0411
Depois
da emoção dos militares em parada, como homenagem aos antigos
combatentes que lutaram na primeira grande guerra ao lado das forças
aliadas contra as forças dos impérios alemão e austro-húngaro,
sobem à memória acontecimentos passados em Angola nas quase terras
do fim do mundo, sem rancores, nem ódios, apenas alguma revolta
comigo mesmo, que me acompanha há uns anos bons. Por vezes guardo-a
e fecho-a numa das gavetas do cérebro, outras a gaveta abre-se por
si dando lugar a este sentimento triste de revolta.
Era
eu um jovem de vinte e um anos, a quem o sistema político de então,
contra minha vontade e sem consultar os meus pais, me mobilizou para
a guerra em Angola com o posto de alferes de infantaria e me
responsabilizou pela vida de outros trinta jovens, sem que para tal
nos dessem qualquer seguro de acidentes de trabalho.
No
próximo almoço com o antigo capitão da companhia vou ver se não
me esqueço de lhe perguntar, o porquê de acumular oficiosamente a
função de oficial da polícia judiciária militar da companhia,
cuja principal função era a elaboração dos autos, quer de corpo
delito, quer de outros mais simples.
Ao
fim de poucos meses de estarmos no Mumbué, o cabo Magalhães sofria
de tromboflebite que não só o incapacitava, como o impedia de
participar nas operações do meu grupo de combate. Não foi fácil a
luta para que pudesse ser evacuado para a Metrópole a fim de ser
tratado, já que as indicações surdas e mudas do Comandante de
Batalhão era evitar evacuações na nossa companhia (o homem não
gostava de nós; andámos por Chaves e Viana do Castelo mas quando a
Companhia passou no Chitembo a caminho do Mumbué o senhor não sabia
quem eu era felizmente). O cabo Magalhães foi evacuado. A Companhia
depois de rodar do leste para o norte acabou por regressar sem outras
baixas.
Passados
uns anos telefonam do Quartel General para casa de meus pais à minha
procura. Minha mãe ia morrendo de susto. Lá fui ao QG em S.
Sebastião da Pedreira. Entrei acompanhado por um senhor Coronel da
PJM e fiquei a saber que o auto que tinha elaborado no mato em Angola
ainda estava aberto, passando eu de relator a testemunha por ter
elaborado inicialmente o auto e ter sido o comandante do grupo de
combate a que o Magalhães pertenceu. Respondi aos quesitos com a
consciência de ter dito a verdade. Em causa estava uma diferença de
200 escudos na pensão de invalidez.
A
revolta que me castiga e não me abandona é o facto de ter
conhecimento que figura menor da nossa política, já depois do 25 de
Abril partiu o pé em Moçambique e esse facto proporcionou-lhe uma
reconfortante pensão de invalidez, e eu por falar verdade privei o
cabo Magalhães de uns míseros 200 escudos (1 euro). Esta vai comigo
até ao fim.
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