terça-feira, 27 de dezembro de 2022

22.07.25

Passa o tempo a ler. Televisão apenas a abre para ver a volta à França que já terminou e o campeonato europeu de futebol feminino que está quase a terminar. Não sente necessidade de ver e ouvir, o que os muitos canais transmitem. Anda divorciado do mundo das notícias do pensamento único televisivo. Olha as capas dos jornais e não sente necessidade de os ler. Pouco a pouco foi-se afastando do chamado mundo normal, tresmalhou-se com consciência dos trilhos e veredas que caminha na outra margem da vida.

A pequena loucura não o abandonou e a cada manhã se faz presente. No cimo da duna frente ao universo grandioso de mar e céu, olha a linha do horizonte onde os azuis e por vezes os azuis-cinzentos se fundem, numa só linha. Ali sente-se pequenino, guardando a imagem nas suas caixinhas de memória, para com ela ter depois os seus momentos de meditação. Já não se imagina acompanhado, mas ao olhar ao fundo à sua direita lá está a foto, que ultimamente chegou para acompanhar a imagem da ausência sorrindo; ausência que há muito o acompanha silenciosamente. Para esta sua loucura não há medicação química que o possa ajudar. Sabe que a solução não depende dele, mas está dependente da sua própria vontade em vencer os seus medos, os seus receios, a sua crónica timidez. É uma luta surda que trava consigo mesmo.

Hoje a maré já lhe permitia andar na areia molhada. Era a hora da baixa mar quando lá chegou. O vento que não sendo forte era fresco de um quase frio, desaconselhando-o a fazer a caminhada que tinha pensado. Voltou-se para o lado do Forte, dando alguma liberdade à sua amiga. As muitas gaivotas que no areal aguardam por algum lixo que os humanos abandonem no areal ao final do dia, assustaram-se com a Sacha que ainda pensa que tem asas para poder voar atrás delas.

A Sul do Forte, na designada praia das rochas, já um casal de idosos bem idosos procurava o seu lugar, para com fé aguardar a chegada dos raios solares.

A fé, dizem que move montanhas, mas por aquelas rochas a fé e os raios solares ajudam a suportar melhor as várias mazelas reumáticas que a vida trouxe a cada um, quando o Outono anuncia a chegada dos frios húmidos do Inverno.

Há quem tenha vindo para cá de cadeira de rodas, depois de ter percorrido vários médicos especialistas, vários curandeiros famosos, muitas promessas à Senhora de Fátima, e, como último recurso da fé quase perdida, duma esperança quase perdida, vieram e alugaram uma casa. Ao fim de um mês naquelas rochas sentiram melhoras. Resolveram ficar mais tempo para poderem continuar os banhos de Sol naquelas rochas. Um tempo milagroso que depois de quase perdida a esperança, levantou-se da cadeira de rodas e voltou a andar com uma bengala é certo, mas andando pelos seus pés. Cedeu as propriedades aos filhos, que dos vários Mercedes já se tinha desfeito deles, quando se viu numa cadeira de rodas. Se até a vinda como última tentativa de poder melhorar um pouco a sua saúde, não conhecia a Consolação, ao entregar as propriedades aos filhos, comprou um andar e passou a viver todo o tempo na Consolação. No dia em que o senhor lhe contava a sua história, viu como os seus olhos brilharam quando disse que até comprou um Datson novo. Outras histórias ele conheceu e conhece de pessoas que aqui chegaram quase inúteis e de cá saíram com a fé redobrada e a esperança em alta.

É, talvez por isso, que depois de nos finais dos anos setenta do século passado, a televisão ainda a preto e branco, ter noticiado que por esta costa a sul do Forte da Consolação até Paimogo, os raios solares infravermelhos chegam com uma intensidade anormal, que só em determinada costa do Japão se verifica idêntica intensidade. Talvez por isso, esta praia passou a ser a praia dos avós e dos netos. Nos meses de Julho e Agosto a percentagem de idosos que a frequentam é muito, mas muito elevada. Só o aumento dos vizinhos Espanhóis que vêm em busca do mar onde o calor seja um calor tépido, que calor abrasador conhecem eles bem, contraria o movimento dos avós portugueses.

No Japão, na costa idêntica à da Consolação, foi desenvolvido um programa de medicina natural com várias clínicas, para aproveitamento das condições únicas que a Natureza naquela costa lhes dá. Por cá, nem sequer existem placares que aconselhem as pessoas que nas pedras buscam a cura milagrosa que chega dos raios solares, quanto mais a criação de condições condignas para a sua utilização. Ouviu uns zunzuns de que alguém pensou fazer alguma coisa, idêntica aos japoneses, nesta costa. Logo se levantaram as vozes dos muitos velhos do Restelo contra, que a costa era nossa, que tinham direito a usufruir das rochas. Mas estas vozes, embora ruidosas, não constituíam entrave a quem quiser auscultar a hipótese de pôr cá criar uma clínica de medicina natural. Pior, muito pior e inibidora é a legislação que, contraria a de vários países do designado falaciosamente primeiro mundo; uma legislação que apenas subsidia a medicina convencional a mando e a reboque de uma ordem corporativa castradora em conivência com a industria químico-farmaceutica. Situação à qual se juntam vários organismos de vários ministérios a dar pareceres técnicos, quantas vezes em função do nome com que o proponente se apresenta. Gente técnica que raramente, conhecem com conhecimento de causa, as situações sobre as quais se pronunciam, sustentando os seus relatórios com as resmas amontoadas de leis, decretos, portarias e pareceres sem esquecer os acentos proferidos pela Justiça e também no Google.

A costa de arribas instáveis mantém-se confiando muito mais nas alterações climatéricas que a Natureza, desde a formação do Planeta sempre sofreu, do que na boa vontade dos humanos que sobre ela detém poderes usufrutuários. 



 

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