quarta-feira, 5 de janeiro de 2022

22.01.05


 Se nos descuidarmos a vida atropela-nos.

Foi a frase que ontem ouvi e gravei na memória. Frase dita por uma jovem numa cadeira de rodas que se recusa a ser deficiente porque apenas se sente diferente. Não anda como a maioria pois não tem pernas, mas esse facto apenas a faz diferente e não deficiente. Uma jovem com uma capacidade muito acima da média que lhe proporcionou ao longo da sua vida estar sempre à frente de muitos ditos normais. Completou o décimo segundo ano na vertente de história para depois ingressar no ISCTE em psicologia, sempre como melhor aluna. Ao apresentar-se na sua cadeira de rodas a concurso num banco foi discriminada pelos examinadores que subestimando-a a puseram a fazer inicialmente a prova de matemática quando todos os outros candidatos faziam prova de português, pensando eles que dessa forma a afastavam de imediato. Enganaram-se rotundamente. A jovem que apenas é diferente ficou em primeiro lugar entre os mais de mil candidatos que se submeteram às provas, sendo admitida. Foi mais tarde dispensada num dos despedimentos em massa que a instituição bancária efetuou. Não ouvi da sua boca qualquer palavra de despeito ou revolta pelo facto.

É a segunda vez que nos encontramos à mesa a bebermos um café numa grande superfície onde vem com o seu pai, meu amigo. Nas duas tardes em que passamos a falar não só das oliveiras, do azeite, dos problemas da agricultura do distante pobre e esquecido interior raiano, assim como dos problemas do país e da vida, nunca lhe ouvi uma palavra de desânimo, uma frase de pensamento menos positivo sobre as dificuldades que a vida lhe coloca pela frente pelo facto de ela ser diferente fisicamente pois que mentalmente o seu pensamento está sempre à frente do nosso. Para acabar estas palavras recordo o ela me dizer que nós para fazermos ou realizarmos uma tarefa apenas pensamos numa forma simples para a realizarmos enquanto que ela para a realização dessa mesma tarefa pensa logo em duas, três ou quatro alternativas para a sua realização.

Despedimo-nos. Eles foram às compras no supermercado e eu voltei a pé para casa pensando nos porquês desta existência, nas injustiças deste sistema, procurando abafar a revolta que crescia dentro do peito.

Sei que não vou ouvir nenhum dos debates televisivos entre os políticos candidatos à Assembleia da República. Raros serão os momentos em que falarão a verdade que gostaria de os ouvir debater.

Irei votar consciente do valor do meu voto, mas não dou tempo de antena a estes curtos episódios de discussão em doze minutos que o poder dos OCS dá aos partidos políticos. Basta-me olhar para os moderadores para de imediato desligar.

Não foi para isto que aos dezoito anos entrei na política participando nos comícios mais da Comissão Eleitoral de Unidade Democrática do que da Comissão Democrática Eleitoral. Não foi para isto que nesse tempo pela calada da noite distribuímos pelas caixas de correio nos Olivais os boletins de voto daquelas forças políticas que se opunham ao regime de ditadura asfixiante da Acção Nacional Popular ex União Nacional. Irei exercer o meu voto consciente, é esse o meu desejo e a minha vontade.

Depois, irei continuar a andar na outra margem da vida na travessia do deserto, mais consciente que nunca que não há Democracia sem a existência livre de partidos políticos. Os mais novos não conheceram felizmente os tempos negros e miseráveis da ditadura salazarista. Muitos das gerações mais velhas podem-se recordar desses tempos de quarenta e oito anos, mas, o atraso económico e social do nosso país tem as suas raízes muito mais profundas. Quarenta e oito anos do regime de Salazar-Caetano é uma gota comparado com os anos que durou no país a ditadura fanática da Inquisição (de 23 de Maio de 1563 a 31 de Março de 1821) com os «irmãos» do Santo Ofício em exercício e para os quais só existia a presunção de culpabilidades sempre que alguém era denunciado, fosse o acusado judeu sefardita, cristão-novo ou outro ser humano desde que tivessem a ousadia de pensar e olhar a vida de modo diferente dos preceitos instituídos pela organização religiosa que dominava quer o clero quer grande parte da nobreza desses tempos. O Marques de Pombal decretou o fim da Inquisição mas a bufaria, o mal dizer ou mais recentemente o prender primeiro acusando antes de interrogar, tem raízes históricas muito profundas as quais ainda perduram no ADN de muitos.

Irei votar mas vou continuar qual ovelha ranhosa tresmalhada a ler e a estudar a história que nunca nos contaram nem o poder atual tem coragem de enfrentar, preferindo apresentar-se em Bruxelas como um dia a nobreza monárquica o fez perante Castela, apenas os tempos e as condições objetivas e subjetivas são diferentes das de então.

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