lar, ou anda por novas ruas em busca de ti ou de um novo amigo humano? Não sei, mas gostava de saber…
Quanto ao nosso amigo Cascão continua a aparecer. Agora com a chuva deixou de ter hora certa, mas os sítios por onde o vejo são os mesmos, sempre cuidadoso ao atravessar passeios e a estrada. Às vezes segue-me na rua mas sempre à distância… Será que um dia também vai deixar alguém fazer-lhe festas?
Vou fechar o computador, está na hora de lhe levar a comida seca.



A manhã estava fria como são as manhãs de Dezembro na Zebreira, levantou-se com cuidado para não os acordar, a neta dava sinais de ir acordar por isso todo o cuidado era pouco. No quintal saboreou o sol de inverno, procurou alguns paus mais pequenos para colocar na pequena lareira da cozinha. Depois do lume aceso foi ao frigorífico buscar o chouriço que tinham comprado na praça no dia anterior e retirou a cerveja que ainda lá estava desde o passado mês de Setembro, quando visitou o pai na altura do aniversário dos seus 89 anos, pegou no pão e cortou umas fatias. O pão da Zebreira feito na padaria do João, amigo das suas filhas, era o melhor pão que conhecia; há bons pães em Portugal mas aquele é diferente para melhor que todos os outros. Sentado na mesa pequenina ao lado do lume ia saboreando aquele pequeno almoço que tanto gostava de fazer ali; não era nem apreciador nem bebedor de cerveja nem compreendia porque gostava tanto daquele pequeno almoço; recuava no tempo na busca das razões que não compreendia e quando deu por si já tinha comido o chouriço e todas as fatias que tinha cortado. O seu pai ainda não tinha chegado do lar para onde um dia decidiu ir e bem. Lar que fica a menos de 500 mt de casa. De casa também não vinha barulho, continuavam a dormir e naquele silêncio com o sol a entrar pela janela como que sentia a mãe entrando na cozinha a arrastar a perna direita sorrindo para ele, como antigamente o fazia quando o via a beber cerveja logo pela manhã ao pequeno almoço.