
Andava na recruta em Mafra quando comecei a fumar. Numa sexta-feira ao sair do “Calhau” dirigi-me à tabacaria que ficava junto à paragem dos autocarros da Mafrense e comprei um SG Gigante.
Saí nessa única sexta feira por na semana anterior ter tirado nos testes nota superior a catorze. Ao terminarmos o almoço estavam publicadas as especialidades que nos atribuíram para a especialidade, ao ver o meu numero mecanográfico e o meu nome atribuído para a especialidade “031 Atirador” senti as lajes do convento tremerem debaixo dos pés, não queria acreditar mas era a realidade que me estava destinada. Foi essa a causa definitiva do começar a fumar. Ao chegar a casa informei a minha mãe de que fumava para ela não me deitar o tabaco no lixo. Comecei a fumar na esperança que o fumo do tabaco me agudizasse o problema da asma e com isso poder sonhar com uma outra especialidade que não aquela de atirador de infantaria. Ainda andei na consulta externa para fazer exames ao problema asmático, mas ao terminar o tempo da especialidade fomos colocados contra a parede, ou desistíamos da consulta externa ou chumbávamos e teríamos mais onze semanas no “Calhau”. Desisti da consulta externa não queria voltar ao convento e repetir de novo tudo o que tinha suportado. Foi assim que me mandaram posteriormente para o B.C.10 em Chaves.
Do SG gigante de Mafra passei já em Chaves ao SG ventil, depois ao SG filtro fixando-me por fim no Português Suave sem filtro. Em Angola depois de experimentar o tabaco sem filtro que o sistema nos facultava, que era demasiado forte, passei a fumar AC o mais parecido com o SG gigante, mas a minha mãe enviava-me pelo Movimento Nacional Feminino volumes de Português Suave sem filtro. Em bases táticas só acendia o primeiro seguindo-se vários em continuo.
Terminada a guerra continuei a fumar o Português Suave sempre sem filtro. Casei e em casa não fumava. Contudo no trabalho era cigarro após cigarro. Era difícil deixar de fumar porque no trabalho ao participar em reuniões em salas fechadas onde muitos fumavam acabava por fumar cigarros dos que estavam ao meu lado, o designado tabaco marca «se me dão». Depois em festas sempre me ofereciam um cigarro e acabava por aceitar. Levei anos nesta situação. Um médico de medicina do trabalho ao efetuar-me um exame viu o maço de tabaco sem filtro que levava, auscultou-me e disse-me «o senhor tem nicotina nos pulmões para cinquenta anos». Comecei a luta comigo próprio para deixar de fumar, mas não foi fácil. Aconteceu quando um dia depois de algum tempo sem comprar um maço, de certo modo envergonhado por fumar o tal «se me dão» decidi-me a comprar um maço de Português Suave com filtro que coloquei em cima da minha secretária. Todos os que nesse dia entraram no meu gabinete aproveitavam e tiravam um cigarro para fumarem. No final, era já noite quando ia a sair peguei no maço para fumar um cigarro e já estava vazio. Senti uma sensação estranha e desde esse momento que nunca mais fumei um cigarro. Já houve momentos em que pensei, se tivesse um cigarro… , mas resisti e nunca mais fumei e penso não voltar a fumar.
Agora com os meses que levo sem ver televisão já senti a sensação de pegar no comando para ligar o terrível aparelho, mas resisto e continuo sem lhes dar ouvidos com exceção a alguns jogos de futebol, sem som de preferência. Não me interessam o que noticiem ou comentem porque assim não me enervo, não lhes chamo mentirosos e outros nomes, arranjando problemas em casa quando estou em Alverca porque olhamos o mundo com olhos diferentes. Ainda no passado domingo eu votei pela Paz e ela votou pela continuação da guerra, toda esperançosa e convencida que o seu voto ia ganhar, não ganhou mas os que ganharam mesmo que por poucochinho são todos pela continuação da guerra contra os russos.
Pela janela do meu casulo olho triste como a quase totalidade do rebanho que foi votar optou pela continuação e agravamento da guerra sem nunca terem sentido como as guerras são horríveis de tão más pois já não há guerras santas. Isto sou eu que ao não ver televisão não ouvi nem li nada do que cada uma das organizações políticas concorrentes disseram antes e após a eleição. Se imaginassem o que é sofrer o medo de morrer ou de ver um companheiro morrer sem lhe poder valer… mas intoxicados e alienados pelos programas televisivos de sentido único, desconhecem o horror que a porcaria da guerra cria. A designada guerra do ultramar foi uma brincadeira comparada com as guerras que ocorrem na Ucrânia e na Palestina. Votaram não se lembrando que os filhos e os netos ainda podem ser enviados para a guerra como carne para canhão, depois irão chorar de arrependimento se as armas nucleares não chegarem a ser usadas, pois se a guerra entrar nessa face poucos cá irão ficar para relatarem o sofrimento antes e após e deflagração das mesmas.
É assim que vou sentindo vontade de lhe voltar a escrever, mas a exemplo do fumar e do não ver televisão recuo. Nem sempre o consigo fazer.
Sem comentários:
Enviar um comentário
Nota: só um membro deste blogue pode publicar um comentário.