Cheguei
à cidade grande depois de mais uma viagem calma por autoestrada, com
o piso da A23 a chamar a atenção para o seu estado, mas não vou
entrar nesse tema que mexe com despesa pública, com previsões e
objectivos orçamentais, com cumplicidades entre o público e o
privado, já que a mesma é uma SCUT.
Ligo
a televisão, viajo entre canais e tenho vontade de voltar para trás,
ficar no sossego da casa pequena rodeado seja pelo silêncio, seja
pelo barulho dos camiões no vai e vem para e de Espanha, seja pelo
assobiar do vento ou do canto da chuva a alimentar a esperança de
quem tanto precisa dela.
Na
manhã seguinte vou ao centro da cidade grande tratar de assuntos,
ligo o rádio do carro e é só o tal de juiz desembargador que ocupa
a manhã na TSF. Ouvi uns contra, outros nem tanto, e, poucos
concordando com o clausulado jurídico que sustenta a decisão
tomada.
As
minhas dúvidas sobre a Justiça são como o brandy Constantino, vêm
de longe. É difícil quase impossível ser-se isento. A Justiça é
sempre a imagem da classe dominante, mais ou menos desfocada mas é.
O
juiz desembargador em causa, no primeiro acórdão, levantou e bem,
uma onda de reprovação, mas ele não decidiu sozinho, no total
foram cinco juízes se não estou em erro; neste segundo talvez tenha
também actuado em parceria com outro ou outros juízes, não sei. O
problema na minha opinião ultrapassa a figura da pessoa em causa.
Há
no sistema de justiça como em outros sectores da nossa vida em
sociedade grupos sócio-profissionais que actuam de forma
corporativa. Uns com sindicatos, outros com associações sindicais,
mas todos procurando defender unicamente os interesses do umbigo do
seu rebanho, incapazes de olharem a sociedade envolvente e o futuro
com olhos solidários para todos aqueles que precisam deles. Aqueles
que na verdade são o garante da necessidade do seu posto de
trabalho.
As
greves cirúrgicas dos enfermeiros servem-se dos doentes indefesos
para exigirem do Estado condições que o SNS publico parece não ter
condições de lhes proporcionar. Com essas greves atacam e desgastam
o SNS favorecendo implicitamente as instituições privadas de saúde.
As
greves dos professores servem-se dos alunos para reivindicarem a
contagem total dos anos, meses, dias, horas, minutos e segundos em
que a mesma ficou suspensa para efeito de contagem de tempo nas
progressões de carreira, ou seja nas subidas de escalão quase
automática fazendo jus à velha história de “a velhice é um
posto”.
Os
Juízes com a sua associação sindical querem ser uma ilha só de
direitos, regalias e mordomias, acima e sustentada pelo próprio
Estado-contribuinte, esquecendo, ignorando de todo a própria
Constituição. Para alguns deles é mais fonte de Lei a bíblia e se
calhar o alcorão, do que a Constituição e as Leis aprovadas na
Assembleia da República.
Como
mudar este estado de coisas onde organizações sócio profissionais
de ideologias políticas diferenciadas, na prática se equivalem na
sua luta por mais dinheiro e regalias, em que todos apregoam o Estado
de Direito olhando exclusivamente para o seu umbigo, semeando nos
seguidores as sementes do fanatismo e da intolerância quanto ao
Estado Democrático que os sustenta como trabalhadores de primeira.
Será
que as palavras Igualdade, Fraternidade, Solidariedade foram apagadas
do dicionário da vida colectiva em sociedade democrática ou sou eu
que de tanto andar pela outra margem estou a ficar fora do mundo?
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