sexta-feira, 11 de maio de 2012


Lembras-te dos tempos de bicicleta
Dos tempos de escola
Dos poucos dias sem chuva no inverno

Lembras-te do vento berlengueiro, das rajadas
Das viagens sem oleado
Colocando as bicicletas atravessadas na estrada
Agachando-nos para que a chuva passasse

Lembras-te disso?

E agora,
Lembras-te do tempo onde estamos?


Hoje vive-se melhor do que há 30 anos e nesse tempo vivia-se melhor do que ha 60 quando teria nascido, é a evolução das condições de vida e com elas a esperança de vida. Vivemos mais anos com qualidade minima de vida, vivemos e pensamos mais em termos da nossa propria liberdade.
Nem tudo no desenvolvimento é positivo, houve e há coisas que parecendo ser tornam-se negativas em termos sociais. A TV é um caso. A caixa que mudou o mundo é imparável mas acabou com grande parte da vida social nas aldeias, associações, bairros e até nos próprios edíficios de habitação. Ficamos fechados em casa a ver o que nos ecran nos debitam como informação, deixou de haver coabitação, tornamo-nos isolados solitários independentes, que quando acordamos para a vida futura estamos mais sós do que alguma vez imaginamos. É o divórcio, a separação, os filhos que partem para a sua vida e nas paredes antes com vida só existem quadros lembrando coisas do passado ou representando investimentos em arte que podem ter valorizado muito mas não nos dão uma ponta de atenção um pouco por pouco que seja de carinho e a caixa com um novo ecran com uma nova tecnologia de 3D lá continua no quarto, na sala, na cozinha e até no quarto dos miudos que já se foram a debitar sempre imagens e sons dando-nos a ideia errada que não estamos sós.
Com o desenvolvimento das comunicações o planeta tornou-se uma aldeia global num ápice. Não se precisa mais de ficar esperando o carteiro, basta abrir o computador ligado a uma rede virtual e ver na caixa que está algures num sítio que não conhecemos mas que nos parece pertencer as mensagens que nos enviaram. Aquilo que poderia ser um modo de comunicação depressa se transforma numa caixa de poluição a exemplo da caixa de correio à entrada de casa ou do prédio, tantos são as mensagens que são reenviadas mas que nada nos dizem, mesmo aquelas que feitas com imagens e musica a condizer se transformam em mais uma a correr sem nada nos dar pois são tantas e tantos os e-mails recebidos sem uma mensagem pessoal, sem duas palavras escritas para nós que cansam quem esperava comunicar. Desaprendemos a escrever, não gostamos nem fazemos um esforço para escrever comunicando. A comunicação passou a ser a lei do menor esforço, o mínimo divisor comum. Associado à escrita chega a voz e a imagem mas a comunicação nem sempre é fácil e nem sempre é fluente, os solitários procuram através da tecnologia encontrar o que lhes falta, amor e carinho de amigos distantes também chamados de virtuais.
TV, computador e internet, faces diferentes da comunicação global, do desenvolvimento economico mas nem tanto no desenvolvimento social.



(Para minha companheira de vida)

  
Procurei nas livrarias, percorri as estantes,
Folheei páginas e páginas, li, reli e voltei a ler
Mas não encontrei nenhum livro
Que dissesse, que transmitisse
A emoção do amor que por ti sinto
É bom depois dos cinquenta ser outra vez moço tolo
É bom saber que existes e que daqui a pouco podes sorrir para mim…


Queria oferecer-te algo especial mas ainda não consegui lá chegar...


Pensei em oferecer-te uma flor
Mas as flores podem adoecer e morrem
E eu não quero que o meu sentimento por ti possa adoecer ou sequer morrer




Estou a ficar velho,
cansado de lutar e das lutas.
Nas fotos onde te tenho
encontro forças para continuar.
Olho-te mais do que tu imaginas
És a fonte das minhas forças
és a energia que me alimenta!



domingo, 6 de maio de 2012



Partem uns, outros ficam e novos chegam
Com o tempo a memória vai lentamente esbatendo a saudade…
A fotografia teima em lembrar quem tanto nos quis e nos quer…
Para que o espírito perdure nas nossas memórias vivas e, saibamos respeitar quem tanto nos quis, quem tanto nos quer!


Mãe
Não é eterna saudade
Mas sim uma saudade sempre presente! 
Às vezes tenho vontade de te ligar
Às vezes tenho saudades
Às vezes… Mãe
Uma coisa no peito, uma vontade de falarmos
Às vezes… Mãe
Sinto tudo à minha volta sublimar-se
Fico sem saber que fazer, para onde caminhar…
Às vezes… Mãe…

terça-feira, 1 de maio de 2012



Três rafeiros

O mais velho chegou no decorrer do ano de 2004. O divórcio e a venda da habitação quase paga obrigaram-no a procurar uma outra casa e assim mudou-se para a outra margem, foi para sul. Nesse tempo ainda a filha mais nova vivia com ele um viver de pelo menos dormir e por vezes jantarem juntos, ela continuava a estudar e já ia trabalhando para ganhar para os seus vícios. Habituou-se à outra margem, as condições monetárias da vida tinham-no transformado num NINJA moderno (sem rendimento, sem trabalho, sem seguros).
Naquele tempo mudaram-se com eles o Jeremias e a Pequenina dois gatos rafeiros com histórias e comportamentos diferentes, para trás no tempo da mudança tinha ficado o Onix o seu amigo labrador, não resistiu à perda de imunidade que uma carraça lhe causou e sofrendo mas sempre amigo acabou por partir no mês de Fevereiro anterior à sua ida para a outra margem. O Jeremias era um gato possante majestoso que um dia a pedidos insistentes da filha J tinha vindo da rua para casa, era um gato porreiro; passado pouco tempo de estar na casa nova como que defendendo os humanos das más vibrações apareceu doente, foi operado, fez quimio e ainda viveu mais um ano altura em que o mal sempre atento e insistente o atacou de novo e não mais recuperou da segunda intervenção. A Pequenina era diferente, pequena de tamanho, rafeira com cruzamento siamês era um animal velhinho, calmo, carente e mediúnico; chegou a casa com o falecimento de sua mãe, na última visita ao palheiro encontraram-na chamou-a e ela veio à sua mão, na semana seguinte trouxeram-na para casa. Ela sabia quem eram as pessoas boas que entravam em casa, via para além dele, velhinha procurando sempre calor e colo foi perdendo os dentes e veio a falecer dois anos depois num Natal. Não foi cremada como os outros mas enterrada em Vila de Rei, Bucelas.
Ainda a Pequenina era viva e a G sua companheira arranjou-lhe uma gatita que foi batizada com o nome de Mia, uma rafeirita recolhida com duas semanas de vida num terreno em Moscavide. Depressa se habituou e com a Pequenina aprendeu a andar por casa sem procurar sair para a rua, ao sábado aquando das limpezas as varandas ficam abertas nem sequer procura ficar um pouco vai e em menos de 30 segundos está de volta para dentro, independente, escolhe os momentos de receber festas e comer e dormir é o seu prato favorito.
Pelo Carnaval de 2009 chegou o terceiro rafeiro, de sua graça Master, é cão e veio de Alverca onde há mais de um ano andava e sobrevivia na rua. No seu corpo as marcas da sobrevivência, no seu comportamento os traumas dos maus tratos. É um cão majestoso mas medroso, não gosta de passar na porta de cafés ou de bares, não gosta de passar junto a pessoas que estejam reunidas a falar alto, mete o rabo entre as pernas baixa a cabeça e faz força para mudarmos de direcção; quando outros cães lhe ladram, segue o seu caminho não lhes liga mas quando encontra cães que andam sem eira nem beira fica dando ao rabo todo contente querendo sempre ir ter com o outro ou outros; um cão que quase não ladra mas que fala com ele batendo com os dentes, que se habituou às paredes de casa e o recebe aos saltos quando abre a porta, mete-lhe as patas nos ombros e tenta lamber-lhe a cara o que ele evita quase sempre, depois das festas e de satisfeito vai para o seu canto. Um cão que é muito mais do que um cão.

Tinha dormido mal, sonhou e acordou várias vezes durante o sono por isso custava a acordar, a TSF rádio tocava mas maquinalmente baixou o som como que não querendo ser incomodado, o telemóvel despertou e repetiu o movimento, virou-se escondendo na almofada o ouvido que ainda tinha capacidade de audição. Contudo o amigo Master vendo que não se levanatava chegou perto da cama e sem por a pata nesta começou a falar batendo com os queixos numa linguagem sua, sem latir para não incomodar os vizinhos aquela hora, já eram 06H10 e lá estava ele olhando-o abrindo e fechando a boca naquela fala seca oôôt oôq âããa meio a dormir saiu da cama e foi directo às escuras para a casa de banho metendo-se debaixo do chuveiro. Fez a barba ainda mais rápido que nos dias anteriores, já não usava cremes para barbear as lâminas descartáveis deslizam e deixam-lhe a pele macia. A Mia que tudo assiste ao fundo da cama (é lá o seu lugar) espera-o em cima do móvel que existe no hall para receber umas festas no pescoço e depois começar a miar pedindo comida fresca. Agasalhou-se e sairam para a rua, o Master corria escadas abaixo até à porta da rua, normalmente fechada mas se ela não estivesse fechada, que faria? Ir-se-ia embora ou ficaria a esperá-lo? Uma duvida que o assaltava mas para a qual ainda não tinha coragem para experimentar.
A manhã estava fria, o outono que começou com alguma chuva andava agora seco acentuando-se o arrefecimento nocturno. Era noite fechada ainda, algumas pessoas caminhavam apressadas para o trabalho ou para o ponto de encontro onde outros passariam para as levar. O Master escolhia o caminho e ele procurava controla-lo sem o forçar. Na rua seguiram para a Rotunda do Toiro descendo depois a avenida até ao cruzamento da escola primária que agora tinha outra designação. Esperaram pelo sinal verde e atravessaram. Chegados ao terreno baldio o Master entrou na sua actividade de cheirar tudo para trás e para a frente, tudo tem um cheiro um significado que o leva a ter redobrada atenção. Depois de cheirar, de alçar a perna e defecar, seguem pela rua do Minipreço abaixo até ao Jardim da Praça ____ na passadeira dos peões os carros passavam como se eles não estivessem a atravessá-la, viraram à direita, passavam pelo lavadouro municipal que agora era mais museu do qe outra coisa e foram em direcção ao Largo da Praça e voltaram para casa. Estava feito o primeiro passeio do dia. Ainda era noite quando entraram em casa e a Mia miava inquieta pedindo comida fresca.
Abriu uma lata de comida e deu-lha. Depois tratou do Master enquanto via e ouvia as notícias da manhã na TV. Por fim tomou ele o seu pequeno almoço. Torradas com manteiga e leite com café solúvel acompanhando a toma dos comprimidos para a tensão arterial e para as dores das artroses nas mãos. Fez a cama, abriu o computador e enquanto este iniciava falou com os seus anjos, santos e Deus.


Não estava habituado mas as contingências da vida atiraram-no para aquela situação, acordar todos os dias sem ter a obrigação de se levantar… não estava reformado, ainda faltam muitos anos para se reformar, mas estava classificado com um chip de “velho para trabalhar”, não pertencia a numero clausus mas também não sabia ao que pertencia, tinha bilhete de identidade e numero de contribuinte, tinha obrigações mas os direitos estavam esquecidos não estavam gravados no chip, ninguém o queria para trabalhar e o organismo que lhe daria o direito a uma pensão de reforma não o considerava nas suas listagens, era ainda muito novo para aparecer na listagem dos que tinham direito a receber pensão de reforma…
 
Na noite anterior tomou um comprimido para dormir, um dos poucos na sua existência de vida e ao acordar olhou para dentro e não se lembrou de acordar durante a noite nem tão pouco do acordar com impulsos corporais desconhecidos, também nem sequer do ressonar do cão ou do cio da gata se lembrou, apenas aquela impressão na boca que admitiu ser do comprimido. Iria evitar tomar outro ou não queria voltar a tomar.
Sofre calado, nem sequer pensa no que tem para pagar, vive os dias como se à volta fosse o Iraque, sente as bombas a rebentarem perto cada vez mais perto, mas vive, pensa e continua a sonhar, continua a construir planos, não hipóteses mas planos…
Agora até sabe quando é que tem que enviar as contagens da água, da electricidade e do gás, no último dia de cada mês faz a contagem …
Olha o mar, olha o rio e o correr da água já não o descansa, não o acalma como outrora; o Guincho já nada lhe diz! É apenas mar vento e areia, tudo numa corrida desenfreada, não encontra ali calma nem descanso…
Lembra os amigos e as amigas, mas não lhes telefona, é preciso poupar, é preciso não gastar o que não se tem … a ganhar…
Vai à net ver se tem correspondência, o último vício de luxo a que se dá a si próprio… não quer perder as ligações com o mundo
Lembra-se dos presos políticos que escreviam, que liam para se manterem vivos e assim faz; em dois dias consegue ler o Agualusa nos momentos em que está em casa, num domingo lê de uma assentada os Cem Anos de Solidão, lê as teorizações entre a existência ou não, de Céu e de Deus …
Não se sente triste, não perdeu a esperança, nem anda a fugir… apenas se retrai… guarda para amanhã o que poderia fazer hoje na esperança de que o amanhã vai chegar mais livre e sem o peso das obrigações por cumprir…
Olha para trás e consegue ver onde foi o cruzamento em que se despistou, e se fosse hoje que faria? O mesmo ou tornar-se-ia diferente… abandona o pensamento e segue o seu rumo… não mais parou de cair e levantar, mas cada vez que cai mais difícil é levantar…
O onde, o como, está decidido em consonância, só falta o quando…
Não foge! Nem esquece! Sabendo que um dia vai voltar…