sexta-feira, 12 de fevereiro de 2021

21.02.09

 

Na rotina dos dias iguais acordou à mesma hora de sempre. Pela janela olhou o tempo cinzento. Viu no telemóvel a temperatura que o mesmo lhe dava. Certificou-se que chovia. Chovia bem. Olhou para a sua amiga que em frente a porta da rua o esperava para saírem os dois. Ela ao vê-lo ir buscar a capa para lhe vestir ainda tentou fugir mas lá deixou que ele lhe colocasse a capa protetora para a chuva. Vestiu a sua capa comprada no Lidl e cujo defeito é só lhe chegar acima do joelho porque de resto não repassa nem mete água.

Sempre gostou da chuva, agradecendo à deusa da mesma, que não conhece, a bênção dela cair assim certinha para que não provoque estragos nos campos que tanto dela precisam. Embora as barragens estejam cheias ou em cotas perto da capacidade máxima, os campos continuam a precisar da abençoada água da chuva. Na rua ainda nem cem metros tinham andado e já estavam todos molhados que chovia bem. Se neste tempo confinado à hora que sai para o seu passeio matinal encontra pouca gente na rua, hoje com a chuva viu ao longe duas ou três pessoas que iam ou chegavam para o trabalho. Sentiu-se mais jovem ao apanhar a molha desta manhã. Enquanto caminhavam pelas ruas da urbe lembrou-se da sua ida ao cinema Império assistir ”A Louca de Chaillot”. Foi numa tarde de sexta feira dos seus ainda dezoito anos. Ao sair chovia. As pessoas saiam dos seus trabalhos e dirigiam-se apressadas para casa. Era época do Natal. A Avenida Almirante Reis com suas lojas todas iluminadas de acordo com a época natalícia. Ele desceu da Alameda Afonso Henriques até ao Martim Moniz e daí até ao Cais de Sodré sempre a pé com o chapéu de chuva na mão fechado. Sabia-lhe bem a chuva. Quando chegou a casa da sua tia em Caxias todos lhe ralharam por chegar todo molhado com o chapéu de chuva fechado na sua mão. Seguindo com a Sacha a cheirar tudo o que podia e ele deixava veio-lhe à memória a conversa que teve com o seu irmão à pouco tempo quando os dois iam estudar de bicicleta para a Escola Industrial e Comercial em Peniche, onde uma Directora salazarista de sete costados e meio se impunha pelo medo que causava nos jovens estudantes. Num dia em que não levaram oleado para se protegeram da chuva, ao entrarem nos portões da cidade começou a chover bem fazendo-os acelerar o pedalar para não se molharem muito. A fascista da directora não autorizava que eles pudessem entrar no recinto da escola em cima das bicicletas, teriam de fazê-lo a pé levando a bicicleta pela mão chovesse ou fizesse Sol. Naquela dia pedalando rijo para fugirem à chuva que caia ao entrarem no recinto da escola o seu irmão sprintou para chegar ao telheiro onde deixavam as bicicletas. Eis que se ouve o grito estridente e agudo da fascista «Oh cavalheiro Ohh Cavalheirooo» e o seu irmão caiu da bicicleta já no telheiro escorregando a bicicleta pela velocidade que o sprint lhe imprimiu até mesmo junto dos vidros que separavam o recreio dos rapazes do corredor por onde passavam as moças estudantes a caminho do vestuário, da pequena cantina ou da secretaria da escola. E ao recordar estas cenas andando à chuva com a sua amiga sentia-se bem. Gostava da chuva. Pouco lhe importava o sentir as calças nas pernas todas molhadas sendo que o passeio acabou por ser mais curto que o habitual neste tempo de «fica em casa» porque os ouvidos são o ponto fraco da sua amiga e se a humidade não lhe faz bem a chuva é pior por isso quando ela se despachou e ele colocou o respetivo saco das fezes no caixote de lixo urbano, rumaram a casa mais para a limpar e cuidar dos ouvidos embora ela não goste que lhe toquem nas orelhas quanto mais que lhe metam o dedo nos ouvidos para os limpar.

Depois de tomado o pequeno almoço, pela janela olhava a chuva a cair e deixava as portas da memória se abrirem onde sonhos e ilusões se misturam como as gotas de água da chuva que corre pelo algeroz do supermercado em frente da sua janela. Ele ali parado andava por outras margens onde as lembranças o abraçam e lhe dão alento para continuar a sua caminhada. Olhando pela janela ouve a musica da chuva a cair sobre as chapas de zinco que colocou no telheiro traseiro da casa. Casa que esta a cerca de 250 quilómetros mas ali estava ele a ouvir o som da musica que as gotas da chuva tocam quando caem sobre o telhado metálico. Musica que ao acorda-lo de noite o faz ficar sentado na cama escutando na tentativa de perceber se há alguma mensagem da deusa da chuva para ele.



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