domingo, 30 de dezembro de 2018

Natal_18


Nesta noite de 24 todas as iguarias tem lugar à mesa que se enchem repletas de comidas tradicionais e não tradicionais. As muitas conversas cruzam-se e perdem-se com o que as televisões dizem. Alheio as televisões e às conversas que andam no ar, fica em conversa com a sua sombra num diálogo mudo, que ninguém os ouve: “- como hoje o Natal é a negação completa do Natal da minha meninice”.
Já durante a tarde o aparelho de rádio ia tocando músicas de Natal de um cd com vários anos. Desligou-o. Ficou só nos afazeres das suas iguarias, relembrando os Natais da juventude e falando agora com a mãe ausente, ouvindo-a cantar enquanto amassava as filhoses, que afinal eram coscorões,
Oh meu menino Jesus
Oh meu menino tão belo
Quando vieste nascer
Na noite do caramelo”
Depois enquanto estendia a massa e controlava a fritura, cabendo-nos a nós, filhos, o colocarmos as mesmas nas travessas depois de as passarmos pela mistura do açúcar com canela,
Entrai pastores entrai
Por esse portal adentro
Vinde adorar o Menino
No seu santo nascimento”
Quantas noites de Natal passamos apenas os três, já que calhava ao pai ficar de plantão no posto da guarda fiscal. Mas fossemos os três ou o quatro o dia passava-se à volta das tais filhoses. Tu mãe, sempre risonha ia-nos ensinando a cantar ao Menino Jesus como na tua terra, na outra fronteira distante aprendeste quer dos avós, quer das celebrações religiosas que por lá se faziam. E a uma quadra outra se seguia,
Entrai pastores entrai
Por esse portal sagrado
Vinde adorar o Menino
Numas palhinhas deitado”
E, muitas outras contavas, mas que a minha memória não as encontra no baú do inconsciente.
No final, o jantar simples das batatas cozidas, com a couve portuguesa e o bacalhau suficiente para os quatro, e, para com o bacalhau que sobrava fazeres uns deliciosos pasteis de bacalhau. Como estávamos nas férias de Natal, ou líamos algum livro, que nesse tempo televisão só existia num café lá6 na aldeia, colocávamos o sapatinho ao pé da chaminé para no dia seguinte de manhã termos lá uma ou outra peça de roupa nova para vestirmos e irmos à missa.
Tudo era simples mãe.
Mesmo nos últimos anos, depois de sofreres o malfadado avc, nunca deixaste de ir cantando ao teu Menino Jesus, quando te ia buscar para passarem o Natal na minha casa. Sabendo disso, preparavas tudo para que cumprindo o que me ensinavas, amassar as filhoses, e, depois de levedar estendia a massa e cortava as filhoses, contigo a meteres a mão esquerda na massa para te aperceber do ponto, já que a direita ficou inválida com malfadado avc. Ao lume da lareira, a velha frigideira com a azeite quente recebia os coscorões, ficando a fritura dos mesmo sob o olhar atento do pai. No final dividiam-se as filhoses pelas travessas de acordo com o que decidias, umas para dividir por primas e vizinhas, outro para o mano, outra para trazermos e algumas para vocês comerem depois ao pequeno almoço migadas no café.
Enquanto tudo isto acontecia, sempre ias cantando ao Menino Jesus,

Agora mãe, quase nada se faz, tudo se compra. Os adultos dizem às crianças “Olha o que o Pai Natal te deu, ou te trouxe”. O tal Menino Jesus está fora de moda ou em extinção precoce. A Multinacional da Coca-Cola ganhou a guerra aos ultra-conservadores da Cúria Romana. Bem pode pregar o Papa Francisco, dissertar sobre as virtudes da humildade, sobre os malefícios sociais do consumismo exagerado, poucos mesmo na sua igreja o ouvem e seguem.
O Menino Jesus que tu cantavas e que um dia terá nascido em Belém na Judeia, cuja história é escrita na Bíblia cem anos depois, para dar origem ao nascimento dos cristãos, e daí à mais poderosa organização religiosa existente, parece estar a atravessar momentos difíceis...mãe!

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