quinta-feira, 1 de dezembro de 2022

22.07.01

Acordou sem forças para ir para o chão da Horta da Corona acabar de limpar os ladrões das oliveiras. A tristeza acordou com ele, ainda o relógio despertador não tinha dado o alarme das cinco da manhã.

Não é fácil viver sozinho. Tem experiência. Não se importa de ter de fazer tudo sozinho. Pior do que viver só, é viver sozinho acompanhado. Nessa situação é mais do que licenciado, leva mestrado e doutoramento, com experiência.

A tristeza que se vem instalando diz respeito às filhas. Ainda ontem, quando a camisa húmida do trabalho atraia as indesejáveis moscas, pensava se alguma das filhas ou mesmo genros iria dar seguimento àquele seu trabalho. Foi preciso chegar aos quase setenta para tomar conta de dois terrenos dos herdeiros do seu tio-avô João Capelo. Herdeiros, uns primos outros nem tanto, que só querem parte do dinheiro que a venda dos mesmos possa proporcionar. Nenhum se preocupou com a saúde das oliveiras, da boa manutenção dos velhos muros de pedra, para não falar na própria terra, onde as ervas e o mato crescem na liberdade da própria Natureza. É certo que na campanha do ano passado, colheu boa azeitona no chão da Balasca, mas anteriormente investiu dinheiro na limpeza das oliveiras e só não pagou o lavrar do terreno, porque o António "Caga Cornos" o lavrou para nele semear feno para as suas ovelhas. Deu-lhe, ele, autorização para o António colocar quer no chão da Horta, quer da Balasca, quer na Eira e agora na Horta da Corona, as suas ovelhas e cavalos, com a condição de zelar pela boa manutenção dos mesmos.

Como lhe disse o seu amigo Zé <ninguém compra trabalho>, por isso quer o chão da Eira, quer o da Balasca, não foram vendidos. De nada lhes serviu o terem colocado lá a placa do "vende-se". O mesmo se passa com o chão da Horta da Corona do seu primo António. A oferta maior que tiveram não era credível para eles que vivem longe da realidade que por cá se vive. Os terrenos de pequena dimensão, assim como o olival extensivo, não têm, nem valor económico, nem futuro, face à realidade demográfica e ambiental. Se é assim, porque comprou ele a Horta da Corona ao seu primo António, agora que está à porta dos 72 anos de vida? Não sabe responder a si próprio.

Recorda as conversas com o seu pai. Pai que vivia no receio disto (casa e chão da Horta) ficar abandonado porque já nessa altura as coisas não se vendiam por falta de compradores. Seu pai, após a morte de sua mãe vendeu os chões que tinham herdado e comprado. Dizia seu pai que os filhos não estariam dispostos a vir viver para cá. Deixou o chão da Horta e a casa, porque dizia que a Horta iria ajudar na venda da casa. Como seu pai estava enganado.

É certo que a vida dá muitas voltas, e, volta não volta muda tudo num segundo. Ele, sempre dizia ao seu pai que nunca iria deixar a casa e o chão ao abandono. Assim tens de dar tornas ao teu irmão, dizia-lhe o pai. Não se preocupe pai, que nós nos iremos entender, respondia-lhe ele, ficando o pai em silêncio a pensar em como o filho desempregado tanto tempo, que tantas vezes recorreu à sua ajuda financeira, iria pagar metade da casa ao seu outro filho.

Depois de terem andado esquecidos, os irmãos voltaram a ser os irmãos que sempre foram quando jovens até se casarem. Como tal, foi fácil o entendimento entre eles, com o irmão a facilitar-lhe o pagamento da sua parte na casa. A base da partilha teve como origem o valor que o banco lhe atribuiu, quando ele solicitou um empréstimo para a realização de obras necessárias. O irmão enviou-lhe a forma de cálculo financeiro para o pagamento em prestações constantes. Ele ficou de estabelecer uma taxa de juro para a amortização. Nem utilizou a fórmula. Deitou contas à vida. Dividiu o valor em causa pelo número de prestações que iria pagar e acertou o valor para a unidade superior das centenas. Nem lhe interessa saber qual o valor da taxa em causa. O número de prestações a pagar ao irmão é igual ao número de prestações a pagar ao banco pelo empréstimo que lhe concederam para as obras. Prestações que são religiosamente pagas. Para não se esquecer de pagar, determinou com o banco o valor da transferência constante mensal. 

 

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