domingo, 6 de maio de 2018

Pela boca morre o peixe


Escrevia eu mãe, que gosto de futebol, mas agora como adepto de sofá, quando nessa noite o mano me telefona a dizer-me que vinha ver o jogo com a malta do núcleo da Mealhada, e que tinha bilhete também para mim. Assim, o adepto de sofá voltou por um jogo a ser treinador de bancada.
Quando o autocarro passou por aqui na autoestrada, ligou-me, e lá fui ter com ele ao estádio.
Lembrámos-nos de quando viemos para Lisboa para continuarmos a estudar e íamos a pé da Centieira até Alvalade para vermos os jogos do campeonato de reservas que o dinheiro era pouco não dava para mais. Hoje ele é sócio e sofredor, eu apenas simpatizante.
Sabes mãe, ontem não gostei, aquilo já é não um espectáculo, muito menos uma festa. Parece que tudo virou ódio, toda a envolvência antes do jogo ao redor do estádio fez-me lembrar uma multidão, agora de homens e mulheres, a prepararem-se para uma batalha de vida ou de morte. Dentro do estádio as hostes dos dois exércitos a trocarem mimos verbais, com os da casa em maioria esmagadora a subirem os decibéis do som sempre que os adversários entoavam os seus cânticos ofensivos. Não sei se é sempre assim, mas deve ser porque faz parte, dizem que dá motivação, mas para mim mãe, aquilo é apenas técnicas de alienação, que estarão na origem de tanta aversão de tanto ódio nas palavras de ordem, nos cânticos, até bombas e petardos levam para os rebentarem dentro do estádio. Sim, à entrada há funcionários de uma empresa que nos apalpam para verem se levamos algo de anormal connosco, o pequeno canivete que o pai tinha não mo queriam deixar passar, mas as tristes e perigosas claques oficiais e ilegais quer de um lado quer do outro tinham bombas petardos e very-lights para se provocarem, é que não chegam as palavras é preciso simular com bombas para levarem a alienação da multidão quase ao êxtase.
Não mãe, isto já não é nada parecido com os tempos em que eu ia aos domingos ver jogos de futebol. Hoje o medo de desacatos provocados por extremistas das claques organizadas, legais e ilegais, é tanto que até o pessoal das roulottes que vendiam sandes de couratos, febra no pão ou pão com chouriço, são proibidos de poderem fazer o seu negócio, por causa da violência que envolvem estes jogos, o tempo de os amigos irem juntos ver o desafio dos seus clubes rivais, já acabou, parece que isso era há muitos séculos.
É certo que felizmente as mulheres agora participam e vão aos estádios assistir aos jogos, havendo até equipas femininas a disputarem campeonato. Ontem atrás de nós estavam duas, com ares de serem umas senhoras todas bem. Pior foi quando o árbitro apitou o início do jogo e começaram a desfilar o seu precioso vocabulário, onde “filho da puta” era um mimo cor de rosa no vocabulário utilizado a plenos pulmões, e, olha mãe não eram senhoras de um bairro social da periferia de Lisboa, antes vieram da Covilhã da terra do árbitro, ameaçando uma delas que hoje lhe iria furar os quatro pneus, o mano ainda tentou dizer-lhe que não fizesse isso, mas na altura um jogador do Benfica caiu, precisou de assistência e as tais ditas senhoras gritavam para que o deixassem morrer. Triste, muito triste como um espectáculo bonito se transformou nesta alienação sem limites nem sentido algum.
Do jogo tivemos azar, porque desenrolou-se sempre na outra parte do campo, longe de nós. Claro que houve casos, até porque os árbitros também eles andam condicionados pelas “máfias” que controlam o “negócio” daquilo a que ainda chamamos, jogo de futebol. Mas os lagartos jogaram mal para não dizer que não jogaram nada, em parte porque o adversário foi melhor tecnicamente e em parte porque os lagartos jogam a passo de forma previsível, ou seja, correm pouco e devagar, excepto dois jovens portugueses que ainda por cá andam a jogar. 
Ao regressar de carro ouvi os comentadores na Antena1 a falarem dos casos. Apenas um se passou na nossa área de melhor visão, assim como algumas faltas e cartões, mas lá a visão em real é muito diferente da visão no sofá. Cheguei a casa e fui ver na televisão, mas olha mãe, não sei se voltarei a ir outra vez, é muita confusão, muita fita e matreirice, coisas a mais para os meus pobres e cansados neurónios.

Sem comentários:

Enviar um comentário

Nota: só um membro deste blogue pode publicar um comentário.