segunda-feira, 5 de junho de 2023

22.05.23

 

Ao contrário do que tem sido habitual enquanto preparava o almoço ligou o aparelho de televisão ouvindo dizer que o PM iria prestar declarações. Ficou atento, ele que anda a leste das notícias e “trincas” políticas que ocorrem na capital. Já não tem paciência para os ouvir, mas ficou curioso e ouviu o que o PM disse aos jornalistas antes do almoço comemorativo dos 25 anos da Expo98.

Nasceu e cresceu os primeiros anos naquele território que agora por interesses partidários do centrão resolveram tirar à sua freguesia de nascimento criando uma nova e pomposa freguesia designada como Parque das Nações. Para si a sua freguesia continuará a ser Santa Maria dos Olivais, mesmo que nos documentos oficiais lhe coloquem apenas Olivais.

Não se julga superior a ninguém nem a nada, antes pelo contrário, é hoje um quase nada que desiludido com a política do país se tresmalhou do rebanho por sua opção, vivendo como que ausente na outra margem da vida.

Leva uns anos bons de política ativa e passiva (mesmo tresmalhado não deixou de ser um político passivo) e, ao ouvir o PM responder a várias perguntas dando sempre a mesma resposta, lembrou-se do tempo em que os comunistas eram acusados de terem sempre a mesma cassete, embora por vezes quem responde tenha que repetir a mesma resposta, pois na essência as perguntas que os jornalistas fazem são quase sempre iguais, elaboradas com palavras em moldes diferentes.

Uma coisa sabe, se fosse PM não mandava recados, nem dava troco ao que o “homem do Poço de Boliqueime” terá dito ou arrotado, pois os políticos que vivem as suas douradas reformas gostam muito de arrotar os seus arrotes como se fossem donos da verdade. O “homem do Poço” quando governou o país até da terra natal teve vergonha mudando-lhe o nome; um político que nunca o entusiasmou nem convenceu antes pelo contrário, sempre se interrogou como é que depois de tantos anos de miséria salazarista os portugueses passado pouco mais de meia dúzia de anos da nova ordem democrática escolheram para governar e mais tarde para presidir um salazarista convicto de vistas curtas, um funcionário publico que tinha às costas na altura em quer foi nomeado primeiro ministro um processo disciplinar por faltar às aulas na universidade onde era professor, indo nesse tempo dar aulas numa universidade privada e católica, recebendo dos dois lados. Os portugueses têm o que merecem.

Depois de ouvir o PM teve de desligar o aparelho quando o canal televisivo onde estava sintonizado lhe deu como notícia algo que um político de que não gosta terá dito ou comentado. Os seus fracos tímpanos não suportam os dizeres que o senhor que ocupa o lugar de presidente da Assembleia da Republica diz do alto do seu convencimento, daí o desligar de imediato o aparelho televisivo.

Não gosta de praticar estes atos de censura, mas não encontra outra alternativa melhor para proteger a sua sanidade mental.

Vive bem no seu canto longe das “trincas” e notícias que nascem e correm na capital, já não tem paciência para tanta discussão, tanto diz que não diz, fez que não fez, mandou mas não mandou, ordenou mas não ordenou, tanto comentador encomendado.

Desde que pela primeira vez ouviu a notícia sobre uma faustosa indemnização dada a uma senhora administradora da TAP, logo lhe cheirou que aquilo deveria meter “luta de saias”. Assim parece que tudo começou por causa da incompatibilidade de saias na empresa publica TAP e, já os deputados vão interrogando o ministro que nem era responsável pelo pelouro da empresa publica na altura em que a disputa de saias deu lugar há tal afrontosa indemnização à senhora que na luta de saias era o elo mais fraco. Das saias passaram pela privatização, pela renacionalização e agora andam às voltas com um computador que mete os serviços de informação e segurança, o ministério publico tudo numa confusão sempre mais confusa para que no relatório final a montanha irá de novo parir um rato, com os da oposição e os seus fieis órgãos de comunicação a tecerem críticas à forma e ao modo como a maioria irá redigir o relatório final. Sempre foi assim quando se formam aquelas comissões parlamentares que não levam a lado nenhum a não ser à lavagem de roupa suja entre os diversos partidos políticos nelas representados para gáudio dos órgãos de comunicação social, que passam horas e mais horas com os seus comentadores encomendados a comentar o que se disse, o que presumivelmente deveriam ter dito e não disseram, ou seja a ideia de verdade que agrade ao patrão mesmo que a verdade nada tenha a ver com a mentira por eles difundida.


Nos intervalos que as tardes lhe dão, pensa na vida e nas voltas que esta lhe deu ou fez dar para estar aqui sozinho no seu canto.

Nos vários caminhos do pensamento das causas de estar e ser um solitário, ela volta a estar presente mesmo sem saber quem ela é hoje. Mesmo sem hoje a conhecer vive com a sua imagem de juventude. Uma lembrança que já o atormentou mais do que nestas últimas semanas. Recorda-a ultimamente sem sofrimento, aceitando o silêncio dela ao seu pedido de desculpas pelo que lhe fez quando jovens. Deixou-a sem lhe dar uma explicação para o facto. Já tocou à porta onde presume que vive, já lhe escreveu mas só silêncio vazio obteve como resposta. Errou na altura. Reconhece o erro. Como vale mais tarde que nunca, agora passados mais de 50 anos pediu-lhe desculpa e ela responde-lhe com o mesmo silêncio com que ele respondeu aos seus telefonemas de então. Nunca lhe desejou mal, antes pelo contrário, sempre ao longo da vida desejou que ela tivesse sido mais feliz do que teria sido com ele, ser inquieto revoltado de muitas duvidas.

Quando a deixou sem explicação alguma já não era um religioso católico, como ela era, já vivia na outra margem da vida sem religião, abraçando muitas duvidas, mas sem pensar em voltar atrás. A revolta contra o sistema político em que viviam era um vulcão dentro de si. A imagem dela a ir a uma aula furando a greve que os estudantes levavam enfrentando a ditadura, fá-lo ver então que os dois tinham de sofrer e não teve coragem de a ver chorar de novo. Eram jovens que se gostavam, e, hoje já de barbas brancas aqui neste seu canto raiano, ainda a vê a ir à aula, ainda a sente agarrada ao seu braço chorando e pedindo desculpa pela bofetada que lhe deu, quando ao fundas das escadas de sua casa ele procurou dar-lhe um beijo. Tem saudades desse beijo que nunca lhe deu. Quando a deixou não a trocou por nenhuma outra moça, era dela que ele gostava e por ela ainda hoje sofre. Ainda hoje nas suas conversas com além sagrado pede aos bons espíritos que por ele zelam que igualmente possam zelar pela sua saúde, pelo seu bem estar, esteja ela onde estiver, esteja ela com quem estiver.


Sabe que o futuro não existe. O que lhes ensinaram sobre esse tal futuro foi e é uma forma de iludirem as pessoas. A vida só tem presente que de tão fugaz logo é passado que nos vai moldar nos nossos posteriores comportamentos ao longo da nossa caminhada por esta existência terrena.

Com consciência de que é um quase nada ou talvez mesmo já seja um nada, vive triste e feliz aqui no seu canto. Triste por estar aqui só. Quem o rodeia não sabe, não conhece não se interessa nem imagina a sua felicidade ao ver as coisas que tem no seu quintal florirem, frutificarem. A alegria que o inunda ao ver as flores dos tomateiros gerarem fruto, ao ver como as uvas vão crescendo, até de forma anormal pois com as alterações climatéricas tudo este ano parece estar adiantado no seu ciclo de vida. Todos os dias olha a ameixeira que de um caroço nasceu espontânea ainda no tempo do seu pai que tanto gostava dessa fruta, olha-a para ver as pequenas ameixas a ficarem dia a dia mais maduras, alimentando-lhe a esperança de as poder colher antes de voltar para a cidade dormitório da cidade grande; ainda esta manhã e pela primeira vez colheu duas ou três framboesas que lhe souberam a céus de felicidade, mas estes seus momentos ninguém que o rodeia imagina, lhe dá um pouco de atenção e muito menos valor.

Até parece que veio a esta caminhada só para servir os outros.


Ao jantar uma sopa de caldo verde que tinha feito com as couves que tem no quintal e uma banana, viu uma reportagem que estava a passar na RTP3 sobre o movimento religioso nos Estados Unidos, pensou no que tinha escrito antes de sair com a sua amiga para a volta higiénica do final de tarde.

Como é que diz não ser religioso, não seguir nenhum credo religioso e depois dizer que nas suas falas com o além sagrado pede aos bons espíritos?

Não tem, não segue nenhum credo religioso, não se sente católico, nem ortodoxo, nem judeu, nem muçulmano, nem budista, nem nenhuma das várias correntes que se podem designar por cristãos protestantes, sejam anglicanos, calvinistas ou outros. Nem tão pouco se sente ateu. Contudo, tudo isso não o impede de ter a sua religiosidade acreditando que o espírito que nos encarna não morre com a declaração material da morte, há mais vida para lá desta viagem terrena, vida que existe num universo desconhecido dos nossos sentidos, pelo que somos uma dualidade corpo-matéria, espírito-transcendência. Ao acreditar na espiritualidade, ao falar com esses seres seus desconhecidos, pede também por ela, porque como já escreveu, nunca lhe desejou outra coisa que não fosse o seu bem estar a sua felicidade. Já lá vão anos e anos que sem a conhecer nem saber nada da vida dela lhe deseja sempre o bem. Acreditem ou não nas suas palavras, pouco se importa já que os seus sentimentos são verdadeiros e não ganha nada em criar cenários que possam ser só delírios...

Ao não se considerar religioso não vê na religião um inimigo seu. A religião interfere consigo quando os religiosos entram com os seus conceitos na política, seja no caso da interrupção voluntária da gravidez, seja com a eutanásia ou questões com a sexualidade de género. Quantas vezes aos domingos de manhã ouve a missa na rádio para se inteirar ouvindo o que dizem os padres ou bispos aos seus fieis seguidores . A religião sempre foi conservadora de hábitos e costumes, que desde os tempos primórdios sempre viu na ciência um inimigo com o qual muito poucos lideres religiosos souberam interpretar aceitando os avanços técnicos da ciência. É assim que passa ao lado dos presumíveis crimes de pedofilia cometidos no seio da igreja, como também nada lhe diz o evento que irá ocorrer designado por jornada mundial de juventude. Como o Estado se rege por uma Constituição laica, passa ao lado das decisões com os gastos públicos com tal evento, porque não acredita que a religião alguma possa resolver os males que existem no Planeta. Não devemos por nas mãos de um ser desconhecido a quem chamamos Deus, os problemas que aos seres humanos compete resolver.


Quando em Outubro de 1975 decidiu casar com uma moça que conheceu quando veio da guerra passar um mês de férias junto com os seus pais, não casou pela igreja, apenas e só pelo civil para não dificultar ainda mais a vida dela com os seus futuros sogros, pois já nesse tempo pensava que casamento é um estado de espírito mais do que o «contrato de casamento» que a sociedade civil impunha. E, quando após o falecimento de sua mãe, as suas filhas lhe diziam para saírem os três de casa, sempre lhes disse que assim como não se deve abandonar uma pessoa que sofre de Alzheimer, também não se deve abandonar quem é doente de depressões quase continuas. Mas, como nasceu para servir, um dia a sua companheira mãe das suas filhas, decidiu deixa-lo com as filhas, ou seja, no final ficaram os três, ele e as suas duas filhas. Sina? Destino? Não sabe, gostando mais da palavra brasileira, Aprendizado.


São quase dez e meia da noite, levando umas horas a falar com o silêncio, com a sua ausência num mar de esperanças, contando-lhe coisas como se estivessem interessados em saber o que ele pensa e faz. Sorri, pois esta é a forma que tem de não deixar que a solidão entre na sua casa, basta-lhe o silêncio incomodativo de não ter diálogos sonoros.

Depois, mesmo quando namoravam ele nunca foi de grandes conversas telefónicas, ainda hoje assim continua, o aparelho de telemóvel serve-lhe tanto para falar como para tirar fotos mas mais até para escrever o que lhe vai na alma. Sabe que a sua vida será pouco mais que isto em termos afetivos, não alimenta ilusões, está só e irá continuar só, mesmo quando partilha o espaço de casa com outra pessoa.

Ainda ontem, no festival das “Cordinhas da Beira Baixa” em Idanha quando sentia os olhos húmidos de lágrimas ao ouvir as musicas que sua mãe gostava de ouvir e cantarolava, pensou nela mas de imediato a sua sombra o aconselhou a não pensar, pois não há nada a resolver nem a pensar. Há erros que não se resolvem apenas se carregam ao longo dos dias que a viagem posterior dá como oportunidade de vida.

A solução para viver passa por aceitar a sua tristeza da forma mais alegre e feliz possível, fazendo o que gosta de fazer já que os outros são os outros e ele vai continuar a andar na outra margem da vida no seu caminhar solitário levando consigo memórias do que não viveu.


Sente falta das filhas, sente falta das netas e do neto. Sente falta mas aceita sentindo que a revolta que em tempos sentiu por elas não lhe ligarem para saber se esta bem se precisa de alguma coisa, esse sentimento de revolta vai amadurecendo e ficando mais leve ou porque se habituou ou porque se fortaleceu interiormente nesse sentido. Deu o que soube dar e mais uma vez o presente que vive lhe ensina o aprendizado, nasceu para servir. Sabe que hoje as novas gerações encaram a vida e as relações afetivas com os mais velhos de forma diferente daquela que ele viveu em relação aos seus pais, independentemente da educação que tiveram e ele lhes deu, o meio em que vivem e se relacionam a isso conduz, os mais velhos que vivam a sua vida que na deles problemas não faltam, não sentindo ele direito de interferir nessa forma de hoje viverem. Encara essa realidade anexando-a à sua forma triste de ver o mundo e a vida presente. Preocupa-se com o tal futuro inexistente pensando nos netos. Preocupa-se mais provavelmente que os próprios pais.


A sua ignorância nos dias que correm é de tal ordem que não sabe quem são uns famosos “Coldplay” que atuaram em Coimbra. Não sabe, nem teve curiosidade em ir ao Google ver quem são esses famosos. O seu mundo vai ficando dia a dia mais estreito, mais reduzido mas também mais transparente.

Hoje é terça feira e já conta os dias que tem, antes de ir embora para a cidade dormitório da cidade grande. Já hoje sente a tristeza de deixar o seu canto, o seu quintal com as suas coisas a precisarem de atenção de carinho, sim tudo na natureza precisa de atenção, de um pouco de carinho já que todas as plantas ou árvores gostam que falem com elas, que as tratem e as defendam das pragas que andam voando em busca de lhes fazerem mal.

O ano é de seca, pior que o ano anterior e tudo está mais adiantado do que seria normal. Hoje de manhã quando saiu para ir à padaria colheu uns mirtilos antes que a passarada os coma, depois viu uma framboesa comeu-a, pois nem uns nem outros tem químicos. Coisas que gosta e que só aqui pode vivenciar (outra palavra brasileira que gosta). Pela primeira vez utilizou a bicicleta para ir à padaria comprar pão para estes dias até sexta-feira, que nesse dia irá levar pão para ir comendo na cidade dormitório da cidade grande. A princípio teve receio porque quando foi à farmácia de bicicleta os joelhos queixaram-se de tal modo que estava a ver que teria que ir a pé com a bicicleta pela mão. Hoje não sentiu as dores daquele dia e assim depois a meio da manhã colocou a mochila e foi de bicicleta ao mini mercado comprar um chouriço para fazer a dobrada com feijão branco para o almoço; aproveitou e comprou os dois queijos de cabra curados que la estavam da Malpiqueijo, um para si e o outro para levar ao primo António Moreira, não resistiu e comprou um salpicão de uma empresa espanhola de Salamanca, os “embutidos” espanhóis são melhores que os nossos chouriços ou salpicões, já sua mãe lhe dizia isso.

Escreve passando a sua mão esquerda nas suas barbas brancas de solitárias enquanto os dedos da mão direita deslizam nas letras do teclado obedecendo ao que os seus neurónios vão processando em continuo, escreve ouvindo canções no youtube. Questiona-se para que escreve ele falando com quem não o ouve nem lhe irá responder, não lhe importa fá-lo e irá continuar até que um dia chegue a hora.

Gosta de ouvir a canção: - Yo te diré

Yo te diré

Por qué mi canción

Te llama sin cesar

Me falta tu risa,

me faltan tus besos

Me falta tu despertar.

Yo te diré

Por qué en mi canción

Se siente sin cesar

Mi sangre latiendo,

mi vida pidiendo

Que tú no te alejes más.

Cada vez que el viento pasa

se lleva una flor

Siento que nunca más volverás mi amor

Y no me abandones nunca al anochecer ,

que la Luna sale tarde

y me puedo perder.

Así sabrás por qué mi canción,

Te llama sin cesar

Me falta tu risa, me faltan tus besos

Me falta tu despertar.

E, com ela se deitou, para pela manhã se levantar cedo e em função do que se passar durante a noite com a chuva ou trovoada decidir que volta irá dar com a Sacha para que ela possa correr livre pois esta estadia está a chegar ao fim.


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