Quarenta
e oito anos já passaram desde a última vez que te falei.
Deixei-te
sem dizer o porque, sem dar uma explicação.
Nem
quando fizemos o último exame do curso te falei, talvez nem
te olhei.
Depois
vi-te um dia, ias a descer a rua do Alecrim ao pé do Largo
do Camões onde tantas vezes passamos os dois.
Voltei
a ver-te anos mais tarde, estávamos no Café Roma, eu a
estudar com os meus colegas de grupo e tu com um senhor
talvez fosse o teu esposo, talvez.
Depois
nunca mais nos vimos nem sei se existes ou não, ainda um
dia ao encontrar a Fernanda falamos de ti, mas também ela
não sabia nada. Com o Monteiro falei uma vez.
Agora
no comboio pergunto-me o porquê de me lembrar de tudo
isto e em especial de ti, América. Sim, porque?
Coisas
estranhas da mente ou da consciência que sem entender o
porque traz de volta a tua memória e o meu comportamento
passado.
E
neste mergulhar no passado, não sei se a última vez que
falamos foi quando chorando me contraste do teu passado de
menina, da tua vida de jovem, choravas como se estivesses a
adivinhar que te iria deixar sem mais explicações, indiferente
aos telefonemas que durante alguns dias foste fazendo para
casa da minha vizinha, já que não tinha telefone em casa.
E,
porque ao fim destes quarenta e oito anos, hoje dia vinte e
sete de Junho, me lembro de tudo isto. Não sei nada de ti,
se foste ou se és feliz, nem sei se estas lembranças são
remorsos do que te fiz sofrer nesse tempo. Eu fui feliz a
espaços, sentindo que carrego comigo a sina de fazer os
outros sofrerem por minha causa quando estabelecemos laços
mais afetivos.
Nova
viagem de visita ao hospital e de novo o relembrar-me de
ti. Será que ainda te vou reencontrar e ter coragem de te
ir falar para te pedir desculpa por todo o sofrimento que
há quarenta e oito anos te causei?
Não
sei, mas que são estranhas todas estas lembranças quando
venho visitar um familiar ao hospital…
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