Nesta
noite de 24 todas as iguarias tem lugar à mesa que se enchem
repletas de comidas tradicionais e não tradicionais. As muitas
conversas cruzam-se e perdem-se com o que as televisões dizem.
Alheio as televisões e às conversas que andam no ar, fica em
conversa com a sua sombra num diálogo mudo, que ninguém os ouve: “-
como hoje o Natal é a negação completa do Natal da minha
meninice”.
Já
durante a tarde o aparelho de rádio ia tocando músicas de Natal de
um cd com vários anos. Desligou-o. Ficou só nos afazeres das suas
iguarias, relembrando os Natais da juventude e falando agora com a
mãe ausente, ouvindo-a cantar enquanto amassava as filhoses, que
afinal eram coscorões,
“Oh
meu menino Jesus
Oh
meu menino tão belo
Quando
vieste nascer
Na
noite do caramelo”
Depois
enquanto estendia a massa e controlava a fritura, cabendo-nos a nós,
filhos, o colocarmos as mesmas nas travessas depois de as passarmos
pela mistura do açúcar com canela,
“Entrai
pastores entrai
Por
esse portal adentro
Vinde
adorar o Menino
No
seu santo nascimento”
Quantas
noites de Natal passamos apenas os três, já que calhava ao pai
ficar de plantão no posto da guarda fiscal. Mas fossemos os três ou
o quatro o dia passava-se à volta das tais filhoses. Tu mãe, sempre
risonha ia-nos ensinando a cantar ao Menino Jesus como na tua terra,
na outra fronteira distante aprendeste quer dos avós, quer das
celebrações religiosas que por lá se faziam. E a uma quadra outra
se seguia,
“Entrai
pastores entrai
Por
esse portal sagrado
Vinde
adorar o Menino
Numas
palhinhas deitado”
E,
muitas outras contavas, mas que a minha memória não as encontra no
baú do inconsciente.
No
final, o jantar simples das batatas cozidas, com a couve portuguesa e
o bacalhau suficiente para os quatro, e, para com o bacalhau que
sobrava fazeres uns deliciosos pasteis de bacalhau. Como estávamos
nas férias de Natal, ou líamos algum livro, que nesse tempo
televisão só existia num café lá6 na aldeia, colocávamos o
sapatinho ao pé da chaminé para no dia seguinte de manhã termos lá
uma ou outra peça de roupa nova para vestirmos e irmos à missa.
Tudo
era simples mãe.
Mesmo
nos últimos anos, depois de sofreres o malfadado avc, nunca deixaste
de ir cantando ao teu Menino Jesus, quando te ia buscar para passarem
o Natal na minha casa. Sabendo disso, preparavas tudo para que
cumprindo o que me ensinavas, amassar as filhoses, e, depois de
levedar estendia a massa e cortava as filhoses, contigo a meteres a
mão esquerda na massa para te aperceber do ponto, já que a direita
ficou inválida com malfadado avc. Ao lume da lareira, a velha
frigideira com a azeite quente recebia os coscorões, ficando a
fritura dos mesmo sob o olhar atento do pai. No final dividiam-se as
filhoses pelas travessas de acordo com o que decidias, umas para
dividir por primas e vizinhas, outro para o mano, outra para
trazermos e algumas para vocês comerem depois ao pequeno almoço
migadas no café.
Enquanto
tudo isto acontecia, sempre ias cantando ao Menino Jesus,
Agora
mãe, quase nada se faz, tudo se compra. Os adultos dizem às
crianças “Olha o que o Pai Natal te deu, ou te trouxe”. O tal
Menino Jesus está fora de moda ou em extinção precoce. A
Multinacional da Coca-Cola ganhou a guerra aos ultra-conservadores da
Cúria Romana. Bem pode pregar o Papa Francisco, dissertar sobre as
virtudes da humildade, sobre os malefícios sociais do consumismo
exagerado, poucos mesmo na sua igreja o ouvem e seguem.
O
Menino Jesus que tu cantavas e que um dia terá nascido em Belém na
Judeia, cuja história é escrita na Bíblia cem anos depois, para
dar origem ao nascimento dos cristãos, e daí à mais poderosa
organização religiosa existente, parece estar a atravessar momentos
difíceis...mãe!
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