sexta-feira, 24 de maio de 2019

O casal voltou


Na terceira manhã o meu amigo Zé ao mostrar o ninho ao primo que também é vizinho sentiu os ovinhos quentes, estranhando. Eu calei-me ficando atento, será que o casal das milheirinhas (chamariz)...
Retirei o carro do quintal e coloquei-o na rua, já que o mesmo estava junto à videira onde o feliz casal tinha construído o seu palácio.
A Sacha fazendo a cada dia saudações mais espaçadas a quem passa na estrada nacional, junto ao portão.
As esperanças confirmaram-se. A natureza, através de duas pequenas e frágeis aves, a dizer que, pais que são pais não desistem à primeira de criar os seus filhos. Com a chegada de intrusos ao seu meio de procriação, abandonaram o seu palácio, camuflando-se e vigiando quem lhes tinha interrompido os momentos de felicidade. Felizmente, depressa chegaram à conclusão de que os intrusos não eram inimigos da sua felicidade. À sua maneira, estudaram o nosso comportamento, sempre vigilantes e atentos voltaram a aquecer os seus ovinhos.
A natureza e o campo sempre com lições humildes de riqueza sem limites. Quanto mais aprendemos sobre as particularidades do mundo em que nos inserimos, mais livres nos tornamos. Coisa que o actual modelo de vida nas cidades grandes não nos permite, por se andar sempre correndo, apressado e atrasado, sem tempo para olhar, para sentir as pequenas coisas que o mundo da natureza nos oferece e nos ensina.
Ensinamentos tão distintos do que a sociedade de consumo capitalista nos faz crer ser o objectivo de nossas vidas; onde a felicidade é prazer e ponto final, com o “ter” material, e o “poder” as ferramentas para o alcançar, sendo o sucesso não a satisfação mas o meio de procurar mais e melhor numa ambição crescente sem se olhar ao equilíbrio ecológico e humano necessário e urgente. É bom podermos ver, sentir, ter uma visão do mundo diferente, mais humilde e inigualável, fazendo-nos meditar que existem outras formas de viver, existem outros mundos, para lá daquele que naturalmente é sensível aos nossos cinco sentidos.
Mas esta sociedade, sendo a melhor, a mais evoluída até aos dias de hoje, não deixa de ser uma sociedade perversa, onde o que se perde em ilusões é logo é sempre compensado por novas roupagens de esperanças do mesmo, num vira o disco e toca o mesmo, que lentamente cavam a distância que separa as classes sociais, criando desigualdades cada dia mais profundas, com a pobreza a regressar em moldes diferentes, por isso mais perversos. Em vez de os avanços científicos e tecnológicos proporcionarem um nível de consciência mais elevado onde todos possamos viver com mais liberdade e responsabilidade, onde os ricos possam continuar ricos e os pobres menos pobres, assiste-se ao contrário, com alguns ricos a ficarem cada vez mais ricos e poderosos e, todos os restantes ricos e a tal classe média restantes a empobrecer.
Indiferentes às loucuras dos humanos, vigilantes e atentos a todos os intrusos do seu espaço, deixando-se ver no ninho chocando, mas não permitindo serem incomodados pelo clik da máquina fotográfica, o casal das milheirinhas lá ficou no seu palácio, agora mais livre e sossegado, com a função natural de criarem os seus filhotes para os entregarem à liberdade da mãe natureza.
Diz-me o meu amigo que quando andou pela cidade grande foi columbófilo, que estas avezinhas assim como os pintassilgos e outros, procuram fazer os seus ninhos junto dos humanos, porque no campo uma espécie de gaio (ave protegida pelas autoridades) lhes come quer os ovos quer os filhotes.
Eu, que já não gostava desta espécie de gaio… espero poder ver quando no próximo mês para lá voltar que os filhotes já possam voar na sua aprendizagem de liberdade condicionada pelos perigos cada vez maiores que enfrentam.

Sem comentários:

Enviar um comentário

Nota: só um membro deste blogue pode publicar um comentário.