Conversas
íntimas
No caminho entre a casa e o comboio os
seus dois “eu” vão dialogando ora com harmonia ora em diálogo mais ríspido
Pudesse e soubesse ele armazenar os dados processados entre os dois enquanto
caminhava na distância entre a casa e o comboio e escreveria um livro, soubesse
ele...
A “Sombra” é sempre mais crítica no falar
e nas acções do “Eu”, funcionando como sombra crítica, como a voz da
consciência em auto-critica.
Os dois (estará bem dito?) coabitam,
nasceram no mesmo momento, no final de uma noite longa de inverno quando o dia
receberia os primeiros raios de luz. Cresceram e desenvolveram-se e quando
tomaram consciência das coisas da astrologia viveram de mãos dadas pensando
enquadrarem-se no signo Capricórnio, não dando muita importância assumiam-se
como tal. No início da curva descendente da vida ficaram a saber que tal não
era assim, afinal eram do signo de Sagitário, zangaram-se e vivem os dois,
quando o “Eu” é Sagitário a “Sombra” é Capricórnio, quando o “Eu” está
Capricórnio a “Sombra” procura estar em Sagitário. Imagem dos conflitos
internos que protagonizam entre o viver o correr dos dias e os momentos de
reflexão ou de meditação quando com o Master vagueia pelas ruas e campos da
Moita.
Ambos têm consciência dos conflitos que
vivem, ambos têm consciência que são inseparáveis enquanto durar esta viagem. O
passado os moldou, o presente é dos dois, o futuro por enquanto não existe. Às
vezes a “Sombra” vai na frente, noutras ocasiões deixa-se ficar para trás mas
entram juntos no comboio. Se o “Eu” é emocional a “Sombra” é o racional e
vice-versa. Se o “Eu” é o intuitivo a “Sombra” é conclusão e vice-versa. Pelo
modelo ocidental ou são um ou são o outro e quase nunca os dois. Se o “Eu” é o
positivo a “Sombra será o negativo ou o neutro. Os dois “Eu” e “Sombra” são o orgânico.
Quem comanda a escrita o “Eu” ou a “Sombra”? Não sei! Mas os dois estão de acordo
com o que ele vai escrevendo no papel.
Ao passar em trabalho na zona de Cascais
Sintra queria-se lembrar do nome do director financeiro daquela empresa de
telecomunicações, que um dia ajudou em Mafra a passar aos serviços auxiliares
quando estavam no serviço militar e o Sistema queria todos os jovens aptos para
o combate da soberania em África, mesmo quando tais jovens eram doentes de asma
como era o caso. Era difícil sair de Mafra para a consulta externa no Hospital
Militar Principal ali para os lados da Estrela em Lisboa, mas ele conseguiu que
o amigo saísse embora nunca mais se tivessem visto enquanto militares, ajudou-o
e o outro nunca mais o procurou para pelo menos lhe dar um abraço de
agradecimento. Agora sentado ao lado do condutor procurava na memória armazenada
o nome dele e não o encontrava nos arquivos, quanto mais se esforçava mais
vazia sentia a memória, olhava o azul do mar na estrada do Guincho e
enervava-se. Na manhã seguinte ainda era noite quando debaixo do chuveiro o
nome que tanto buscava no dia anterior como que saiu das moléculas de água
quente que lhe batiam na pele do rosto e se postou ali em frente com todas as
letras J R (João Ribeiro). E de novo outra questão se lhe colocou. Quem encontro
o J R no arquivo morto da memória, o “Eu” ou a “Sombra”?
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