quinta-feira, 1 de outubro de 2020

20.06.21

 

A noite está chegando. Com ela o silêncio é interrompido pelo ladrar de um ou outro cão, por uma mãe que gritando chama pelo filho que indiferente continua a andar de bicicleta pelas ruas da aldeia. Passa um camião vindo de Espanha. A mãe é uma cigana que não deixa de ser mãe e mulher portuguesa. Sentado no quintal recorda outros tempos em que ainda cá estavam todos. A vida é feita de vários ciclos. Uns mais prolongados, outros mais curtos. E o dele como será? Semelhante ao do pai ou semelhante ao da mãe? Só no fim saberá embora não o possa depois comentar aos que por cá vão continuar a viagem, só eles poderão saber se é que se irão lembrar desse pormenor.

Deitou-se cedo com o privilegio de dormir de janela sem os estores fechados. Está calor mas as noites ainda são frescas. Não havendo contágios do vírus pela terra é bom não se expor a uma possível constipação. O seguro providência morreu de velho. Todo o cuidado é pouco, sempre ouviu dizer aos de mais idade. Sem medo para não perder a noção do tempo espaço que está desfrutando segue nesta sua viagem sem pressas. Devagar se pode chegar mais longe. Entrou na recta final que a quer longa sem sofrimento nem dar trabalhos a terceiros. Como o futuro é incerto nada sabe como será o seu acordar amanhã quanto mais o depois de amanhã. Nunca foi homem de programar o que vestir e fazer na manhã seguinte. Quando acorda toma nota de como estão as suas actividades motoras, agradecendo ao além por mais uma oportunidade, põe depois em marcha a sua memória RAM a fim de decidir o que irá vestir e fazer nesse dia que mal acaba de começar.

Pensa ainda como nos tempos de juventude em que gostava das manifestações onde gritavam com toda a força da utopia as duas palavras "independência nacional". Hoje continua a ser uma palavra de ordem bonita, misteriosa, cada vez mais uma utopia, um sonho, a perder força mas para ele continua bonita sem se fazer velha embora apresente muitas rugas. Mas esta não independência nacional que se vive não é por mesmo logo ali, quase ao alcance da vista estarem os amigos espanhóis. Hoje amigos com respeito mútuo, depois de muitos anos e séculos passados a pelejarem entre si, sempre em defesa dos interesses de outras nobrezas que não só as suas vidas, ou as suas terras.

Esta não independência nacional é muito mais pelo caminho das políticas europeias que um dia ele e os outros aceitaram integrar acreditando que o bem estar económico e social dos povos do Norte da Europa iria chegar de forma graciosa. Esquecendo-se de algum do nosso passado recente e, esbanjando em luxos e em despesas públicas supérfluas, os dinheiros que nos deram, assim como, a capacidade de endividamento obtida ao integrar esse espaço económico e social europeu. Milhões se evaporaram-se entre negociatas nos corredores do poder, viagens de negócios, e almoços grátis.

De todo esse dinheiro com tantos zeros não sabe ele como tanto se pode ter evaporado sem que o país tenha dado o salto para o meio do pelotão europeu, continuando a pedalar com dificuldades na cauda com o carro vassoura à vista. Resta ao país o Serviço Nacional de Saúde, as infraestruturas na educação do Ensino Público (escolas, institutos politécnicos e polos universitários), algumas não todas, auto-estradas e a rede abastecimento de água assim como a rede de esgotos que cobrem a quase totalidade do país. O resto são histórias que nenhum cronista irá enaltecer ou glorificar em obra literária para desgosto de políticos-governantes que não tiveram a ousadia, a coragem, de fazer, impor, a transformação económica que tanto dinheiro exigia.

Contudo, mesmo com todos os nossos erros e desvios valeu a pena o caminho da integração na Europa. Sem ela estaríamos ainda mais pobres e em pior situação.

Hoje sente, os descendentes das mesmas famílias de sempre, isto é, do tal passado recente e dos novos ricos da democracia à custa dos muitos negócios com a máquina do Estado democrático, esfregarem as mãos em privado a contar com "os pintos" que a nova "galinha de ouro" prevê para ocorrer às economias do Sul que mais sofreram e sofrem com a pandemia. O pior é se os ovos da tal "galinha de ouro" saem chochos e não dão "os pintos" aguardados.

No silêncio da noite vai pensando.

Que nos irá acontecer com ou sem "os pintos" da União Europeia?

Que plano de fomento, de desenvolvimento, temos para o futuro colectivo deste rectângulo à beira mar que já foi jardim?

Seremos auto suficientes? Essa ideia não é ideia, porque ninguém o é ou será. Mas que futuro nos oferecem as forças políticas do arco da governação?

Que soluções de inovações terão em mente a germinar?

Contratar um especialista é um passo… mas então que fazem os muitos organismos, secretarias e serviços da máquina do Estado? Trabalham para aquecer?

Será que se vai apostar no poder criativo dos portugueses ou vamos continuar a pensar que o que importamos do estrangeiro é que é bom?

Mais sacrifícios é certo que teremos de suportar. Disso não tem dúvidas. A situação não é nada famosa para a saúde, para a economia, para o trabalho, para as contas públicas endividadas até à medula, para o bem estar de todos com especial atenção para as largas franjas da pobreza crónica e dos que com a pandemia chegaram vindos de uma classe média sem a cultura e o saber económico da formiga, escravos que eram do consumismo supérfluo.

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