sábado, 10 de novembro de 2018

Cabo Magalhães


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Depois da emoção dos militares em parada, como homenagem aos antigos combatentes que lutaram na primeira grande guerra ao lado das forças aliadas contra as forças dos impérios alemão e austro-húngaro, sobem à memória acontecimentos passados em Angola nas quase terras do fim do mundo, sem rancores, nem ódios, apenas alguma revolta comigo mesmo, que me acompanha há uns anos bons. Por vezes guardo-a e fecho-a numa das gavetas do cérebro, outras a gaveta abre-se por si dando lugar a este sentimento triste de revolta.
Era eu um jovem de vinte e um anos, a quem o sistema político de então, contra minha vontade e sem consultar os meus pais, me mobilizou para a guerra em Angola com o posto de alferes de infantaria e me responsabilizou pela vida de outros trinta jovens, sem que para tal nos dessem qualquer seguro de acidentes de trabalho.
No próximo almoço com o antigo capitão da companhia vou ver se não me esqueço de lhe perguntar, o porquê de acumular oficiosamente a função de oficial da polícia judiciária militar da companhia, cuja principal função era a elaboração dos autos, quer de corpo delito, quer de outros mais simples.
Ao fim de poucos meses de estarmos no Mumbué, o cabo Magalhães sofria de tromboflebite que não só o incapacitava, como o impedia de participar nas operações do meu grupo de combate. Não foi fácil a luta para que pudesse ser evacuado para a Metrópole a fim de ser tratado, já que as indicações surdas e mudas do Comandante de Batalhão era evitar evacuações na nossa companhia (o homem não gostava de nós; andámos por Chaves e Viana do Castelo mas quando a Companhia passou no Chitembo a caminho do Mumbué o senhor não sabia quem eu era felizmente). O cabo Magalhães foi evacuado. A Companhia depois de rodar do leste para o norte acabou por regressar sem outras baixas.
Passados uns anos telefonam do Quartel General para casa de meus pais à minha procura. Minha mãe ia morrendo de susto. Lá fui ao QG em S. Sebastião da Pedreira. Entrei acompanhado por um senhor Coronel da PJM e fiquei a saber que o auto que tinha elaborado no mato em Angola ainda estava aberto, passando eu de relator a testemunha por ter elaborado inicialmente o auto e ter sido o comandante do grupo de combate a que o Magalhães pertenceu. Respondi aos quesitos com a consciência de ter dito a verdade. Em causa estava uma diferença de 200 escudos na pensão de invalidez.
A revolta que me castiga e não me abandona é o facto de ter conhecimento que figura menor da nossa política, já depois do 25 de Abril partiu o pé em Moçambique e esse facto proporcionou-lhe uma reconfortante pensão de invalidez, e eu por falar verdade privei o cabo Magalhães de uns míseros 200 escudos (1 euro). Esta vai comigo até ao fim.

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