Recomeça o tempo de um novo mês, o oitavo do calendário. Nada mudou, o céu continua encoberto, um pouco mais fresco até. É o tempo do oeste a norte ou a sul do Cabo Carvoeiro, sempre muito dependente dos humores do Anticiclone dos Açores, esse centro de alta pressão que vagueia normalmente no oceano Atlântico entre as ilhas dos Açores e o sul da Inglaterra.
A praia com mar de águas que ainda deixam ver os pés na areia quando se entra e se avança nele, de areia um pouco grossa para os novos visitantes, já não me chama, o estender a toalha para colocar o corpo ao sol já não é a minha praia. Só os netos me trazem para com eles e com a sua alegria inocente poder viver ou reviver tempos felizes do passado quando aqui cheguei com doze anos e mais tarde quando deixei as praias algarvias e para aqui retornei com as filhas. A maré está na praia-mar mas o vento norte não convida os veraneantes a irem ao banho.
Na areia os netos com os amigos jogam ao 31 entre barracas até que cansados de tanto correrem pediram e lá foram ao banho com o neto Guilherme a dizer-me que a água estava fria, habituado que está às águas algarvias e espanholas, mas se os outros foram ele venceu o frio e também deu um mergulho; a neta Luísa nunca tem frio é um peixe mergulhão. Assim se vive e revive momentos de felicidade.
Mudei, todos os dias mudo um pouco, sempre um pouco mais nesta reta final onde não entro nem saio pela porta que insiste em ficar aberta quando a empurro para a fechar, até quando não sei, mas um dia no incerto futuro quando a minha dualidade terminar ela se irá fechar sem necessidade de a empurrar.
Estou à beira mar olhando não o passado mas o meu canto onde a maresia e o odor do iodo libertado pela decomposição do limo correia que o mar entregou ao areal não chegam,
só, estou aqui e estou lá observando a passarada depenicando uvas e figos, sentindo nesta manhã de neblina fresca o odor seco da terra quente.
Não sei onde é que eu e a mãe erramos na educação das filhas. Olho a anarquia na casa, abro o frigorífico e assusto-me com a desordem no arrumo dos alimentos, não há caixas de conservação, subi aos quartos e fechei os olhos, nem sequer puxam as orelhas aos lençóis e ou edredões, com esta escola como será a vida das netas quando tiverem a sua casa?
De nada me vale ficar preocupado, já não digo nada, sou um velho sem velhice que já não tenho futuro neste país de vidas ilusórias, com uma juventude pouco inquieta e reivindicativa politicamente, uma juventude em que os pais ignoram o bufar dos falcões internos da OTAN preparando-se para no futuro com as várias guerras que os seus mandantes americanos promovem e desencadeiam, necessitarem de terem jovens disponíveis para servirem como «carne para canhão»; às gerações pós 25 de Abril só lhes interessa festivais de música e viagens de turismo para fora do país; a roupa tem de ser de marca sonante da moda que depois é atirada para cima de sofás e cadeiras ou mesmo no chão a monte, telemóvel tem de ser de marca e se possível última geração para que possam aer substituídos por novos modelos. A política não lhes interessa, dizem eles.
Que futuro terá o meu país?
Estou pela primeira vez com os netos mais novos que já têm nove anos, uma felicidade serena que já me tinha esquecido que existia.