segunda-feira, 2 de maio de 2022

22.04.26


As festas, os dizeres, os slogan habituais, as manifestações de rua com as suas palavras de ordem. Tudo se passou ontem numa rotina em que o 25 de Abril se transformou.

Desde 1979 que fica em casa. Já não se lembra qual foi o último ano em que ouviu com atenção os discursos da praxe que os políticos partidários declamam. Olha as imagens fugazes que as televisões lhe dão. Elas, televisões, não gostam do 25 de Abril naif de 1974. Aceitam os capitães de Abril que vão resistindo à passagem do tempo e ignoram-nos de imediato, assim que terminam as comemorações oficiais nas Cortes em S. Bento.

Nas imagens das celebrações oficiais viu políticos com cara de envergonhados usando o cravo encarnado na lapela, símbolo que ficou de uma revolução que pôs um ponto de ordem à República mudando-lhe a agulha para uma nova vivência de tantas Esperanças. Viu um Presidente de cravo na mão no seu já habitual cinismo, leva o cravo mas não na lapela para o no discurso oficial não o apresentar. Outros políticos, em crescendo, recusaram o uso do cravo vermelho. É um direito que lhes assiste. Alguns vomitam ódio à Democracia, outros são rebentos novos ou os novos rebentos dos políticos que no Estado Novo militavam na Ação Nacional Popular de Marcelo Caetano (antiga União Nacional de Salazar) até ao 24 de Abril de 1974. Todos nesta Democracia têm direito à existência política. Todos, nesta Democracia, devem essa Liberdade de opção, ao coletivo de militares que arriscando as suas vidas futuras realizaram a revolução naif do 25 de Abril de 1974.

Novos tempos vivemos onde nuvens carregadas de ódio e não de amor ao próximo andam pelos céus.

Hoje é dia 26 de Abril. O dia em que há 48 anos chegou ao arame farpado do Mumbué a confirmação da concretização e sucesso de mais um golpe militar no Puto. Que futuro aguardaria aqueles jovens militares a partir desse dia, que entre operações de reconhecimento palmilhando quilómetros sem fim, de participação em bases táticas longe da companhia e dos poucos dias que lhes eram permitidos para retemperar forças dentro do arame farpado, cumpriam o dever de lutar pela integridade da Pátria do Minho até Timor, segundo os governantes e seus apoiantes até ao dia da antevéspera? Que futuro seria o dele e dos seus homens tão jovens quanto ele? Dúvidas só dúvidas pairavam naqueles jovens colocados à margem do mundo, onde a companhia mais fiel que conheciam era a sua G3.

As altas patentes militares, aguardadas para a cerimónia de entrega de casas novas aos dois grupos de GE's adstritos à Companhia, tardavam em chegar. Pelo ar não se ouvia o barulho de qualquer aeronave. Chegaram outras patentes pela estrada asfaltada. Os discursos rápidos da ordem, a entrega das chaves e ala que se fazia tarde. Assim como chegaram partiram. Nem uma palavra de esperança lhes deram sobre o que se passava lá longe no Puto. Eram «carne para canhão» para o sistema, não tinhas outro direito que não fosse o cumprimento das ordens e disciplina militar. Dúvidas sobre o futuro não lhes pertenciam.


Como há 48 anos, hoje dia 26, são mais dúvidas que as esperanças. Esperanças ainda há algumas. Com o passar dos anos, com avançar da idade, o desgaste da vida, o 25 de Abril é a cada ano um dia relembrado a 25 e guardado na gaveta pelas Cortes em S. Bento a 26, que os senhores do poder económico têm outros valores mais urgentes nos seus “offshores” amigos, perante a complacência de governantes democráticos cordiais, submissos aos interesses dos senhores com poderes na economia.

Existe por outro lado uma ascensão de conservadorismo na hipócrita classe média. Antigos revolucionários oriundos da pequena e média burguesia de então, cujos ideais gritados em todas as avenidas, ruas e esquinas da cidade, com as suas bandeiras desfraldadas ao vento, depressa deitaram no caixote do lixo as suas paixões, os seus amores exacerbados pelo maoísmo, pelo marxismo-leninismo, pela popular anarquia, pelo trotskismo, por forma a que pudessem ser reciclados. Uma vez reciclados e apagados dos seus currículos esses desvarios de juventude, depressa se converteram à boa vida que a máquina do Estado Social saído da Revolução de Abril lhes proporcionou com segurança. São hoje uma classe social de cultura acima da média, adeptos defensores com unhas e dentes conservadores, do liberalismo mais ou menos liberal "made in Bruxelas''. Para eles o futuro do país está mais em Bruxelas do que em Portugal. Fazem-lhe lembrar os tempos que não viveu de 1580 em que para a então nobreza e clero ortodoxo da Inquisição o futuro do país estava também mais em Castela e Aragão do que em Portugal.

Sentem muitos desses antigos revolucionários maoístas, marxistas-leninistas, trotskistas e da revolução popular anárquica, alergia à «Revolução Naif dos Cravos Vermelhos» protagonizada por jovens capitães do quadro, que fazendo a guerra viram, tomaram conhecimento da realidade e pensaram, que o futuro das suas gentes, dos seus soldados não tinha outra solução se não o mudar a agulha nos carris da vida que o país levava.

Hoje, muitos desses antigos revolucionários convertidos ao bom conservadorismo burguês, intelectuais que são e seus seguidores, limitam-se a enaltecer algumas figuras individuais como heróis de uma revolução, quando esta foi obra de um coletivo militar, não de um ou outro militar. Militares que conversando e discutindo entre si souberam ultrapassar pequenas divergências individuais, para em coletivo olharem e pensarem mais longe do que a «brigada de reumático» que os comandava a partir dos corredores palacianos do poder, longe da realidade da vida e da guerra.

«Brigada de reumático» que não só os comandava como era sustentáculo dos governantes de um “Portugal orgulhosamente só”, e, ao mesmo tempo segurança e garantia da ditadura que arrastava há muito o país para uma pobreza de anemia crónica.

Pobreza que agradava a uma parte considerável da sociedade portuguesa. Era normal que uma parte da sociedade de então, não visse com bons olhos a Revolução; habituados e complacentes com a vida de 48 anos de ditadura a ferro e fogo, que agradava aos seus interesses individuais.

Desse trabalho coletivo de militares arriscando as suas vidas nasceu o Naif 25 de Abril de 1974 de que alguns se querem aproveitar como sendo deles também o conhecimento, a influência e a decisão.

Hoje, republicano e pequeno burguês que é, caminha na outra margem da vida onde não existe mais o arame farpado limitativo dos seus desejos que ainda alimenta em si, mais do que dos seus sonhos de juventude



 

Sem comentários:

Enviar um comentário

Nota: só um membro deste blogue pode publicar um comentário.