quarta-feira, 10 de março de 2021

21.02.27

 

Dizem-nos que na aldeia não há progresso. Sempre nos disseram isso. Efectivamente ainda hoje a vida da aldeia se resume ao trabalho duro e incerto nos campos. Um trabalhar de sol a sol de esperanças sem certezas.

As cidades foram e são o centro onde as oportunidades de vida menos dura pode ser encontrada pelos aldeões que procuram fugir ao destino de vida quase feudal de muitos antepassados. Assim foi, assim é, ainda.

Escreve quem nasceu num quarto alugado numa rua esmagada entre fábricas na cidade grande. Nasceu mas, cresceu na aldeia à beira-mar a norte da cidade grande. Nasceu mas nunca se achou um citadino, um lisboeta, um alfacinha. Na guerra, na sua Companhia de Caçadores era dos raros senão mesmo o único nascido na capital, mas enquanto alguns se diziam de Lisboa sem nesta terem nascido, ele que nasceu num quarto alugado numa rua esmagada entre fábricas na cidade grande de Lisboa era o alferes Peniche. Foi em duas aldeias, em duas praias nos arredores de Peniche que cresceu e se fez homem nascido que foi num quarto alugado numa rua esmagada entre fábricas na cidade grande que era e é Lisboa. Nas voltas que a vida toma é neste tempo de agora um visitante mensal das terras onde no início do século passado os seus avós criaram os seus pais. Terras raianas do interior sul da Beira Baixa onde ainda há quem resista vivendo do seu trabalho e daquilo que a Natureza lhes permite. Como em muitas outras aldeias do pobre interior deste país são mais as casas que os seus habitantes que por lá continuam trabalhando na vida dura e incerta do campo que não sendo rico tem entre as quatro estações duas grandes épocas, o frio de gelar e o calor do forno. Mas a tudo nos habituamos e logo depois nos arrabaldes da cidade grande sentimos falta quer desse mesmo frio ou até do calor que à tarde tudo sufoca mas que nos dá a oportunidade das noites quentes ao luar aonde ainda se observa a olho nu a nossa galáxia que na juventude dizíamos ser a Estrada de Santiago.

Caminhando nos terrenos da Herdade do Souto, sentindo o vento frio vindo de terras de Espanha, olhando lá longe a silhueta branca da Estrela, pode-se viver um sentimento quer de Liberdade quer de Paz que é muito difícil encontrar hoje nas cidades. Até o seu amigo oceano Atlântico, o seu mar de Peniche seja no Baleal, na ponta do Cabo Carvoeiro, seja na Consolação não lhe dá o mesmo sentimento pois são duas formas distintas da Natureza que a vida lhe ofereceu conhecer e de que tanto gosta. Aquele sentir de Liberdade não o encontra no mar quer este esteja calmo ou zangado, é diferente. Ao mar aprendeu a respeita-lo, não deixando de ter feito na sua juventude aventuras que hoje acha terem sido de enorme irresponsabilidade mas ao realizar essas irresponsáveis aventuras a sorte protegeu-o. Talvez por ter consciência dessa irresponsabilidade o mar não lhe dá esses sentimento de Liberdade quando o olha frente a frente.

Dizem-nos que na aldeia não há progresso. Sempre nos disseram isso e é verdade. Mas a vida na aldeia tem outra dimensão a quem já nada tem a fazer na cidade grande entre os cogumelos doentes de betão. Nas ruas da urbe não existem ervas a bater palmas quando depois da chuva cair aparece o Sol para as ajudar a crescerem. Nos jardins da urbe raros são os silêncios em que se pode escutar as conversas das árvores tal é o ruído da vida à sua volta. E nem falar na gastronomia porque em parte pela qualidade da água, em parte pela própria exploração agrícola, os alimentos ganham outro sabor outra alma.

E, quando pensamos há quanto tempo não vamos ao cinema, ou não assistimos a um teatro. Festivais é outro assunto. Depois, o país é pequeno e bem servido de auto-estradas. Cheguei ontem aos arrabaldes da cidade grande e já sinto saudades das terras raianas do interior sul da Beira Baixa.




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