quinta-feira, 8 de junho de 2023

24.05.23


 

O amanhã é só um desejo expresso no momento presente em que aflora, em que nasce. O amanhã de verdade não existe, tal como o futuro é um desejo de se poder vir a vivenciar na vida que ocorrerá quando esse tempo chegar se chegar. Este, o tempo, existe desde que o Planeta se formou rodando à volta do Sol sobre si mesmo, criando a noite, o dia e os anos, que povos muito antigos, os sumérios, com os seus saberes simples que a própria Natureza lhes mostrava, sem as tecnologias que hoje o homem criou e domina, souberam dividir o tempo em horas, dias, meses e anos que ao longo do tempo histórico até hoje se mantiveram imutáveis.


Como não lhe apetece fazer nada, vai varrer o quintal que a ventania que ontem ao final da tarde ocorreu e depressa levou os pingos da chuva para outras paragens, deixando tudo sujo de folhas e terra. Vai olhar as árvores com receio de ver se a pouca azeitona não caiu com aqueles ventos de rajadas tão fortes. A vida no campo é ingrata, sempre incerta dependente dos humores da Natureza.

Contudo, é desta forma de vida que gosta, pois a vida de reformado na cidade é aborrecida para si, nada ter que fazer não é a sua praia. Há que ter obrigações coisas para fazer e assim ter sempre o corpo em movimento. Na cidade, depois da volta matinal com a sua amiga e de tomado o pequeno almoço pouco há para fazer. Pode apanhar o comboio ou o autocarro de carreira e ir até uma vila próxima ou mesmo até à cidade grande, andar junto ao Rio Tejo ou pelas ruas onde há sempre coisas que se podem ver, rever ou descobrir. Tudo isso é verdade, mas a maioria dos dias fica por casa, lendo e escrevendo depois de tratar as plantas que teima em possuir numa pequena varanda virada quase a norte. Essa vida sedentária é ajudada pela preocupação com o pagar as responsabilidades que assumiu com o irmão para ficar com a casa dos pais e com o empréstimo bancário que fez para pagar algumas obras estritamente necessárias. O seu pai viveu os últimos anos sozinho e convencido que nenhum dos dois filhos iria se interessar pela casa, pela meia dúzia de oliveiras que deixou num chão, onde ele tinha a sua horta; não vendeu o chão porque dizia que a casa com o chão sempre podia valer um pouco mais, como seu pai estava errado, os terrenos com ou sem oliveiras não valem nada, pois ninguém quer comprar trabalho, dizendo-lhe um amigo que «mesmo dados são caros», é mais fácil ir ao supermercado e comprar os legumes,os tubérculos etc. porque não pensam nos químicos que foram usados para os produzir. Químicos que pela absorção podem estar ainda ativos nos produtos que estão expostos nos supermercados. Cavar a terra mesmo com a moto enxada dá trabalho, puxa pelo físico, depois há sempre as ervas daninhas que por mais que se cortem, que se arranquem voltam sempre a crescer; na horta há que ter água para regar os produtos e com isso começa de certa forma uma prisão, pois tudo numa horta requer trabalho, requer ser tratado e regado quando a seca aperta, sem se falar no verão em que há que regar de manhã e ao final da tarde.

Como não sente o espírito de viajar para outros destinos não se importa de estar ora na cidade dormitório ora no seu canto raiano. Mesmo sem esse espírito de viajante turista, não deixou de ter sonhos como gostar de conhecer outros lugares, entre os quais ir a Israel andar nas ruas a observar como aquela gente vive, ir à Índia de novo andar a observar a vida como eles a vivem, num e no outro país ver e sentir a vida mais do que visitar grandes monumentos ou lugares sagrados, gostava de voltar a Angola de visitar o Mumbué, fazer a viagem depois até à fronteira com o Congo onde já não existe o quartel estratégico de então designado por "Ponte de Zadi", passando uns dias Nova Lisboa para sentir a nova Angola e, por fim um dia sonhou poder fazer a viagem costa a costa por terras do Canadá. Não realizou nenhum desses sonhos, desses projetos mas não se sente infeliz por não os ter realizado, nem sequer isso o entristece. A vida ensinou-lhe, ele aprendeu que sonhar é preciso mas viver a vida tem muitas nuances, muitos «ses», e como tem dificuldade em falar outras línguas, sente-se bem considerando-se um português de lés a lés. Mesmo no velhinho Portugal nem o Algarve, nem as Ilhas Insulares o atraem. Até a sua praia da Consolação já não interage consigo como no passado, tudo tem o seu tempo e agora o seu tempo de vida é um viver simples com gosto onde tudo parece faltar segundo os parâmetros de vida que o sistema de sociedade impõem silenciosamente numa ilusão que ele vê, sente e não gosta, daí o não se importar de estar entre gente simples, resistentes à desertificação. É lá naquelas terrenas que estão e sente as raízes dos seus antepassados, é lá que gosta de estar.


Com as nuances vividas ao longo do seu caminhar aprendeu que as casas grandes dão muito mais trabalho que as casas pequenas, para no final, as casas serem do tamanho das almas que as habitam.


Depois de almoçar bebeu o seu café um um golinho de aguardente bagaceira num copo pequenino que encontrou nas coisas das heranças que seus pais guardavam a pedido de alguns primos, que nunca se interessaram posteriormente em ver se alguma dessas pequenas lembranças dos antepassados lhes agradava. Gosta de beber quer a água, quer o vinho ou o digestivo aguardente vínica ou bagaceira pelos copos antigos que encontrou de seus avós e tios avós. As coisas até lhe sabem melhor sabendo que são simples manias suas, mas gosta e decerto não irá mudar. Quando saiu para o quintal viu uma pequena ameixa no chão, apanhou-a e ao olhar a árvore viu que a passarada já tinha andado a bicar algumas delas, pelo que começou a apanhar aquelas que já estão maduras. Afinal, este ano irá comer as suas ameixas de que gosta, são pequenas mas saborosas e doces. Não irá arrancar a árvore como tinha falado com o seu amigo Zé. Irá poda-la por forma a que novos ramos de formem em pequenos troncos para substituir os que parecem estar velhos com sinais de podre. Árvore que terá nascido de um simples caroço deitado à terra, como tal os frutos que dá são eles próprios o sangue da natureza.

Depois, sentou-se no sofá e cochilou uma sesta rápida. Ao acordar ligou o aparelho televisivo procurando se algum canal espanhol estaria a transmitir a Volta à Itália em bicicleta. Não encontrou e predispôs-se a ouvir o debate parlamentar ao Governo na Assembleia da Republica. Ouviu as perguntas e respostas entre os deputados da oposição Sarmento do PSD e Ventura do Chega, assim como as respostas do PM. Quando iniciou o tempo do deputado da oposição da Iniciativa Liberal e o tema continuava o mesmo, desligou o aparelho. Não se sentiu nem triste nem desiludido, sorriu satisfeito por se ter tresmalhado do rebanho que segue aqueles debates acreditando no que um lado e o outro dizem, convictos de a verdade esta do lado dos que uns e outros gostam. Como ele já não acredita nem em uns nem em outros, viu como a Democracia não se fortalece, estando dia a dia mais anémica a necessitar urgentemente de nova transfusão de sangue sem que se vislumbre no horizonte quem poderá ser o dador que permita à Democracia tirar as gentes anónimas da hibernação a que o sistema da nova ordem democrática as conduziu, para que as mesmas possam voltar a sorrir, voltar a acreditar, deixando os populistas baratos a falarem sozinhos nas suas cantilenas.


Estava a reler o que tinha escrito no seu computador quando sentiu a musica da chuva no telhado do seu telheiro. Foi à janela do quarto e confirmou. No céu viam-se os relâmpagos da trovoada que chegou de novo com o vento a soprar em rajadas não tão fortes como na tarde anterior. O vento trouxe a chuva que ficou caindo um pouco mais sem ser com vento, uma água que deu alguma humidade aos terrenos secos ávidos de sede. Olhou as oliveiras e confirmou as suas folhas voltadas para cima a fim de receberem a abençoada chuva, que chegou tarde mas vale mais tarde que nunca. Com ela alguma pouca erva irá nascer e renascer para os animais de pastagem possam saciar a sua fome de alguma verdura.


Nestes finais de tarde a chuva, mesmo que seja pouca, trás o arrefecimento do ar e tudo fica mais silencioso anunciando a previsível chegada da solidão, sentindo que este tempo é agradável para partilhar uma simples conversa com quem esteja presente. Ele só tem a ausência como companhia, sentindo que o seu estado de solitário fica mais nostálgico mais fraco e carente com estes finais de tarde em que a chuva caiu por momentos.

Nestas alturas recorda as palavras de seu pai quando os dois conversavam, dizendo-lhe o pai «que para viver cá, teria que encontrar outra mulher». O pai sabia do que falava pois viveu dezasseis anos sozinho após a morte de sua mulher tendo os dois vivido mais de cinquenta anos de vida em comum. Viveu seu pai por sua decisão alguns anos no lar gerido pelo Centro Social de Bem Estar e Cultural a cujos corpos gerentes pertenceu alguns anos, mas mesmo nesse tempo estando rodeado de pessoas continuou a viver sozinho, porque o estar só é um estado de alma que se interioriza independente de quem possa estar ao nosso lado.

Essa experiência de estar acompanhado estando só, já a tem sendo um doutorado pela universidade da vida; ainda pensou que com o relacionamento com a nova companheira depois de estar separado e divorciado iria ser diferente mas não, dia a dia está mais só do que alguma vez imaginou. Mais só porque pensam e defendem valores diferentes, alguns mesmo antagónicos, vivendo junto porque existe gratidão da sua parte, uma gratidão que se sobrepõe ao amor anémico que os une. Gratidão por quem lhe deu a mão, quando andava perdido pensando em muitos fins de tarde como o de hoje em que solitário pensava em desaparecer tornando-se em mais um desconhecido sem obrigo, longe de tudo e de todos. Ela deu-lhe a mão e fê-lo sonhar com uma vida de companheiros, que hoje sabe que foi um sonho de ilusão com o passado de cada um a intrometer-se constantemente entre eles.

Ao jantar liga o aparelho de televisão, olha-o sem se inteirar do que estão a falar. A televisão não o satisfaz minimamente. As notícias de como corre o mundo pouco lhe interessam. Liga o computador para escrever e ao mesmo tempo ligar-se ao YouTube e ouvir as suas musicas que continuam a ser as mesmas de quando jovem acreditava num mundo novo e diferente daquele em que vive e ajudou a construir.

O telefone não toca, ninguém lhe liga e também não sente vontade de ligar. O silêncio é a companhia dos seus pensamentos das suas recordações.

Antes de desligar o computador lembrou-se de ir ver a sua ficha de cadastro na Autoridade Tributária. Continuava tudo na mesma, sem resposta à sua solicitação. Em tempo enviou por correio registado a documentação, incluindo fotocópia notarial do pedido de reavaliação do estado multiusos que fez na Delegação Regional de Saúde da Região de Lisboa e Vale do Tejo. Agora por via eletrónica pediram-lhe o envio de tal documento. Tirou um foto com o telemóvel, enviando-a para o e-mail e daí para os documentos de modo a anexar na resposta à Autoridade Tributária. Vai aguardar mas o que tudo isto significa é a falta de profissionalismo do funcionário que rececionou a carta com os documentos que enviou no início do ano. É em parte por isto que desligou da política atual, tanto lhe faz que seja o PS como o PSD a governar. A diferença entre eles é apenas na forma como nos “violam” nos “sodomizam” cumprindo ambos as decisões dos liberais e neoliberais que sem serem eleitos pelo voto direto dos cidadãos nos governam a partir de Bruxelas. Os que se designam do “centro-esquerda usam palavras redondas qual creme ou vaselina, enquanto que os outros da «direita-ao centro» é logo a frio, querendo ambos ficar bem na fotografia perante os liberais sem alma humanista de Bruxelas. O «centrão» político criou uma máquina estatal de funcionários que a exemplo dos superiores políticos-nomeados não respeitam os direitos dos cidadãos anónimos. Estão lá para ganharem o deles no fim do mês. Que merda de vida esta da nova ordem democrática. Desiludido despede-se das letras que vai escrevendo e vai colocar o corpo na horizontal já que no YouTube o Zé Mário cantava «faz o que tens a fazer».



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