domingo, 2 de abril de 2023

19.03.23

 


Primeiro li "Alma de Cão" . Gostei, leitura leve e bem disposta tratando assuntos sérios da sociedade citadina portuense e da fuga para o campo onde o tempo tem outra dimensão, outra qualidade. Do individualismo citadino à entreajuda das pessoas da aldeia longe do bulício egoísta da cidade.

Depois li "Um Cão no Meio do Caminho" que desde a primeira página até à última me foi tocando sempre.

A vida não é aquilo que sonhamos mas a sucessão de acontecimentos na maioria imprevisíveis que nos fazem atores da própria existência sem que compreendamos os porquês ou os "se" que se nos apresentam. Sabemos que em tudo existe a dialética, que se nos apresenta como as faces de uma qualquer moeda, «cara ou coroa». Contudo, não sabemos o que nos espera mais à frente depois de fazermos a escolha de uma das faces da moeda que simboliza a vida.

Não vi no livro o retrato da solidão como eu a imagino. Vejo a solidão de doutra forma. Para mim, o livro retrata de forma excelente o egoísmo individualista da nossa sociedade, onde cada um olha para o seu umbigo como se ele fosse a única fonte da verdade, da beleza do amor, do conhecimento. Vive-se o "eu" como o centro do mundo recusando-nos a ver a sua decomposição afetiva, porque vivemos num tempo onde a ditadura da felicidade individualista é lei, quando na verdade todos viveríamos melhor se soubéssemos ou tivéssemos a capacidade de aceitar o outro como ele é, de partilharmos com ele a própria existência, como no livro a avó Josefa o demonstra com a sua vida de luta e aceitação dos obstáculos que enfrentou.

Tocou-me, logo no início porque também eu vivo aos 72 anos, passados que são mais de cinquenta anos, a pensar, a querer amenizar um erro que cometi quando tinha os meus dezanove anos. Depois, folha a folha, parágrafo a parágrafo, frase a frase sempre me fui identificando com o sentido da escrita. Eu, como os vizinhos retratados no livro, somos seres tresmalhados do rebanho, da matilha que vive à nossa volta. A grande diferença é que de pequeno até já ser adulto e pai tinha medo dos cães, para agora ter como companhia uma pastora alemã maluca e possessiva que por vezes mostra os dentes. Na cidade quando ladra é de imediato repreendida porque os vizinhos se incomodam com o seu ladrar, na aldeia do meu abandonado interior raiano quando ladra e se a repreendo logo os vizinhos me dizem, não faz mal ladrar é a fala dela.


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