Naquele
final de mil novecentos e cinquenta,
o Natal chegou mais cedo ao quarto que o jovem casal beirão,
emigrado na cidade, tinham alugado. Pouco faltava para as oito da
manhã quando o pai chegou ao local de trabalho em Cabo Ruivo e já
lá estava
a notícia que no quarto do número 25 lhe tinha nascido outro rapaz.
Tinham começado esse ano com o nascimento do primeiro filho e
acabavam o ano a festejar o nascimento do segundo.
Não
me lembro de ter nascido, o que sei foi por intermédio de minha mãe
e
de meu pai.
Assim
nasci e fui crescendo naquela rua, que ainda hoje resiste ao assalto
imobiliário. Aos cinco anos mais mês menos mês estive com a
“mortalha” feita, mas a penicilina me salvou, não era ainda a
minha hora. Iniciei a escola com seis anos, apanhei muitas reguadas
porque não escrevia direito no caderno de duas linhas. Quando um dia
me levaram à Feira Popular criei problemas aos meus pais, deu-me
vontade de fazer xixi e fi-lo na fotografia do Salazar que estava
exposta no chão do stand. No Baleal aprendi a nadar à cão, e
porque gostava se saltar das rochas em mergulho, virei o “bucho”,
sendo tratado por uma velhota que morava em Ferrel salvo erro nos
Leões. Sofri vários acidentes de bicicleta a caminho da Escola em
Peniche, quase todos por maluquice minha. Assim fui crescendo entre a
Escola, o mar, as dunas, o campo e o saber dos livros.
Dos
anos que marcaram este dia um se destaca de todos os outros. O de
1972, o dia em que fazia 22 anos no dia 22. O dia em que viajei com a
2ª Companhia de Caçadores 5010, de Nova Lisboa para o Mumbué lá
no centro leste de Angola. A paisagem, as vilas por onde passámos,
os gentios dos quimbos à beira da estrada, tudo era uma
interrogação, um desconhecido profundo, com as mãos fixas naquela
que seria durante dois anos a minha companheira de vida, a G3 que me
distribuíram no Grafanil em Luanda. Chegamos quase à hora do
crepúsculo mas ainda dia. Arrumado o pelotão na caserna que lhe foi
destinada, sentei-me na minha mala, olhando atónito para a festa que
soldados, furriéis,e oficiais faziam pela nossa chegada. A alegria
louca de uns era a interrogação e o medo dos “maçaricos”
acabados de chegar para os rendermos. Ali, sentado no meio do nada,
rodeado pela loucura em festa, pensava na minha mãe, no meu pai, de
quem não tivera a coragem de me despedir. Ali fiquei sentado de
lágrimas nos olhos, G3 entre as mãos, com o pensamento muito longe,
sem compreender o que fazia eu ali. Alguém me procurou, já não me
lembro quem foi, e ajudou a levar as coisas para o quarto que os
quatro alferes dividíamos. Ninguém ali a não ser eu próprio sabia
que naquele dia 22, fazia os meus 22 anos. Uma idade bonita para
festejar com meus pais e irmão, mas estava ali só no meio daquela
festa que não era minha, embora fosse uma festa justa para todos
aqueles também jovens que fomos render.
Hoje,
olho e lembro tudo o que a memória guardou, o bem que fiz, mas
também o mal e a dor que causei nos outros.
Já
não vou fazer tantos anos como fiz até hoje. Entrei na recta final,
desejando que a mesma seja um caminho longo, para o ir percorrendo
com alguma qualidade de vida, de modo a poder dar o meu contributo
singelo por uma sociedade mais decente, mais humana e solidária,
menos consumista, do que aquela que felizmente temos hoje, pois tanto
nos custou chegarmos até aqui.
Para
todos Boas Festas. Um Bom Natal, e um Bom Ano que o meu Ano Novo
começa hoje!!
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