segunda-feira, 22 de março de 2021

22.03.22

 

Na nossa juventude em terras de Peniche vivíamos os quatro. A família originária do outro lado do país, tinha quase toda ela saído das terras raianas de Idanha a Nova em busca de uma vida melhor que aquela que a terra pobre prometia aos que nela trabalhavam. Vivemos os quatro longe dos outros familiares. Dias festivos eram os dias das festas religiosas e os dias de aniversário, mas mesmo estes, sem festas que o dinheiro estava contado ao tostão para que pudéssemos, os dois filhos, estudar. Não sei se na cidade grande já se festejava o dia do pai nesse tempo sombrio dos anos sessenta do século passado. Não me recordo de lá na aldeia estas coisas destes dias serem lembradas. Celebrava-se o dia da mãe que era a 8 de Dezembro, dia feriado e festivo por ser o dia de Nossa Senhora da Conceição, então também considerada "Padroeira de Portugal". O mundo da aldeia estava muito longe do mundo da cidade. Mas também o país vivia amordaçado, fechado sobre si próprio num orgulhosamente "sós". O sonho de uma outra vida era muito condicionado pelo regime de uma ditadura feroz num entendimento quase perfeito entre os políticos e a igreja. Dizia-se à boca fechada, e era verdade, que as paredes tinham ouvidos.

Crescemos assim simples e humildes desconhecendo a vida na cidade grande. Cidade que nos tinha visto nascer mas de onde saímos ainda meninos.

Voltamos para a cidade grande para continuarmos a estudar ainda e sempre com os tostões todos contados, sem festas de aniversários a não ser um almoço ou jantar melhorado por uma sobremesa. Crescemos pois no ambiente familiar de um mundo a quatro quase à margem do mundo que nos rodeava.

Com o crescimento que os estudos nos davam fomos mudando e adaptando a nossa maneira de interagirmos com a sociedade. Aprendemos a gostar de política. Ganhámos consciência do que a política poderia dar à sociedade. A ideologia passou a fazer parte do nosso crescimento enquanto seres humanos.

Quando chegou a Liberdade ao nosso país, estava eu na guerra lá longe no designado leste angolano. Já o meu irmão terminava os estudos de economia. Só depois os meus pais passaram a ir ao cinema e ao teatro. Os tostões contados não terminaram mas davam para sem exageros viver a vida de forma mais folgada. Os filhos estavam arrumados, seguindo cada um o seu caminho em novos núcleos familiares.

Porque também somos aquilo que vivemos no passado, vivo indiferente às comemorações que se fazem dos dias, seja ele o dia do pai, seja o dia dos namorados, seja o dia da árvore ou outro qualquer. Vivo assim porque todos os dias são dias para celebrarmos a vida de forma positiva, agradecendo aos nossos deuses. Deuses que podem ser os nossos pais estejam eles onde estiverem, já que pouco importa a distancia que nos separa pois há sempre pelo menos um céu que nos une. É assim que mudo de ano não a um de Janeiro mas a vinte e dois de Dezembro.

Não ligando importância às comemorações que a sociedade actual instituiu, ligo, contudo, importância ao dia 22 de Março de mil novecentos e quarenta e sete. O dia em que a árvore que anos antes o amor entre cristão e cristão-novo criou, permitiu que dela saísse o fruto que neste dia criou uma outra árvore que passado cerca de três ano deu os seus dois frutos. O primeiro chamou-se João e o segundo dá pelo nome de Carlos.




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