sexta-feira, 2 de outubro de 2020

Sento-me na varanda

 

Sento-me na varanda. É domingo. Olho a ponte que as nuvens não me deixam ver. Está mais fresco esta manhã. A Sacha respira ainda ofegante da caminhada que fizemos. Quando estiver mais calma dar-lhe-ei a refeição da manhã. Olho a mulher da limpeza que fuma e varre o chão exterior do supermercado. Não gosta de mim. Sei que não gosta pela expressão que faz ao passar por mim. Ela vem entrar ao trabalho e eu estou a começar a volta matinal de todos os dias. Poderá ter medo dos cães. Poderá não gostar de animais. Está no seu direito. Eu continuo no meu mundo. Um mundo cada vez mais fechado, mais solitário sem solidão. Só as janelas estão abertas ao exterior. Fechei as portas sem trinco nem fechadura. Quem vier por bem pode empurrar e entrar não precisa de pedir licença. Depois se verá.

Vejo as previsões que o telemóvel me fornece. Três lugares. Nesses três lugares vivo. Primeiro o telemóvel diz-me que hoje o calor chegará aos 29 graus em Alverca. Passo o dedo no ecrã e vejo que no meu canto raiano chegará aos 38 graus. Passo de novo o dedo no ecrã e vejo que na minha praia a previsão aponta para os 21 graus. Um país pequeno com diferenças significativas entre o litoral e a fronteira com os vizinhos espanhóis da Extremadura. O meu país de lés a lés.

No céu as nuvens de Sudeste vêm para se encontrarem com as nuvens de Noroeste. Talvez façam alguma festa, talvez se abracem sem medo do vírus que vai matando e lançando medo nos Humanos.

Está na hora de dar de comer à Sacha.

Ligo a televisão para ver se há novidades sérias. Parece que nada aconteceu entre o ter-me deixado dormir no sofá ontem à noite e o agora de hoje nesta manhã agradável de frescura cinzenta.

Um cinzento natural. Diferente do cinzento das nossas vidas nestes tempos de pandemias várias. Mesmo com a vida suspensa num coma induzido o país vai à banhos indiferente ao que será o dia de amanhã. Faz-me confusão como sempre me fez este modo de olhar a vida. A pressa, a ânsia como vivem o presente sem se importarem nem com o amanhã nem com o outro. Um presente ganancioso, egoísta que recuso. Nos trilhos por onde ando e navego faço de cada dia o primeiro dia do resto da minha vida. Vivo caminhando com as lembranças levando a esperança como companhia. Não quero viver o dia como se fosse o último. Não alinho nessa marcha anónima.

Quero saber o que resolvem os senhores importantes desta União desunida lá em Bruxelas. Mas o que me oferecem são imagens e mais imagens de fogos, é a coscuvilhice de milhões sobre uma tal Cristina de gritos estridentes e de um Jesus treinador que regressa ao local onde foi feliz mas onde os donos do lugar diziam que não mais voltaria. E como se essas tristes figuras não chegassem para me castigar, ainda me martelam os neurónios com a figura sinistra de um bastonário que cursou na universidade pública, que acabadinho de se licenciar logo encontrou trabalho seguro num hospital público, onde à custa do orçamento de Estado estagiou, tirou a sua especialidade para agora andar numa peregrinação cínica venenosa contra o mesmo Estado, sempre a favor dos grupos económicos privados e amigos onde também exerce. Grupos económicos que vêm nas nossas doenças a forma mais rentável de sugarem o nosso parco rendimento disponível.

O céu vai ficando azul. Vou esquecer estas figuras tristes que me entram pelas janelas.

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