sexta-feira, 23 de abril de 2021

21.04.18

 

A aragem fria que corria ao iniciar o dia acalmou, e a energia do Deus Sol chegou para mais um dia pleno de vida nestas terras longínquas.

Um tempo num dia diferente dos que nas cidades olham pela janela ou varanda, os prédios em frente ao seu, não ouvem o chilrear da passarada ao pequeno almoço, mas em compensação têm o barulho dos carros conduzidos por stressados condutores.

A calma, o silêncio a fazerem jus ao canto dos machos enquanto as fêmeas em azáfama saltitante procuram algo para comer na terra ou algum elemento que lhes sirva para a construção do seu palácio.

Na rádio Antena1 o Prof. Júlio M Vaz com Inês Meneses comentam o que alguém escreveu e falam-me de Armona, a ilha onde um dia em férias da guerra lá longe, conheci a mãe das minhas filhas, onde passei boas férias apanhando e comendo berbigão, lingueirão, pouca ameijoa e bons choquinhos até que mudei para a minha Consolação e por lá fui passando férias. Mas hoje não troco este estar aqui no profundo e esquecido interior por um tempo na Ilha de Armona e até mesmo a Consolação vai perdendo espaço no meu sentir.

Fui um felizardo ao crescer à beira mar, em praias concessionadas mas quase desertas pela maioria dos que naquele tempo podiam fazer férias neste Portugal amordaçado. Depois da escola e de terminados os exames que naquele tempo os jovens tinham anualmente na escola secundária, eram férias até ao fim de semana anterior ao começo das aulas em novo ano escolar. De dois em dois anos vínhamos passar o mês de Agosto até depois da festa de Setembro em honra de N. S. da Piedade com os meus avós, que sempre moraram na Rua do Espírito Santo sendo por lá que passávamos o tempo ouvindo as histórias que os mais velhos contavam à noite quando os vizinhos se reuniam à porta das casas sentados nas suas pequenas cadeiras. A ti Isabel, mulher do ti Albano sapateiro, gostava de contar histórias do fantástico mundo dos lobisomens e das almas penadas. No final da noite pegava-se nas cadeiras e na candeia regressando cada um às suas casas. As noites de quinta feira eram noites de transmissão televisiva de touradas e nessas noites acompanhados sempre das próprias cadeiras ia-se até às bombas de gasolina onde um gerador de electricidade permitia que houvesse televisão. Uma vez ou outra lembro-me de ir assistir no café do Salgueiro onde bebia um refresco de groselha ou de limão. Só já no final da década de sessenta a luz eléctrica chegou, com ela as noites foram perdendo o encanto já que muitas das reuniões de vizinhos e familiares foi sendo substituída pelo ver e ouvir televisão. Quando ia como o meu avô Chico Capelo à Casa do Povo ele ficava sempre cá atrás junto à porta, ao perguntar-lhe porque ficávamos ali respondeu-me que não queria morrer de morte macaca. E não morreu dessa mas de outra ainda mais repentina.

Com o terminar dos estudos, primeiro morreu minha avó e um ano depois o meu avô seguiu-lhe o caminho para o além desconhecido aos nossos cinco sentidos, comigo já no serviço militar. Veio a guerra e o regressar da mesma para casar e constituir um novo núcleo familiar. Só quando os meus pais fizeram esta casinha e vieram para cá voltei também de novo à Zebreira de onde os primos-amigos já tinham saído em busca de uma vida melhor. Assim fui-me habituando a ficar por aqui desfrutando o descanso e o calor humano que meus pais sempre me tiveram. Depois quando minha mãe partiu um dia desta viagem terrena coloquei-a com a ajuda de um primo na urna mas de novo não me despedi dela. Foi a segunda vez que não me despedi de quem com tanto amor me gerou e criou. A primeira vez que não me despedi foi quando parti para a guerra, não tive coragem de a ver chorar lágrimas de desespero com medo que o seu menino por lá pudesse ficar como tantos outros jovens que nunca mais regressaram à terra que os viu nascer e partir. Desempregado, metido em negócios ruinosos, acabei sozinho mas sempre que podia vinha até cá visitar meu pai. Minhas filhas gostavam de vir, criaram amizades que ainda hoje mantêm, embora hoje só a mais nova seja assídua em vir até cá. Com as vindas até junto de meu pai fui ganhando raízes ou foram as raízes dos meus antepassados que se agarraram a mim, não sei pois há tanta coisa na vida para as quais não encontramos explicação.


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