sexta-feira, 7 de dezembro de 2018

A velhice é um posto


Preparava-me para jantar quando ouço um dirigente sindical justificar na sua opinião a justeza da greve em curso. Queixava-se o dito sindicalista que há colegas de profissão que há dez anos estão no mesmo escalão.
Quer dizer, na função pública continuam a existir vícios e pensamentos que há muito deveriam estar enterrados. Vícios e pensamentos corporativos que dirigentes sindicais assumem como um dos motivos para uma greve de luta.
Lembro-me do meu pai, que quando jovem queria ser agricultor, mas vicissitudes da vida o trouxeram como praça para a extinta Guarda Fiscal, sujeitando às regras para-militares da organização enquadrada no Ministério das Finanças. Para poder evoluir, nas horas vagas do serviço estudava para todos os anos se submeter a exame por forma a subir na escala hierárquica. Na lista oficial final desses exames nunca figurava em lugar de promoção. Foi sempre a exame com o saber dos seus estudos, sem notas por debaixo da mesa. Depois do 25 de Abril, o irmão Chico, meu tio, colocado no Comando Geral, teve acesso às listas dos ditos concursos e na lista após-exames meu pai nunca figurava abaixo do quinto classificado, mas oficialmente havia outras notas bem mais interessantes. Tempo «das públicas virtudes brancos costumes».
Outra situação passou-se comigo. No serviço militar fui colocado em Chaves no então BC10 para dar instrução como Aspirante. Por razões que desconheço fui colocado como adjunto do Oficial de Operações. Para poder cumprir os preceitos de promoção a Alferes fui um dia fazer uns dias de campo numa das serras que circulam a cidade. O Comandante da Base um dia chamou-me e deu-me a ordem de por alguns soldados a ajudarem o cozinheiro a descascar as batatas. Dirigi-me com os galões nos ombros a uns soldados que se encontravam deitados a. apanharem sol, que o tempo ainda era freso. Um desses soldados olhou-me sem se levantar e perguntou-me se eu sabia quantos meses tinham de tropa ou quantos dias lhes faltavam para a “peluda” (termo que designava a disponibilidade, o fim do serviço militar), apontando de seguida para um outro grupo dizendo-me que os outros eram “maçaricos” e bons para fazerem o trabalho, continuando todos deitados indiferentes. O capitão que comandava a base observava a cena, chamou-me e disse-me “ O Aspirante Andrade não sabe que no serviço militar a velhice é um posto? Ponha os outros na cozinha a ajudar”. Isto passou-se em 1972, depois disso existiu o 25 de Abril em 1974, mas em 2018 ainda há nas estruturas de funcionários públicos e dirigentes sindicais que acham que “a velhice é um posto”.
Grevistas quase todos a reclamarem por revisões de carreira, isto é, mais dinheiro de forma automática porque a velhice continua um posto! mas, nenhum a reivindicar melhores mais justas e difíceis avaliações a fim de dignificar a função que desempenham. Porque?
Depois, dizem os políticos, e dizemos todos nós que merecemos e queremos melhor e mais eficiente Estado, mas será que com pensamentos destes vamos algum dia ter melhores serviços do Estado à comunidade?

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