segunda-feira, 5 de abril de 2021

21.04.05

 

Não era de muitas falas. Muitas foram as vezes que se sentava na cadeira para lhe cortarem o cabelo em que as poucas palavras por ele pronunciadas se resumiam ao indicar o número do pente para o corte e a um outro sim ou não, para no final perguntar, quanto devia pelo custo do corte.

Naquela manhã, contudo, mostrou-se um pouco mais falador com a jovem empregada que lhe cortava o cabelo. Admirada ficou a jovem quando ele lhe disse convicto de que não gostaria de ser mais novo agora. Bem tentou explicar-lhe as suas razões para o não desejar ser jovem neste tempo, mas via na cara dela o pensamento de que não só não acreditava nele como o achava anormal. Não durou muito a conversa porque o corte estava no fim. Pagou e saiu sorrindo à jovem. No caminho para casa pensava no que estes jovens de agora saberão do que foi a vida dos pais e avós para não ir mais longe, do que foi viver com pouco numa vida de amarras visíveis e invisíveis, do que foi ver o homem chegar à lua, a Felicidade de poder viver a Liberdade depois de tantos anos amordaçados, sem esquecer a Felicidade de regressarem vivos de uma guerra, ela mesmo um crime humanitário. Há tantas lembranças boas na sua vida de setenta anos para que voltar a ser jovem num tempo de tantas incertezas negras em que parece que aos jovens nada há para conquistar para o bem estar da própria sociedade a não ser os muitos divertimentos alienantes de ressacas diversas. Por muito que os jovens hoje vivam nada se compara aos gloriosos anos sessenta e setenta do século passado sem esquecer todos os outros anos da sua vida de septuagenário. Sorrindo meteu a chave na porta do prédio abriu-a com a ponta do pé e subiu. Ao entrar em casa desinfetou as mãos com o álcool-gel que têm à entrada, tirou a mascara e lavou as mãos com o detergente da louça a fim de poder coçar o nariz.




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