domingo, 30 de dezembro de 2018

Aniversário


Naquele final de mil novecentos e cinquenta, o Natal chegou mais cedo ao quarto que o jovem casal beirão, emigrado na cidade, tinham alugado. Pouco faltava para as oito da manhã quando o pai chegou ao local de trabalho em Cabo Ruivo e já lá estava a notícia que no quarto do número 25 lhe tinha nascido outro rapaz. Tinham começado esse ano com o nascimento do primeiro filho e acabavam o ano a festejar o nascimento do segundo.
Não me lembro de ter nascido, o que sei foi por intermédio de minha mãe e de meu pai.
Assim nasci e fui crescendo naquela rua, que ainda hoje resiste ao assalto imobiliário. Aos cinco anos mais mês menos mês estive com a “mortalha” feita, mas a penicilina me salvou, não era ainda a minha hora. Iniciei a escola com seis anos, apanhei muitas reguadas porque não escrevia direito no caderno de duas linhas. Quando um dia me levaram à Feira Popular criei problemas aos meus pais, deu-me vontade de fazer xixi e fi-lo na fotografia do Salazar que estava exposta no chão do stand. No Baleal aprendi a nadar à cão, e porque gostava se saltar das rochas em mergulho, virei o “bucho”, sendo tratado por uma velhota que morava em Ferrel salvo erro nos Leões. Sofri vários acidentes de bicicleta a caminho da Escola em Peniche, quase todos por maluquice minha. Assim fui crescendo entre a Escola, o mar, as dunas, o campo e o saber dos livros.
Dos anos que marcaram este dia um se destaca de todos os outros. O de 1972, o dia em que fazia 22 anos no dia 22. O dia em que viajei com a 2ª Companhia de Caçadores 5010, de Nova Lisboa para o Mumbué lá no centro leste de Angola. A paisagem, as vilas por onde passámos, os gentios dos quimbos à beira da estrada, tudo era uma interrogação, um desconhecido profundo, com as mãos fixas naquela que seria durante dois anos a minha companheira de vida, a G3 que me distribuíram no Grafanil em Luanda. Chegamos quase à hora do crepúsculo mas ainda dia. Arrumado o pelotão na caserna que lhe foi destinada, sentei-me na minha mala, olhando atónito para a festa que soldados, furriéis,e oficiais faziam pela nossa chegada. A alegria louca de uns era a interrogação e o medo dos “maçaricos” acabados de chegar para os rendermos. Ali, sentado no meio do nada, rodeado pela loucura em festa, pensava na minha mãe, no meu pai, de quem não tivera a coragem de me despedir. Ali fiquei sentado de lágrimas nos olhos, G3 entre as mãos, com o pensamento muito longe, sem compreender o que fazia eu ali. Alguém me procurou, já não me lembro quem foi, e ajudou a levar as coisas para o quarto que os quatro alferes dividíamos. Ninguém ali a não ser eu próprio sabia que naquele dia 22, fazia os meus 22 anos. Uma idade bonita para festejar com meus pais e irmão, mas estava ali só no meio daquela festa que não era minha, embora fosse uma festa justa para todos aqueles também jovens que fomos render.
Hoje, olho e lembro tudo o que a memória guardou, o bem que fiz, mas também o mal e a dor que causei nos outros.
Já não vou fazer tantos anos como fiz até hoje. Entrei na recta final, desejando que a mesma seja um caminho longo, para o ir percorrendo com alguma qualidade de vida, de modo a poder dar o meu contributo singelo por uma sociedade mais decente, mais humana e solidária, menos consumista, do que aquela que felizmente temos hoje, pois tanto nos custou chegarmos até aqui.
Para todos Boas Festas. Um Bom Natal, e um Bom Ano que o meu Ano Novo começa hoje!!

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