sexta-feira, 6 de julho de 2018

América


Quarenta e oito anos já passaram desde a última vez que te falei.
Deixei-te sem dizer o porque, sem dar uma explicação.
Nem quando fizemos o último exame do curso te falei, talvez nem te olhei.
Depois vi-te um dia, ias a descer a rua do Alecrim ao pé do Largo do Camões onde tantas vezes passamos os dois.
Voltei a ver-te anos mais tarde, estávamos no Café Roma, eu a estudar com os meus colegas de grupo e tu com um senhor talvez fosse o teu esposo, talvez.
Depois nunca mais nos vimos nem sei se existes ou não, ainda um dia ao encontrar a Fernanda falamos de ti, mas também ela não sabia nada. Com o Monteiro falei uma vez.
Agora no comboio pergunto-me o porquê de me lembrar de tudo isto e em especial de ti, América. Sim, porque?
Coisas estranhas da mente ou da consciência que sem entender o porque traz de volta a tua memória e o meu comportamento passado.
E neste mergulhar no passado, não sei se a última vez que falamos foi quando chorando me contraste do teu passado de menina, da tua vida de jovem, choravas como se estivesses a adivinhar que te iria deixar sem mais explicações, indiferente aos telefonemas que durante alguns dias foste fazendo para casa da minha vizinha, já que não tinha telefone em casa.
E, porque ao fim destes quarenta e oito anos, hoje dia vinte e sete de Junho, me lembro de tudo isto. Não sei nada de ti, se foste ou se és feliz, nem sei se estas lembranças são remorsos do que te fiz sofrer nesse tempo. Eu fui feliz a espaços, sentindo que carrego comigo a sina de fazer os outros sofrerem por minha causa quando estabelecemos laços mais afetivos.

Nova viagem de visita ao hospital e de novo o relembrar-me de ti. Será que ainda te vou reencontrar e ter coragem de te ir falar para te pedir desculpa por todo o sofrimento que há quarenta e oito anos te causei?
Não sei, mas que são estranhas todas estas lembranças quando venho visitar um familiar ao hospital…

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