E se duvidas existissem sobre o respeito que os Governantes tiveram e têm com os jovens de então grisalhos e velhos de hoje, que na flor da idade foram mandados combater nas diversas frentes em Goa Damão e Diu, Angola, Guiné e Moçambique de onde muitos não regressaram, outros muitos foram evacuados deficientes e doentes sendo que aqueles que do mato voltaram para o colo da mãe, para os braços das esposas e namoradas, já não eram de verdade os mesmos que um dia partiram do cais em Alcântara ou da Rocha de Conde Óbidos ou do aeroporto militar de Figo Maduro… se duvidas existissem a Lei nº 46/2020 agora aprovada na Assembleia da Republica e promulgada pelo Presidente, a mim não mas tiraram, antes pelo contrário.
A aprovação do Estatuto do Antigo Combatente só colateralmente, porque de outra forma seria uma afronta vergonhosa, engloba os ainda vivos grisalhos e velhos das frentes quer na Índia quer em Angola, Guiné e Moçambique.
O 25 de Abril aconteceu há 46 anos.
O Primeiro Governo Constitucional de Portugal tomou posse a 23 de julho de 1976, ou seja há 44 anos.
Em 44 anos a única medida que existiu foi a conceção de um «complemento especial de pensão» anual no máximo de 150,0€ aos antigos combatentes reformados e aposentados que comprovassem ter estado nessas frentes de guerra.
Um «complemento especial de pensão» não o reconhecimento publico. Como se com aquele valor calasse a revolta silenciosa de muitos e muitos dos antigos combatentes que obedeceram mandados à força para a guerra por um regime tão anacrónico, egoísta e cruel que os próprios militares de carreira lhe puseram fim a 25 de Abril de 1974. Para trás ficaram anos e muitas vidas que se perderam ingloriamente, sendo que nas frentes de guerra em África só houve perdedores de um lado e do outro, ninguém saiu a ganhar.
A minha Companhia de Caçadores foi das últimas a partir efetuando o embarque por avião a 15 de Dezembro de 1972. O 25 de Abril encontrou-nos no mato sem fim do Leste Angolano. Hoje, os que sobreviveram ao longo do tempo ao desgaste da vida dura e difícil, somos grisalhos e velhos com os mais novos na casa do 69 anos. Dos três Capitães Milicianos das Companhias Operacionais só o da minha Companhia é vivo.
Era um jovem de 20 anos quando ingressei no Calhau em Mafra. Tinha consciência do que me poderia acontecer. Formei um grupo de jovens tão jovens quanto eu em Chaves. O desertar e o cumprir a obrigação foram sentimentos vividos. A fronteira estava perto, o Rio Tâmega passava-se bem a pé ou a nado. Mas fui à guerra consciente de qual era a minha principal missão – o regressar são e salvo de todo o grupo, daquela guerra que não era nossa. Parti com 21 anos e com a responsabilidade de zelar pela vida de 30 jovens como eu.
Claro que as doutas cabeças que elaboraram, aprovaram e promulgaram a presente Lei desconhecem totalmente o sofrimento, a angústia da incerteza, o conviver com a revolta surda todos os dias e todas as noites. Noites que o sexo com a preta lavadeira, a bebedeira , a masturbação num buraco de uma árvore feito durante o quarto de sentinela, e, por fim a liamba não acalmavam muitos dos espíritos que na ilusão de uma viagem ao Puto a ela se entregavam.
No vosso Artigo 4º “Deveres dos Antigos Combatentes” alínea b) aprovaram e promulgaram os senhores «Honrar a camaradagem, a responsabilidade e a solidariedade»… Ao fim de 44 anos se alguém Não Soube Honrar a camaradagem, a responsabilidade e a solidariedade, foram os senhores e todos os vossos antecessores quer em S. Bento, quer em Belém.
Esta Lei e o Estatuto a ela anexo que os senhores Governantes, Deputados e Presidente aprovaram e promulgaram, tem muito mais a ver com o satisfazer de reivindicações que os actuais militares do quadro e os outros militares a termo que se Oferecem Voluntariamente para as chamadas missões de Paz da ONU possam ter feito, do que se preocuparem com os grisalhos e velhos que andaram Obrigados à Força a lutar em guerras inglórias a mando de um Sistema Governativo Anacrónico, Egoísta e Cruel.
Hei-de ter o Cartão de Antigo Combatente, já que nunca me aprovaram o cartão de oficial milicianos com a farda número 1 por causa do tamanho das minhas patilhas. Só espero que não demorem tanto tempo a decidir a regulamentação como demoraram a aprovar a Lei do Antigo Combatente é que gostava de o guardar junto das minhas memórias.
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